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5 RESULTADOS E DISCUSSÃO

TEMA ABORDAGEM “E se ela abrir o olho? Eu morro de medo! ” (Neusa)

5.3 A VALIAÇÃO DA T ECNOLOGIA DE G RUPO COMO E STRATÉGIA PARA

5.3.2 Presença de fatores terapêuticos no GRAF

A avaliação dos fatores terapêuticos na atividade grupal é fundamental para identificar os mecanismos do processo de mudança dos participantes. Segundo Yalom e Leszcz (2006), esse processo é complexo e resulta da interação de experiências humanas, que são os fatores terapêuticos. Para os autores, esses fatores são interdependentes e a identificação dos que estão envolvidos na mudança dos membros do grupo ajuda o coordenador a escolher as estratégias indicadas para promover uma experiência de grupo mais produtiva.

Nesse estudo, a presença dos fatores terapêuticos nas sessões do grupo foi avaliada segundo o ponto de vista da coordenação e, atendendo a recomendação de Yalom e Leszcz (2006) sobre a importância da avaliação dos participantes do grupo, também pela perspectiva dos participantes entrevistados.

Na busca pelos fatores terapêuticos presentes nos encontros do GRAF, as coordenadoras identificaram nos registros uma das expressões indicadas por Yalom (1975) como sugestivas da presença de cada um deles. Mesmo que uma das expressões fosse usada por um único participante, a coordenação considerava aquele fator terapêutico presente no grupo.

Com base nos registros do diário de campo, nas gravações dos encontros e no check list de cada reunião, a coordenação do GRAF identificou os seguintes fatores terapêuticos: universalidade (100% das sessões), oferecimento de informações e coesão do grupo (90% das sessões), fatores existenciais (70% das sessões) e instilação de esperança (50% das sessões), como mostra o Quadro 2.

Quadro 2 - Fatores terapêuticos identificados pela coordenação dos grupos nas

sessões do GRAF. SESSÃO FATORES TERAPÊUTICOS 1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª 1- Instilação de esperança X X X X X 2- Universalidade X X X X X X X X X X 3- Oferecimento de informações X X X X X X X X X 4- Coesão do grupo X X X X X X X X X 5- Fatores existenciais X X X X X X X 6- Altruísmo

8- Comportamento imitativo 9- Aprendizagem interpessoal

Embora o processo de mudança nos grupos de terapia geralmente inclua todo o conjunto de fatores terapêuticos, os identificados pela coordenação do GRAF (instilação de esperança, universalidade, oferecimento de informações, coesão do grupo e fatores existenciais) são os que costumam ser observados em qualquer grupo, enquanto os outros são mais comuns em grupos com objetivos psicoterápicos (YALOM, 1975; YALOM e LESZCZ, 2006).

Universalidade e aprendizagem (oferecimento de informações) são confirmados por Vinogradov e Yalom (1992) como os fatores terapêuticos mais comumente observados em grupos de apoio por ajudarem a diminuir o medo, ansiedade e isolamento relativos a uma situação particular. Nos grupos de auto- ajuda, eles destacam universalidade, orientação e coesão como os fatores terapêuticos mais freqüentes. Não obstante, Yalom e Lesczc (2006) lembram que o processo terapêutico envolvido nos grupos é muito complexo e permite inúmeras maneiras de mudança por meio da experiência, de modo que nenhum sistema ou conjunto de fatores terapêuticos pode explicar todo o processo.

É comum os participantes chegarem ao grupo sentindo que são os únicos com aquele tipo de problema, que seus problemas são mais graves do que os de outras pessoas e que só eles têm sentimentos e ou pensamentos pouco aceitáveis. Com certeza, o problema de cada um pode, realmente, ser vivenciado como o mais importante e grave para ele naquele momento, mas sua participação no grupo pode mostrar que essa experiência não é exclusiva dele.

A universalidade é experimentada pela pessoa que, ao ouvir outros participantes revelarem problemas e dificuldades semelhantes aos seus, percebe, com certo alívio, que não é a única com aquele tipo de problema. Segundo Yalom (1975), a universalidade está presente nas expressões indicativas de que a participação no grupo permitiu à pessoa perceber que ela está na mesma situação que outros, que outras pessoas têm as mesmas fontes e motivos de infelicidade e que ela não é muito diferente das outras. No GRAF, esse fator terapêutico foi identificado nas seguintes declarações:

“Pude ver que não é só nós que passamos dificuldades.” (Tiago)

“O grupo é importante por isso (...) você vê que não é só você que tá passando por isso, várias pessoas estão na mesma situação.”

(Vanda)

“Todo mundo de nomes e setores diferentes, mas com os

mesmos problemas e as mesmas dificuldades...”(Luana)

“Foi bom pra ver que todo mundo aqui está passando pelas

mesmas dificuldades, está frágil...” (Mariana)

“Achei muito importante, porque aqui a gente vê muita gente que

está vivendo a mesma situação, o que a gente tá passando a gente vê outro que tá passando também...” (Gilberto)

“Tá ali é porque tá sofrendo a mesma dor, tá com os mesmos problemas, né?” (Dionízio)

“A gente pensa um coisa e quando a gente chega, vê que tem

gente igual...” (Maristela)

“Quando eu vi aquelas pessoas lá, tudo sofrendo igual eu... não

que eu tava achando bom elas tá sofrendo, mas, assim... parece que a gente fica mais aliviada de vê que não é só a gente, né? (...) aliviou um pouco o aperto no peito, né?” (Eugênia – Entrevista)

Para os participantes do grupo de apoio para pacientes psiquiátricos ambulatoriais, descrito por Guanaes e Japur (2001), as experiências relacionadas à universalidade também foram as mais freqüentemente apontadas. No estudo de Armstrong, Wilks e Melville (2003), esse foi um dos fatores curativos mais freqüentemente citados, juntamente com orientação e coesão grupal.

O oferecimento de informações inclui a instrução didática, o aconselhamento, as sugestões e as orientações da coordenação ou de outros membros do grupo. Em geral, os participantes do grupo aprendem muito, mesmo que o processo educacional não seja explícito e desde que ele aconteça em um ambiente de colaboração e parceria, ao invés de prescrição e subordinação. Nos grupos especializados (para pessoas que têm algum transtorno específico ou que enfrentam alguma situação de crise, como o GRAF), além do apoio mútuo, é importante oferecer informações explícitas sobre os temas envolvidos e corrigir concepções erradas ou reações auto-destrutivas (YALOM e LESZCZ, 2006).

Alguns depoimentos de participantes do GRAF confirmaram a utilidade do grupo para a transmissão de informações e orientações:

“Aquele dia que a vossa excelência explicou que UTI não é fim do

mundo, que a UTI é o lugar mais favorável pros médico cuidar, que tem mais condição de ajudar foi... aliviei um pouco e continua aliviando. Essa reunião de vocês (...) me despertou mais coisa que eu ainda não tinha conhecimento (...) Desde que a minha nora entrou aqui, eu ainda era neutro em certos conhecimentos de hospital e hoje eu tenho.” (Marcos)

“O grupo é importante por isso (...) você troca experiências, idéias...” (Vanda)

“... foi bom tá lá naquela reunião, porque a gente fica sabendo de coisa que não ia saber se não fosse lá, ou se não perguntasse pra alguém lá da UTI... Mas as enfermeiras de lá é muito ocupada, né, quando a gente encontra com elas, a gente aproveita pra perguntar as coisas que a gente precisa mais de perguntar... e essas coisas vão ficando pra depois...” (Vanda - Entrevista)

“Conversar faz bem demais, né, ajuda, né... a gente aprende

muita coisa.” (Paulo)

“... tem alguém pra nos orientar, né, pra nos ajudar...” (Maristela) Solicita orientação sobre como proceder para levar um fisioterapeuta para cuidar do tio internado. (Isabela - DC)

Chegou triste, sem entender o que era uma UTI, mas está saindo mais feliz e entendendo melhor o que é a UTI e porque o avô está internado lá. (Angela - DC)

Sai entendendo um pouco mais do que não sabia, esclareceu muitas de suas dúvidas. (Renato - DC)

Para os familiares de pacientes psiquiátricos que freqüentaram o grupo de apoio desenvolvido por Contel e Villas-Boas (1999), o oferecimento de informações também foi um fator terapêutico evidenciado, com a troca sincera de informações entre familiares funcionando como uma primeira tentativa para a solução de problemas no grupo. No grupo para pais de adolescentes com comportamento desajustado descrito por Armstrong, Wilks e Melville (2003), os participantes relataram benefícios práticos advindos das informações e soluções compartilhadas baseadas no que tinha funcionado para outros membros.

A coesão não é apenas mais um fator terapêutico, é uma condição para que outros fatores funcionem de maneira ótima (YALOM e LESZCZ, 2006). O bom desenvolvimento do processo terapêutico fundamenta-se no estabelecimento da coesão grupal, favorecida pela composição homogênea do grupo (VINOGRADOV e YALOM, 1992; KLEIN, 1996).

A coesão refere-se à atração que os participantes têm pelo grupo e pelos outros membros. É o resultado das várias forças que atuam sobre todos os membros para que eles permaneçam no grupo. Em um grupo com acentuada coesão, os participantes se sentem pertencendo ao conjunto e experimentam afeto e conforto; valorizam o grupo se sentem que são valorizados, aceitos e amparados pelos outros membros. Sentindo-se aceitos e entendidos, os participantes se sentirão mais livres para expressarem quaisquer sentimentos (YALOM e LESZCZ, 2006).

Os participantes do GRAF indicaram a presença deste fator terapêutico realçando a importância de não se sentirem sozinhos em sua experiência e de sentir que faziam parte de um grupo constituído por outras pessoas em quem podiam confiar, como se fosse a sua família:

“Eu tô sentindo muito favorecida de estar com vocês aqui... é

como se fosse alguém da minha própria família...” (Elina)

“O grupo é importante por isso (...) você (...) não sente sozinho...”

(Vanda)

“A gente tá se tornando uma grande família, né?”(Luana)

“A gente sabe que aqui todo mundo é amigo e sabe exatamente o

que você tá sentindo... A gente fala e sabe que os outro entende o que que você tá falando...” (Paulo)

“... ali você sente que é tudo amigo... ninguém tá ali pra

bisbilhotar... pra ficar fuxicando sua vida (...) Tô sentindo que a gente tá virando uma família só, né... uma grande família...”

(Dionízio)

“A gente nunca se sente sozinho, né?” (Maristela)

De acordo com Yalom e Leszcz (2006, p. 63), na coesão grupal, o importante não é apenas a descoberta de que outras pessoas têm os mesmos problemas, mas “o compartilhamento afetivo do mundo interior do indivíduo e a aceitação dos outros”.

Os fatores existenciais estão relacionados com as questões existenciais da condição humana que colocam a pessoa frente a frente com a própria mortalidade e responsabilidade diante da vida, bem como com a busca pelo significado da vida. Eles podem ser identificados por expressões indicativas do reconhecimento de que a vida, às vezes, é injusta e que não há como escapar da morte e de algumas dores da vida. Os fatores existenciais também estão presentes quando, independentemente da orientação e suporte recebidos, eles

expressam que a plena responsabilidade pela condução de suas vidas e que há um limite para a ajuda recebida de outros, além do qual eles devem seguir sozinhos (YALOM, 1975; YALOM e LESZCZ, 2006).

Goodwin et al. (2001) referem que os membros de grupos de apoio ou suporte podem ter benefícios psicológicos, emocionais e até mesmo físicos com o apoio recebido dos participantes para um envolvimento significativo nos desafios da vida. Os depoimentos dos participantes do GRAF denotam alguns desses aspectos dos fatores existenciais, relacionados às verdades da vida, manifestando a aceitação das dificuldades vividas como uma parte inerente à condição humana e a necessidade de não se deixar abater pela dor e tristeza:

“Isso é coisa da vida, né? (...) Não é por causa das coisa que a

gente enfrenta na vida da gente que a gente vai ficar triste, né?”

(Maristela)

“Você vê que... além do sofrimento de doença, você vê que você

pode jogar esse conhecimento em outras áreas, né, e saber que... as dificuldades existem.” (Isabela)

“A gente não pode desesperar, porque a vida é preciosa e tem

gente que joga ela fora. (...) A vida não pode parar (...) porque a vida é assim mesmo! (...) A gente tem passar os problemas é como Deus manda, não é a gente... não tem direito não... O que Ele manda pra gente é... o que a gente merece. Isso é sorte

mesmo, uma sina da pessoa. (...) Desde o dia que começa a

gerar, já tem aquela... certeza dos trabalhos que vai passar. Porque (...) os trabalho que nós temos que passar... Um passa mais do que o outro, ele merece, o outro passa menos, ele merece da mesma forma. Nós merecemos aquilo. Do momento que nós somos humano, cada um tem a sua dor mais funda...”

(Dionízio)

Yalom (1975) coloca que as manifestações relacionadas à esperança costumam ser identificadas por expressões, tais como ver outras pessoas vivendo situação semelhante e que estão melhores, saber ou ver que outras pessoas resolveram problemas semelhantes, ver que outros participantes melhoraram ou

saber que o grupo já ajudou outras pessoas com problemas iguais. Mas, segundo Yalom e Leszcz (2006), a esperança pode assumir formas variáveis de acordo com a situação vivenciada, tornando-se esperança de conforto, de dignidade ou de redução do desconforto.

Nas falas dos membros do GRAF, a esperança esteve relacionada também aos benefícios da simples participação no grupo, representados pela oportunidade de ter alguém disposto a ouvi-los e poder falar sobre o que lhes afligia ou, em outras palavras, por se sentirem acolhidos:

“Eu vim desconfortada... acho que aqui eu busquei um

pouco de conforto.” (Eugênia)

“... a gente fica tão fragilizado quando tem um parente como

estava a minha irmã que quando você recebe alguma atenção, seja de quem for, fica mais aliviado, com esperança. O grupo é importante por isso...” (Vanda)

”Aquela moça [Sônia] (...) foi tão boa comigo... Só dela falar

(...) que ela também já tinha passado por aquilo, já tinha visto sua irmã ser levada pra UTI... que já tinha sentido a mesma coisa que eu tava sentindo naquela hora... Aquilo ali foi um... foi um remédio na hora que eu tava precisando... Parece (...) que quando você vê que alguém que também tava sentindo ruim daquele tanto... porque parece que você vai morrer... Então, alguém que passou aquilo também, do mesmo jeitinho e tá ali, viva... sobreviveu, né?” (Eugênia)

“A primeira reunião que teve aqui... elas [as coordenadoras]

podem ver a diferença da primeira... Eu cheguei aqui muito amargurada, derrubada, tava até mais que ela [Eugênia] aqui... Pra mim, eu acho até que tava mais...” (Sônia)

“Eu vou sair daqui cheia de esperança.” (Eunice)

“Eu (...) participo das reuniões aqui, desde que eu descobri,

e pretendo dar seqüência até enquanto eu puder, né? (...) Eu saio satisfeito da recepção e animado com o que vai vim...” (Marcos)

“Hoje é a primeira vez que (...) eu participo da reunião e eu

tô sentindo muito bem e é graças a vocês duas, que vão dar mais força pra gente aí! Eu tô saindo bem mais animado...”

Em qualquer grupo, a instilação e a manutenção da esperança são fundamentais para incentivar a pessoa a permanecer no grupo para receber ajuda. Pensando nesta possibilidade, o coordenador pode usar estratégias que o ajudem na tarefa de aumentar a crença e confiança dos participantes na efetividade do grupo. É importante reforçar expectativas positivas, corrigir preconceitos negativos, dar explicações sobre o poder do grupo para ajudar as pessoas e incentivar o testemunho de participantes mais antigos ou que já freqüentaram outras sessões sobre sua melhora (YALOM e LESZCZ, 2006).

Além disso, como os grupos geralmente integram pessoas em diferentes estágios de enfrentamento, o contato com membros que melhoraram em função de sua participação no grupo funciona como uma fonte de esperança.

Nenhum dos outros fatores que faziam parte do instrumento de registro do grupo (desenvolvimento de técnicas de socialização, comportamento imitativo, altruísmo e aprendizagem interpessoal) foi identificado pelas coordenadoras do GRAF nos encontros realizados. Esse resultado pode ter relação direta com o tipo de grupo, uma vez que eles foram descritos por Yalom (1979) e Yalom e Leszcz (2006) para o contexto psicoterápico e o GRAF não era estruturado para esse enquadre, embora tenha sido possível observar seus efeitos terapêuticos.

Não obstante, algum tempo depois de findo o grupo, os familiares entrevistados revelaram ter percebido outros fatores além daqueles observados pelas coordenadoras do GRAF, como mostra o Quadro 3. Essa diferença entre os fatores terapêuticos identificados pelos participantes do grupo como importantes em seu processo de mudança e aqueles observados pelos coordenadores do

grupo também foi verificada por Feifel e Eells (1963) e Bloch e Reibstein (1980).

Observa-se, no Quadro 3, que instilação de esperança, universalidade e coesão do grupo foram fatores curativos identificados por oito dos participantes, enquanto fatores existenciais foram percebidos por sete, oferecimento de informações por seis, altruísmo e aprendizagem interpessoal por cinco, desenvolvimento de técnicas de socialização e comportamento imitativo por quatro dos familiares entrevistados.

Quadro 3 - Fatores terapêuticos identificados pelos familiares participantes do

GRAF.

FAMILIARES