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3 PERSPECTIVAS TEÓRICAS ALTERNATIVAS À ABORDAGEM DOS

3.1 Prelúdio da Sociologia Econômica e Economia Institucional

Nas últimas décadas do século XIX a posição da economia nas ciências sociais passou a ser motivo de controvérsia entre autores e correntes de pensamento. Enquanto

alguns, notadamente os economistas da teoria neoclássica, procuraram restringir os fenômenos econômicos na esfera de uma teoria econômica, outros pensadores buscavam interpretar os fatos econômicos como integrante de um contexto social.

A tentativa de separar a economia dos estudos da sociedade e da política tornou- se evidente por volta de 1870, com a emergência da economia neoclássica que é caracterizada por se opor a economia política e por tentar levar os fatos econômicos para o enclave da economia. O significado desse movimento é a tentativa de isolar as questões econômicas do ambiente social, tratando-as como um fenômeno específico e exclusivo à análise da nascente ciência econômica. Para tanto, era necessário conduzir as discussões econômicas por caminhos alheios ao cerne da economia política clássica, o que passava pela substituição da discussão do valor trabalho pelo valor utilidade, bem como o deslocamento do foco das relações das classes sociais para a noção de indivíduos.

A teoria neoclássica instrumentalizou as análises da economia com o estabelecimento de axiomas e de lógicas de ações fundamentas em indivíduos e mercados. O indivíduo toma a forma de agente racional utilitarista, na busca de promover o próprio bem-estar atuando sob o regime da divisão do trabalho em prol do funcionamento do mercado. Desse modo, o mercado seria resultado exclusivamente das ações humanas individuais, de forma que os vários membros da sociedade tomam as decisões sobre o que, como, e a quantidade a produzir. “O mercado é o ponto focal para onde convergem e de onde se irradiam as atividades dos indivíduos” (MISES, 1987).

Decorre da teoria econômica neoclássica no século XIX a tentativa de isolamento da economia das ciências sociais através da explicação de que as pessoas, ou melhor, os agentes econômicos, agem sobre a lógica teórica abstrata do cálculo egoísta- hedonista de maximização de utilidades, tendo e vista a busca pela maximização dos seus níveis de bem-estar. A imersão social seria consequência e não causa dos interesses egoístas dos indivíduos, sendo a busca pela interação com outros indivíduos explicada a partir dos próprios interesses egoístas dos indivíduos no sentido do aumento do seu nível de bem-estar.

O mercado, neste contexto, seria o locus abstrato de interação entre essa massa pulverizada de indivíduos egoístas buscando aumentar o seu nível de satisfação e eficiência na produção, distribuição e troca de bens e serviços. Estando, portanto, os mesmos despossuídos de características substantivas em termos de subjetividades,

história e cultura (DEQUECH, 2011; MILONAKIS; FINE, 2012; STEINER, 2001, 2015).

A procura pela separação dos fatos econômicos das questões sociais causou incômodo em diversos autores como Weber, Durkheim, Pareto, Veblen, Commons entre outros (DEQUECH, 2011; HUGON, 1970; HUNT, 1989; STEINER, 2015). No esforço de distanciar os fenômenos econômicos do contexto social, os neoclássicos tornavam a economia mais abstrata e reduziam as possibilidades de explicação da realidade, nesse contexto, Hugon (1970) coloca que:

(...) à medida que a ciência econômica se desenvolvia, começaram alguns autores a observar um, divórcio cada vez mais acentuado, entre a teoria e a realidade: enquanto indicava aquela o que de uniforme existia nos fenômenos econômicos (...), esta última apresentava uma diversidade crescente de fenômenos econômicos e uma relação cada vez mais estreita entre o econômico e o social.

O posicionamento neoclássico levava, também, a uma análise a-histórica o que, naturalmente, resultou em reações por parte de autores e de correntes teóricas que discordavam da possibilidade de descolar os fenômenos econômicos dos fenômenos sociais e históricos. A reação histórica foi apoiada nos trabalhos de Augusto Comte que estabeleceu os princípios metodológicos aplicáveis nas ciências sociais, tendo a comparação histórica um papel central no conhecimento dos fatos sociais. Comte desenvolveu um método para justificar a impossibilidade de separação entre as diferentes ciências sociais e pautar a reação histórica com base no método histórico, na dinâmica econômica e na evolução orgânica (HUGON, 1970; STEINER, 2001, 2015).

Deriva da reação histórica na economia política, a noção de relatividade e o aprofundamento da descrição de fatos econômicos e de estatísticas nas análises de trajetória histórica, o que significou uma clara contraposição ao absolutismo teórico e a negação das chamadas leis naturais. Além disso, as tendências fragmentadoras das ciências sociais foram combatidas por trabalhos sociológicos de Spencer, Fouillée, Tarde e Durkheim (HUGON, 1970).

A partir dessa “escola sociológica” se desenvolve a sociologia econômica, uma orientação que conscientemente promove a ideia de uma única ciência social, em oposição à separação entre economia, sociologia e economia política; ou mesmo da aceitação inconsciente e implícita existente até o século XVIII de uma união entre as áreas (HUGON, 1970). A reação histórica leva a contestação da economia neoclássica e

promove a noção da sociedade como um organismo formado por partes separadas com estreita solidariedade entre si. Tal ideia passa a ser defendida por autores como Pareto, Spann, Sombart e Simand (HUGON, 1970, pp. 407-408).

Ainda que haja diferenças entre a visão de mundo dos economistas neoclássicos e a dos sociólogos-economistas, é patente observar que, quando ambos estudam os fenômenos econômicos, eles tratam de objetos comuns. O Quadro 2 apresenta alguns dos elementos estudados pela sociologia e pela economia neoclássica, em uma perspectiva heurística comparativa.

Quadro 2 – Elementos da Análise da Sociologia Econômica e da Economia Neoclássica Elementos Sociologia Econômica Economia Neoclássica

Conceito de ator Socialmente construído "ator em

interação" ou "ator em sociedade"

Abordagem microeconômica "individual".

Conceito de ação econômica

Escolhas com base na

racionalidade, a ser explicada (não definida).

Preferências estáveis, escolha em função da maximização.

Relações de Poder Poder de controle e distribuição

desiguais.

Agentes iguais, perfeita competição, sem poder de mercado.

Restrições das ações econômicas

Posição do ator na estrutura social, valores culturais.

Gostos e escassez de recursos ou limites tecnológicos; maximização da utilidade ou lucro.

A economia em relação à sociedade

Processo social, parte orgânica da sociedade.

Mercado, comércio (trocas) pressupõe parâmetros sociais estáveis.

Objetivos da análise Busca por análises empíricas,

próximas da realidade.

Estabelecimento de teorias capazes de previsão.

Modelos empregados Maior peso na descrição dos dados,

variedade de métodos.

Matematização, constituição de equações.

Elaboração a partir do texto de Smelser e Swedberg (2005).

Pelo Quadro 2, são observados elementos e objetos de análise vistos tanto pela sociologia econômica como pela economia neoclássica. Por meio da conceituação entre as correntes teóricas fica clara a incompatibilidade de estudos conjuntos entre a economia neoclássica e a sociologia econômica, tanto pela metodologia empregada, quanto pelos conceitos utilizados. Na sociologia econômica, a ação econômica é executada por atores que se relacionam e possuem influências constituídas por uma estrutura social e por relações de poder desiguais, o que implica em restrições econômicas por parte de valores da sociedade. Por outro lado, a teoria neoclássica observa a ação econômica como uma escolha maximizadora, executada por um agente

racional que atua em um mercado, sendo que as restrições dos agentes se limitam a escassez de recursos.

Os modelos e os objetivos da análise colocam de um lado a sociologia econômica que possui uma heterodoxia na análise das relações, e objetiva explicar a organização social e a atuação dos agentes que são constituídos socialmente. Por outro lado, a preocupação dos neoclássicos é encontrar mecanismos científicos capazes de ser demonstrado, o que revela haver uma ortodoxia que está explícita nos seus axiomas.

Praticamente ao mesmo tempo em que aflorava a sociologia econômica, também, surgia a economia institucional como corrente teórica impulsionada principalmente pelos trabalhos de Veblen, Commons e Mitchell, entre o final do século XIX e o início do XX, que relacionavam a vida econômica com a evolução institucional das sociedades.

A economia institucional é crítica em relação à neoclássica pela ortodoxia da análise econômica, pela abstração da realidade e pelo desprezo da história. Conquanto, os institucionalistas compartilham dos principais preceitos neoclássicos como a busca pela eficiência econômica pautada pelo direito de propriedade e pelo princípio de maximização do agente (ESPINO, 1999; HODGSON, 1999; NORTH, 1981, 1990). Tais preceitos aproximam o estudo econômico institucional dos neoclássicos. Por outro lado, a heterodoxia aplicada nas análises, assim como o reconhecimento de que cada sociedade deve ser estudada de maneira comparativa, ao longo de sua trajetória histórica, deixa a análise institucional perto da sociologia econômica. Veremos isso com mais detalhes adiante.

3.2 Alternativas as Abordagens dos Mercados I: Sociologia Econômica e a Nova