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Predisposição dos reclusos para apresentarem queixas

VIII. Análise e interpretação das entrevistas a Guardas-prisionais, Directores Penitenciários e

1.1. O sentido das prisões: funções e impactos da reclusão

1.2.0. Predisposição dos reclusos para apresentarem queixas

Existe no senso comum uma ―consciência‖ generalizada relativamente aos vários condicionalismos penitenciários para os reclusos apresentarem queixas. Conhecem-se igualmente as dificuldades de passar informações para o exterior quando estas não são do agrado da instituição prisional. Exemplos do que acabamos de dizer são a lei do bufo a que não estão alheias a concepção da prisão actual e a sua desorganização social, agora dividida em facções violentas, atravessada por roubos e pela predação inter-reclusa e pela violência associada à economia da droga na cadeia (Irwin e Cressey) e a sujeição às revistas pormenorizadas da instituição prisional que ao

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abrigo de questões de segurança conspurcam cartas e outros pertences aos reclusos. Essa predisposição institucional torna-se altamente prejudicial para a vida enclausurada do denunciante. Depois de ouvirmos os reclusos quisemos obter as opiniões dos outros actores penitenciários que mais convivem com os reclusos e quisemos que, também, se pronunciassem em relação a essas ―verdades‖. Quisemos, igualmente, saber que tipos de queixas é que apresentam. As respostas recaíram, maioritariamente, na negação da voz corrente que refere a dificuldade que os reclusos têm em apresentar queixas. Apenas dois entrevistados [um em cada grupo profissional] assinalam a lei do bufo e o medo de represálias como motivo para não apresentação de queixas. De qualquer forma as queixas recaem nas mais diversas razões que vão desde a necessidade de serem ouvidos queixando-se por tudo e por nada, a roubos e ―calotes‖, queixas contra o sistema penitenciário, contra a sociedade e justiça em particular, pela falta de condições ou oportunidades ou falta de diálogo com os vigilantes e direcção da cadeia.

GP5 é o único guarda prisional que afirma a dificuldade que os reclusos têm em apresentar queixa dadas as represálias a que estão sujeitos. “o problema das prisões é sempre as

represálias” (GP5)

Dos dois elementos da direcção prisional entrevistados, também DP1 afirma a dificuldade que os reclusos mostram para apresentar queixas. Diz esta directora prisional que os reclusos não só não se sentem à vontade para apresentar queixas como apresentam uma predisposição [fruto das aprendizagens internas] para não o fazer. A aculturação que a ―sociedade prisional‖ vai interiorizando vai resultar na participação destes no ―jogo‖ prisional cujas regras lhes indicam que se ―bufarem‖ as consequências são negativas para si.

Por sua vez a instituição prisional também não quer ouvir queixas porque o recluso não merece ser escutado.

―não [predisposição do recluso para apresentar queixas], claro que não e evidentemente

que não por causa da regra do “bufo” (…) . Eles não são burros, não são nada burros e, portanto, a partir de determinada altura aprenderam e jogam (…) e não só, a instituição prisional não está preparada para aceitar criticas ou melhor, não são críticas às vezes são constatações. Eu costumo dizer-lhes e é verdade, eu penso, o sistema prisional não é perfeito e todos sabemos disso e temos que aceitar isso mas a ideia não é essa normalmente, a ideia é: o sistema prisional não é perfeito mas também eles não merecem melhor, não é? Portanto, enquanto se tiver esta mentalidade…‖ (DP1)

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Apesar do entendimento tácito entre as partes (instituição, reclusos e staff prisional) para a não apresentação de queixas, aquelas que acontecem dizem respeito aos direitos e oportunidades que lhes estão a ser negadas pela instituição prisional.

―eu acho que eles acham sempre que não lhes estão a ser dadas as oportunidades

que…existem na lei e que portanto a reinserção social deles que vai ser muito difícil porque não lhes estão a ser dadas as oportunidades que eles merecem e que eles precisam‖ (DP1)

Contrariamente aos dois casos anteriores, todos os elementos entrevistados referem a absoluta liberdade em os reclusos apresentarem queixas. GP1, por exemplo, refere a sua constatação em relação à evolução que vem notando nessa direcção.

―Cada vez mais o recluso se queixa. Cada vez mais eles se sentem à vontade para se

queixarem porque eles sentem, realmente, que alguém os ouve. Antigamente já não era assim, claro as coisas vão evoluindo como tudo, o recluso hoje em dia queixa-se e muito e ele faz prevalecer as suas ideias e o que está mal e o que não está, ninguém o cala.‖ (GP1)

Essas contínuas queixas reflectem-se na qualidade alimentar, na falta de atenção que lhes é dada, enfim, quem está preso está carente sempre de alguma coisa.

―É as condições de alojamento, por exemplo, que é frio, que não estão bem, a

alimentação ou porque hoje é peixe e não sei quê, que não gostam há sempre aquelas coisas que ninguém…depois é que estão para lá que ninguém os quer ouvir que ninguém lhes dá a atenção e depois lhes falta isto que lhes falta aquilo, porque quem está preso precisa sempre de alguma coisa‖ (GP1)

Outra directora prisional diz que, para além dos reclusos estarem à-vontade para apresentar queixas, ela própria fomenta esse espírito crítico.

―Penso que sim [á vontade para apresentar queixas] e tanto penso que registo muitas

memórias de queixas que os reclusos apresentam: sobre a forma de estar de outros funcionários na casa…de, portanto, de coisas que correram mal, de coisas que estão mal dentro do estabelecimento e não só registo este tipo de queixas como eu própria faço questão de lhes perguntar calmamente se tem alguma coisa que vejam que está a correr mal ou o que eles acham de que os procedimentos institucionais, em que é que os procedimentos institucionais lhes dão dificuldades no seu processo de integração social, na sua estadia no estabelecimento, na sua adaptação, etc.‖ (DP2)

122 GP4 diz, também que os reclusos têm total liberdade para apresentar queixas e estas se dirigem contra a sociedade, isto é, os juízes, a justiça e os políticos.

―é perfeitamente sempre, sempre, sempre, contra a sociedade. A sociedade é que é

culpada de tudo e quem fala da sociedade fala da própria justiça. Os juízes são isto, os juízes são aquilo, os políticos são isto, os políticos são aquilo‖ (GP4)

Outro guarda prisional reafirma a liberdade dos reclusos para apresentar queixas, embora o façam a diferentes elementos da estrutura prisional de acordo com o grau de confiança que sentem a quem apresentam a queixa.

―a nós sub-chefes, sim, porque eles quando tem que apresentar queixas de um guarda

ou de um recluso nunca é a um guarda, é a nós e neste momento (…) acho que já tem sempre

[à vontade para apresentar queixas] se não confiarem no guarda ou mesmo no chefe eles podem sempre fazer pedidos ao director, não é? Ou à educadora, por escrito‖ (GP2)

Quanto ao tipo de queixas maioritariamente feitas refere ― os problemas entre eles ou

foi o outro que lhe roubou alguma coisa ou emprestou dinheiro a outro e o outro não lhe paga, normalmente é isso‖ (GP2)

A condição de origem de outro guarda prisional (nasceu e viveu em ambientes degradados e diz que é o ambiente de onde o recluso típico deriva) facilita o contacto com os reclusos e estes sentem-se à vontade para lhe apresentar queixas se bem que haja colegas que não conseguem descer ao nível do recluso.

―comigo estão [à vontade para apresentar queixas] e com uma grande parte dos guardas

sim, embora que haja sempre uma minoria que guarda é guarda‖ (GP3)