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O Arquivo Presidencial Fernando Henrique Cardoso: o conceito pessoal 397 : a aplicação de princípios arquivísticos à documentação de Biblioteca, Museu

O VI Governo Constitucional tomou posse em 3 de Janeiro de 1980 Os discursos

Em 21 de Fevereiro de 1985, Ramalho Eanes vetou o diploma referente ao estatuto

5. Princípios para uma metodologia de organização da documentação do Chefe de Estado

5.2. O Arquivo Presidencial Fernando Henrique Cardoso: o conceito pessoal 397 : a aplicação de princípios arquivísticos à documentação de Biblioteca, Museu

e Centros de Documentação

Na metodologia brasileira de tratamento dos documentos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a coexistência, no fundo, de ambientes técnicos distintos – arquivo e biblioteca - determinou a formulação de uma estratégia de tratamento que – sem desconsiderar as especificidades de cada um deles e as convenções adoptadas nas suas respectivas áreas - acabou por submetê-los a “práticas descritivas comuns”.

O critério adoptado para delimitar as fronteiras entre tais ambientes levou em conta, primordialmente, o grau de autonomia dos documentos. “Trata-se de indicador pouco utilizado no âmbito das rotinas das entidades que mantêm ambos os serviços, de arquivo e biblioteca, demarcados quase sempre pelas características físicas do material sob sua guarda”398.

Segundo esta metodologia, foi necessário compatibilizar o procedimento descritivo, para contemplar tanto a abordagem arquivística, quanto a biblioteconómica. Critério que poderá ser questionável, na medida em que a solução poderá ser resolvida através de um software que permita a recuperação da informação em bases de dados de descrição documental distintas399.

397 Designando conceito pessoal: reunião num acervo único de todos os documentos produzidos ou recebidos

por um Presidente ao longo de sua carreira. Conceito adoptado no Brasil, EUA e em França (até 1980). 398 Cfr. CAMARGO, Ana Maria de Almeida ; GOULARD, Silvana , op.cit.,p.54.

399 Exemplo do Software IDEA@ALM, solução inovadora, já comercializada em Portugal, concebida para satisfazer os requisitos de gestão, preservação, exposição e acesso ao património cultural de qualquer organização. Desenhado com base no paradigma ALM (Archies, Libraries, Museums) permite o tratamento totalmente integrado da informação pertencente ao Arquivo Histórico, Biblioteca e ao Museu, assegurando em simultâneo a particularização dos standards e métodos de trabalho específicos de cada uma destas áreas de informação.

132 No caso da biblioteca, os documentos têm autonomia de significado e constituem unidades de auto-suficiência, cuja descrição pode ser feita a partir de regras gerais, sem que se considere o contexto em que foram produzidos ou acumulados. Os documentos de arquivo, pelo contrário, não prescindem da relação que mantêm entre si e com o conjunto.

Segundo esta metodologia, a necessidade de atribuir à biblioteca a funcionalidade que lhe é própria, descrevendo (catalogando) e indexando seus documentos, de acordo com normas convencionais da área, não deveria impedir que as diferentes unidades que a integram se submetessem, sempre que possível, a um processo de contextualização.

O tratamento técnico desses documentos de biblioteca remete-nos, pontualmente, para autores, títulos, datas, editoras, locais de publicação, assuntos. É possível vê-los também, segundo os mesmos critérios biblioteconómicos, como seriados classificados segundo sistema de classificação. Mas há níveis mais específicos de contexto a que podem ser remetidos os documentos de biblioteca, a exemplo do que ocorre com os livros oferecidos ao Presidente da República, nas cerimónias de troca de presentes entre Chefes de Estado e em tantas outras ocasiões. As dedicatórias, os cartões de encaminhamento e o registo de entrada de livros no Serviço da Presidência da República deverão permitir delimitar com rigor o contexto imediato que justifica a presença de tais documentos no fundo da Biblioteca, utilizando por exemplo o campo das notas400. O mesmo se pode dizer de

determinados trabalhos de autoria do titular, produzidos em função de eventos precisos401. Segundo a metodologia de organização dos documentos do Presidente Fernando Henrique Cardoso, da mesma forma que os documentos de biblioteca, os de arquivo admitiriam, sob certas condições, um duplo tratamento, ou seja, o emprego suplementar de referência bibliográfica como mecanismo de individualização. O que devia ocorrer em todas as manifestações do Presidente da República que configurem autoria - por exemplo os Discursos402, Entrevistas, Comunicações, etc.- e sempre que o documento for passível de abordagem tópica. “A aplicação de tais regras é alheia às condições formais dos

400 Neste âmbito, o Presidente da República Jorge Sampaio enviou à Direcção de Serviços de Documentação e Arquivo da Presidência, no final dos seus dois mandatos, as obras que lhe foram oferecidas. O ex- Presidente Jorge Sampaio doou também a sua biblioteca pessoal (algumas monografias possuem dedicatória), deixando um documento legal manifestando a sua vontade que a colecção não fosse desmantelada e permanecesse de acesso público. Cfr. Direcção de Serviços de Documentação e Arquivo (org.) - Biblioteca Privada de Jorge Sampaio. Lisboa : Presidência da República, 2006.

401 Vide Lista de glossário de eventos produzidos de acordo com o modelo brasileiro, Anexo 3 – Glossário de tipos de eventos (Brasil). Selecção de eventos extraídos do “Glossário de eventos”, Segundo o modelo brasileiro de tratamento do acervo de Fernando Henrique Cardoso e que ajuda a contextualizar os documentos

402 Vide SANTO, Paula do Espírito – Estudos de comunicação política : análise de conteúdo da mensagem na campanha e pós campanha eleitoral nas eleições presidenciais. Lisboa : Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2008.

133 documentos, que podem ter diferentes géneros [tipologias], suportes, técnicas de registo, estádios de elaboração e modalidades de autoria”403.

O conjunto de objectos que se convencionou designar de documentação tridimensional404, mantém diferentes graus de aproximação com o género textual. Há objectos inteiramente desprovidos de inscrições ou legendas indicativas das circunstâncias em que passaram a integrar o fundo, dependendo da existência de outros documentos (bilhetes, cartões de visita, cartas e ofícios de encaminhamento). Por outro lado, há objectos que ostentam, por meio de inscrições que lhe são justapostas (em geral dedicatórias) a função que cumprem. E há outros ainda que, são réplicas perfeitas de documentos textuais, deles se diferenciando apenas pelo uso de suportes especiais405.

Ao contrário dos livros, periódicos e outras publicações que pertencem ao espaço da biblioteca e ali sofrem tratamento convencional406, os inúmeros artefactos do fundo deverão ser - de acordo com a metodologia brasileira - submetidos a operações de contextualização que se aplicam aos documentos de arquivo. Com excepção de algumas peças que ostentam, de forma indelével, inscrições elucidativas da funcionalidade que cumpriram, as demais retiram única e exclusivamente do contexto seu estatuto documental, o mesmo se passando com os livros.

Na metodologia brasileira referenciada, a simples presença de objectos tridimensionais não implica a criação de um ambiente técnico museológico, como tem sido a opção de várias instituições similares. Os artefactos, apesar de exigirem cuidados especiais de armazenamento e de desenvolverem um papel preponderante na actividade expositiva, podem compor, ao lado de outras tipologias documentais, o conjunto articulado a que se chama arquivo. Segundo essa metodologia, o carácter heterogéneo do conjunto de objectos existentes no fundo - trabalhos artísticos, condecorações, material de propaganda, etc. - não autoriza a tratá-los segundo os preceitos da museologia, verificando-se “(…) a absoluta necessidade de manter o vínculo orgânico entre os objectos e as acções que por eles se

403Um exemplo desse tratamento poderá ser um dossier preparatório de uma Visita de Estado, conjunto de documentos preparatórios, sistematizações provisórias e textos de apoio, no meio dos quais se encontram trabalhos perfeitamente identificáveis a partir de regras de biblioteconomia. Cfr. CAMARGO, Ana Maria de Almeida ; GOULARD, Silvana , op.cit.,p.56.

404 Documentos museológicos incorporados no fundo do Museu da Presidência da República e que sofreram tratamento documental específico.

405 SEMEDO, Alice; LOPES, J. Teixeira (coord.) - Museus, discursos e representações. Porto : Afrontamento, 2006.

406 Exemplo do seriado “Damião de Góis” e edição dos “Discursos do Presidente Ramalho Eanes”, tratados biblioteconomicamente em software de Bibliotecas (Bibliobase), segundo normas de descrição bibliográfica (ISBD), indexados pelo EUROVOC e utilizando a classificação Decimal Universal.

134 expressam (…)”407. Nessa medida é que se torna possível verificar os diferentes níveis de intensidade da força probatória de tais documentos: alta no caso das distinções honoríficas e de várias homenagens personalizadas, e baixa, nos demais casos. “A própria guarda definitiva de objectos deve levar em conta, num eventual processo de avaliação, a função simbólica de certos itens, cuja materialidade tridimensional pode perfeitamente ceder lugar a imagens fotográficas ou informações referenciais”408.

Grande diversidade de suportes e formatos integram o fundo referenciado, devendo ser identificados dois padrões distintos na organização dos documentos: o que associa a configuração lógica à material, aplicada na biblioteca, e a que dissocia uma da outra, aplicada no arquivo.

Na biblioteca, a utilização da Classificação Decimal Universal (CDU) que identifica os temas ou outro sistema de classificação universal409 que permita contemplar as diferentes áreas temáticas do fundo biblioteconómico, facilita a reunião das obras de um mesmo assunto, e no seu interior os diferentes autores que dele se ocuparam, facilitando o acesso aos documentos.

No arquivo, as operações de classificação e disposição física dos documentos são dissociadas. De um lado, temos a configuração lógica, que determina a maneira como os documentos devem ser classificados de modo a preservar a sua organicidade (sua capacidade de reflectir funções e actividades da pessoa que lhes deu origem) e a permitir critérios de acesso. A classificação recai sobre a unidade de descrição, ou seja, sobre os documentos (entidades singulares ou compostas) cuja individualidade se pretende recuperar a partir do contexto em que foram acumulados.

Por outro lado, a configuração material, determina a forma como os documentos devem ser acondicionados e armazenados, em ambientes favoráveis à manutenção da sua integridade física. Trata-se aqui de compatibilizar os diferentes suportes e formatos às condições dos depósitos (temperatura, humidade relativa e iluminação), segundo os preceitos da conservação preventiva. As unidades de arquivamento são tomadas como base mínima de acondicionamento e armazenamento, numa perspectiva de racionalização dos espaços. Segundo esta metodologia brasileira, a organização lógica do fundo, na área do arquivo, é norteada pela funcionalidade, pela identificação do elo entre os documentos e as actividades que lhes deram origem, de modo a que haja uma representação do contexto que

407 Cfr. CAMARGO, Ana Maria de Almeida ; GOULARD, Silvana, op.cit.p.58 408 Idem,p.58.

135 justificou a acumulação e guarda. A unidade de descrição considera, de preferência, o documento singular (peça), qualquer que seja seu conteúdo, suporte, forma ou formato. Constituem excepções à regra, documentos anexados a outros (documentos de encaminhamento e processos) e os conjuntos formados pela cobertura de um mesmo episódio (reportagem fotográfica e noticiário de imprensa). “Só em casos excepcionais se utiliza o dossiê como unidade, já que a reunião de documentos de natureza diversa em torno de um episódio vem consignada no instrumento descritivo,410 sem que os documentos estejam fisicamente próximos ou que tenha havido a intenção prévia de aproximá-los. É o que acontece, por exemplo, com os documentos produzidos por ocasião da atribuição do doutoramento honoris causa a um chefe de Estado”411, ocorrido em

determinada data e lugar: diploma, fotografia, discurso de saudação (manuscrito, em suporte papel), discurso de agradecimento (gravado), medalha de bronze, noticiário de imprensa (recortes de jornais) e prospecto da instituição promotora do evento, configuram unidades de arquivamento com características materiais tão distintas que jamais formariam um processo, no sentido tradicional da palavra. Armazenados em locais apropriados aos seus respectivos formatos, suportes e tamanhos, e distantes uns dos outros, tais documentos são logicamente aproximados ou agrupados, por meio do instrumento descritivo (por meio de indexação), onde se explicitam suas relações com o mesmo episódio412, ou seja, a

distinção honoris causa ocorrida em determinado tempo e lugar413. Através de uma indexação rigorosa recuperada por um software de pesquisa, a unidade tem de ser recuperada intelectualmente e não fisicamente.

Estão presentes na documentação dos mandatos presidenciais três grandes sistemas de signos: a palavra escrita, a imagem e o som. Há ainda um conjunto de documentos que se distingue pela ausência de signos: objectos tridimensionais de diferentes suportes, cujo estatuto documental só se recupera a partir de meticulosa contextualização.

410 Vide exemplo de descrição técnica efectuada no Brasil, Anexo 4 – Exemplo de descrição técnica (Brasil) 411A título de exemplo o doutoramento honoris causa do Presidente permitiu produzir a seguinte tipologia documental : discurso, fotografia, vídeo, som gravado, noticiário de imprensa, recortes de jornais e revistas, edição do discurso. Constituem exemplos de documentos produzidos em diversos formatos e suportes. Cfr. CAMARGO, Ana Maria de Almeida ; GOULARD, Silvana, op.cit., p.60-61. Salienta-se a importância do controle da linguagem documental. Vide Glossário de Eventos de acordo com o modelo brasileiro, Anexo 3. 412Salienta-se a necessidade de compatibilização de linguagens documentais de diversos sectores responsáveis pelo tratamento documental, com vista a recuperação de toda a informação produzida em diversos suportes, por exemplo, sobre uma Visita de Estado (programa da visita, agenda, discursos, som, vídeo, noticiário de imprensa, recortes de imprensa).

413Cfr. CAMARGO, Ana Maria de Almeida ; GOULARD, Silvana, op.cit., p.60-61. Salienta-se a importância do controle da linguagem documental. Vide Glossário de Eventos de acordo com o modelo brasileiro, Anexo 3.

136 Tendo em conta as características que tais “linguagens” impõem aos documentos, permitindo que realizem sua função de representação do real a partir de elementos que lhes são peculiares, pode ser definida para a área de arquivo a seguinte divisão414:

TIPOLOGIA DOCUMENTAL415 LINGUAGEM PREDOMINANTE

Documentação textual palavra escrita / texto

Documentação sonora (ou fonográfica) palavra falada /música/som

Documentação iconográfica imagem

Documentação audiovisual som + imagem

Documentação tridimensional416 nenhuma(objectos, artefactos)

Nesta metodologia apresentada, o software configurado para o tratamento da documentação do Presidente Fernando Henrique Cardoso foi concebido para contemplar operações descritivas diferenciadas, quer fossem de biblioteca ou arquivo, permitindo, ao mesmo tempo, o acesso aos documentos e a reconstituição dos vínculos que os unem às diferentes actividades, funções e áreas de acção características da trajectória do titular, respeitando as especificidades de cada tipologia documental, submetendo-os, no entanto, a requisitos comuns417:

IDENTIFICAÇÃO

Secção destinada ao registo das configurações formais dos documentos.

CONTEXTO

Secção destinada ao registo das circunstâncias de origem dos documentos, seja em termos gerais (tipos de eventos ou áreas de interesse), seja em termos pontuais.

414 Vide anexo Glossário de Documentos segundo o modelo brasileiro, Anexo 7 – Glossário de Documentos. Excerto, segundo modelo brasileiro, de tratamento do acervo de Fernando Henrique Cardoso, podendo vir a ser adaptado ao nosso estudo de caso e à tipologia documental produzida durante os mandatos do Presidente Ramalho Eanes. Seria importante um levantamento de toda a tipologia de documentação produzida, de âmbito arquivístico e biblioteconómico entre 1976 e 1986.

415 Segundo o suporte.

416 Designação de objectos (Museu PR).

417 Vide exemplo de preenchimento dos campos descritivos da base de dados adoptada no modelo de organização do Acervo de Fernando Henrique Cardoso, anexo 6 – Modelo brasileiro de preenchimento de campos de base de dados. A entrada de dados é feita a partir de seis pontos diferentes : arquivo/documentação textual; arquivo/documentação audiovisual; arquivo/documentação sonora, arquivo/documentação iconográfica; arquivo/documentação tridimensional; Biblioteca. Todos os documentos são descritos a partir de requisitos comuns ou similares. Exemplificamos as áreas, secções ou os campos destinados à entrada de dados.

137

NOTAÇÃO

Secção destinada ao registo dos códigos que permitem localizar os documentos no acervo.

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