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Sentimento dos reclusos nos primeiros tempos de prisão

VIII. Análise e interpretação das entrevistas a Guardas-prisionais, Directores Penitenciários e

1.1. O sentido das prisões: funções e impactos da reclusão

1.1.7. Sentimento dos reclusos nos primeiros tempos de prisão

Quisemos obter da parte dos de guardas e directores prisionais entrevistados as suas percepções em relação à forma como visualizam os sentimentos e reacções dos reclusos nos seus primeiros tempos de reclusão. A entrada na prisão é o inicio de um processo de danos psicológicos que o facto de estar preso causa (Carlen, 2007). Desesperança, tristeza, revolta, medo, angustia, vergonha, impacto, surpresa e desconforto são alguns dos sentimentos que os nossos entrevistados detectam nos reclusos quando aqueles dão os primeiros passos na prisão. A dificuldade em aguentar a pressão dos primeiros tempos de prisão é directamente proporcional ao apoio que recebem do exterior. Aqueles que recebem visitas conseguem superar a os primeiros tempos de prisão de uma forma menos ―penosa‖. Outros entrevistados afirmam que o recluso, inicialmente, é sempre inocente e quando confrontado com regras a que não está habituado mostra a sua falta de respeito e de educação. Este discurso sobre a ―inocência‖ dos reclusos vem no mesmo sentido do texto de Pereira (2007) em relação à percepção que o staff prisional tem dos reclusos de tipologia sexual ―a sua transversal insinceridade, patente em

expressões como: ―…eles estão todos inocentes!‖

De acordo com a maioria dos entrevistados é normal que haja sentimentos e reacções fortes dos reclusos nos primeiros tempos de prisão.

Um guarda prisional refere que o recluso quando entra na cadeia considera-se sempre inocente mas, depois, vai-se conformando. Foucault (2009) fala que o poder disciplinar na

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cadeia vai, ―adestrar‖ o indivíduo. São técnicas de controlo minucioso do corpo, distribuição e compartimentação de indivíduos em que cada um ocupa o seu lugar, é o cumprimento minucioso de horários. O objectivo é fixar mecânicas próprias aos indivíduos.

―eles acham que quando entram cá estão cá inocentes, ou seja, a culpa é dos outros (…)

eles como não querem estar ali há muitos problemas entre eles, depois acabam por se conformar.‖ (GP2)

Um outro guarda prisional salienta a maior dificuldade daqueles que não tem contactos ou visitas de familiares e amigos.

“…eu acho que realmente quem cai cá dentro e não tem visitas, não tem apoio de fora são os que mais sentem que custa a reclusão (…) Quem realmente não tem contacto com ninguém do exterior da sociedade, da família, quer seja da família quer seja amigos…‖ (GP1)

A vida na prisão é constituída por regras e os reclusos quando lá chegam não vêm habituados a elas. Dessa forma o nosso entrevistado diz que o sentimento dos reclusos nos primeiros tempos de prisão é falta de respeito e de educação. Os indivíduos, quando entram, não têm mecânicas próprias.

―Há regras. Eles estão habituados a não haver regras e aqui há regras (…) acima de

tudo falta de educação. Eles chegam aqui pensam que estão lá fora, não respeitam ninguém‖

(GP3)

De acordo com um dos guardas prisionais entrevistados, o sentimento que os reclusos experimentam nos primeiros tempos de prisão é caracterizado por um grande impacto seguido por uma sensação de medo.

―atendendo ao facto que a prisão é para os indivíduos que não tem essa experiência é

um impacto, é um impacto, é um indivíduo amedrontado, tem medo, tem medo do que dizem, que é o ambiente prisional, o principal medo que eles têm em primeiro lugar é o receio é de que lhes possa ser provocado algum tipo de crime que afecte a sua integridade física porque eles têm receio, tem medo.‖ (GP4)

114 Já para uma directora de prisão os sentimentos vividos pelos reclusos nos seus primeiros tempos de prisão são caracterizados pela angústia e pela vergonha de estar preso – o estigma de se ser recluso: ―Há diferentes formas de estar mas a maior parte deles, sobretudo quando vem

presos pela primeira vez é de angústia, é de uma grande angústia porque se está preso, porque tem de se estar fechado, pela vergonha, pela vergonha de estarem presos, muitas das vezes não querem sequer dará a conhecer a situação de estarem presos aos amigos‖ (DP1)

Na resposta em relação ao sentimento dos reclusos nos primeiros tempos de reclusão a directora refere que que embora os primeiros tempos de reclusão tenham um impacto muito grande no indivíduo, ―os últimos dias de cumprimento de pena são qualquer coisa de terrível (DP1).

A directora fala dos códigos dos reclusos. Um dos códigos do recluso – o rasgar dos dias do calendário é usado nos últimos tempos de reclusão de forma aflitiva. Nesses dias, não comem, não dormem, ficam mais agressivos, mais ansiosos, menos tolerantes…a saída para os reclusos torna-se confusa. Eles querem e não querem…sair. Clemmer (1940) fala dos códigos culturais criminógeneos que se apreendem na prisão e da conformidade de todo um grupo aos valores de uma cultura prisional própria.

Eles tem todos ou quase todos aquele código de ter um calendário em que vão

cortando os dias, aqueles últimos dias são aflitivos eles precisam nesses últimos dias de qualquer coisa para dormir porque desde o não dormir, o não comer, relativamente aquilo que os vai esperar lá fora, nunca mais chega a hora, nunca mais chega o momento, ficam muito mais ansiosos, ás vezes até mais agressivos, menos tolerantes, a fazer coisas que até ali nunca tinham feito. Não é porque agora já posso fazer tudo, agora já não vão poder ser punidos disciplinarmente, não é por isso, é mais porque agora é mais difícil controlar a ansiedade, o medo, o pânico. Querem e não querem…‖ (DP1)

Talvez pelo facto de GP5 já ter uma longa experiência profissional refere a ―normalidade institucional‖ dos sentimentos e reacções que os reclusos têm nos primeiros tempos de prisão. Todavia, a pressão que se gera pelo facto de estar preso e em contacto com outros reclusos [de todo o tipo] faz com que o recluso gize o caminho da medicação para fazer face à pressão penitenciária e esse caminho culmina em violência.

―reagem menos bem e é normal (…) mas a pessoa que vem pela primeira vez o estado

de ansiedade é grande e é normal (…) depois há a pressão dos outros reclusos porque é normal (…) é misturada com todo o tipo de recluso e indivíduos que não tem mesmo regras

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algumas e sabem que vão fazer da vida deles sempre o mundo do crime e depois vão perturbar, vão ameaçar, vão incomodar essas pessoas e isso vai ajudar, vai contribuir para que a pessoa ande mais controlada, crie uma ansiedade muito grande e depois lá está, a seguir vai ao médico, vai pedir ansioliticos, vai pedir anti-depressivos, etc. isto na fase inicial da reclusão e o que gera, por vezes, agressões físicas, também, confrontos físicos porque a pessoa descontrola- se de tal ordem que reage mal e claro e depois vai ao limite, vai ao extremo que é a agressão física.‖ (GP5)

Já para outra directora prisional a reacção dos reclusos nos primeiros tempos de prisão é caracterizado pela surpresa e descontrolo.

―é como alguém lhe tenha retirado o chão debaixo dos pés porque tudo aquilo que

aquela pessoa tinha como certo na sua vida deixa de existir e, portanto, há um sentimento de completa confusão mental, não sabe onde está, não sabe como é que a vida lhe vai correr, o que é que tem de fazer e o que é que é certo fazer, portanto, penso que a primeira noção é que está perdido, que está completamente sem chão numa instituição de que não pode sair porque a porta está fechada, portanto, é uma sensação dos limites que tem, que está, efectivamente, encurralado, digamos assim, e num sitio no qual ainda não se sabe gerir. Portanto, é um sentimento de surpresa por um lado e de completo descontrolo por outro‖ (DP2)