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Regulamentação de Documentos Presidenciais: Duas Tradições Consolidadas, EUA e Brasil

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA

2.1. Regulamentação de Documentos Presidenciais: Duas Tradições Consolidadas, EUA e Brasil

Legislação Americana : Sistema de Bibliotecas Presidenciais

178 Cfr. CARDOSO, Fernando Henrique (abertura) – Documentos privados de interesse público : o acesso em questão. São Paulo : IFHC, 2005, p. 11.

179 Cfr. ARDAILLON, Danielle – Documentos privados de interesse público : o acesso em questão. São Paulo : IFHC, 2005, p. 17.

180 Cit. por VILLANUEVA, Ernesto – Documentos privados de interesse público : o acesso em questão. São Paulo : IFHC, 2005, p.95.

63 Em 1998, Lynn Scott Cochrane181escreveu que em 1934, até ao momento da criação do NARA,182 não existia nenhum “repositório de arquivo federal” ou outra forma sistemática de depósito de colecções de arquivo do governo federal. Este organismo tornou-se, em 1985, numa agência independente conhecida como NARA.

Durante 150 anos de República, a preservação e organização de registos públicos tinha sido negligenciada, incluindo os próprios documentos do Executivo. Existia a prática dos Presidentes, quando deixavam a Casa Branca, levarem consigo os documentos oficiais. Muitos documentos e artefactos foram posteriormente encontrados dispersos nas suas casas, em bibliotecas municipais, bibliotecas universitárias, sociedades históricas ou na Biblioteca do Congresso.

Já anteriormente, em 1834, e continuando por um século, a Biblioteca do Congresso tinha desempenhado um papel relevante, adquirindo documentos presidenciais. O que não impediu que algumas colecções fossem destruídas, como o caso dos documentos de W.H.Harrison, John Tyler e Zachary Taylor183.

Em 1937, o Presidente Roosevelt adaptou o modelo de biblioteca presidencial de Hayes e Hoover, criando um edifício particular, mas suportado por dinheiros públicos. Em 1939, a Biblioteca Presidencial Franklin D. Roosevelt foi regulamentada por decreto (53 Stat. 1062) e passou a fazer parte do governo federal, a 4 de Julho 1940.

Ainda antes da Biblioteca Presidencial de Truman estar concluída, o Congresso decretou a regulamentação conhecida por Presidential Libraries Act of 1955 (64 Sta.58, 588), que o Presidente Eisenhower decretou como lei. Todas as bibliotecas presidenciais posteriores traçaram o seu estatuto a partir desta legislação. A qual conferiu autoridade aos presidentes para decidirem que documentos deveriam ser considerados “presidenciais” e manter o controle sobre os mesmos, depois de abandonarem o Executivo.

Outro facto a evidenciar é o escândalo do “Watergate” e consequente resignação do Presidente Nixon, ficando os seus documentos oficiais sob custódia federal através da regulamentação designada Presidential Recordings and Materials Preservation Act de 1974 (88 Stat.1695). Essa legislação mandatou que a documentação de Nixon permanecesse em Washington DC sob supervisão do Arquivista dos Estados Unidos.

181COCHRANE, Lynn Scott – The Presidential library system : a quiescent policy subsystem. Dissertation

submitted for the degree of Doctor of Philosophy in Public Administration and Policy. Virginia : Faculty of the Virginia Polytechnic Institute and State University, 1998.

182 National Archives and Records Administration (NARA).

64 Posteriormente, a lei de 1974 estabeleceu uma Comissão Temporária de Estudo de Documentos Federais – National Study Commission on Records and Documents of Federal

Officials184. O relatório desta Comissão resultou na regulamentação designada Presidential Records Act of 1978 (92 Stat. 2523), culminando na definição de “documentos

presidenciais” e como estes deviam ser preservados e tornados acessíveis ao público. A lei estabeleceu, também, a propriedade pública de todos os documentos presidenciais e materiais produzidos a partir de 20 de Janeiro de 1981. Os documentos do Presidente Reagan foram os primeiros a serem sujeitos às provisões da lei de 1978.

Nos anos 70, foi levantada a polémica em torno do custo, manutenção e staff das Bibliotecas Presidenciais. Cada nova biblioteca erigida eclipsava a predecessora em tamanho e grandiosidade. Após anos de investigação, foi promulgada a regulamentação designada Presidential Libraries Act of 1986 (100 Stat. 495). A nova lei colocava limitações fiscais, no que se refere às condições arquitectónicas e de design das novas bibliotecas presidenciais, requisitos obrigatórios para os presidentes que tomassem posse a partir de 20 de Janeiro de 1985. A Biblioteca de George Bush foi a primeira a ficar sujeita às reformas de 1986.

Outra área de controvérsia foi o acesso dos investigadores a “documentos classificados”. Os documentos estavam sujeitos a restrições impostas por doações, tais como permitir unicamente a abertura dos documentos depois da morte das partes principais, ou abrir os documentos 50 anos depois da doação. Os documentos classificados eram declarados nessa condição, pela Agência Governamental185 de origem, por razões de segurança nacional. Em 1995, o Presidente Clinton assinou a Executive Order 12958, mandatando a desclassificação de todos os documentos com mais de 25 anos186.

Somando toda a legislação relacionada com o “Sistema de Bibliotecas Presidenciais”, publicado no U.S.Code e U.S. Statutes at Large, o Governo Federal publicou, também, numerosas fontes sobre o sistema: Audições do Congresso, fontes de informação pública, regulamentos, relatórios anuais, documentos internos do NARA.

184 “the control, disposition, and preservation of records and documents produced by or on behalt of federal officials …” in Relyea, 1995, p.7

185 Por exemplo Department of the State (see E.O. 12958, Section 3.3, paragraph c).

186 NARA’s Remote Archives Capture (RAC) projecto iniciado em parceria com a Central Intelligence Agency (CIA) para scanizar documentos e enviá-los para as agências para serem desclassificados de acordo com a ordem executiva.

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Legislação Brasileira

No Brasil, os arquivos privados de “interesse público” foram definidos pela Lei 8.159, de 8 de Janeiro de 1991187, que seguiu as determinações constitucionais188 “sobre a política nacional dos arquivos privados”. Essa lei distinguiu os arquivos privados dos arquivos públicos e documentos permanentes “de valor histórico, probatório e informativo”, a serem definitivamente preservados. Os arquivos privados “considerados como conjuntos de fontes relevantes para a história e o desenvolvimento científico nacional”, não podiam ser doravante dispersos. A política nacional de arquivos públicos e privados, contemplada pela referida lei, tratou da preservação dos documentos com o objectivo de transformá-los em fontes de informação para uso do cidadão.

Como foi referido anteriormente, paralelamente a essa lei, o Presidente José Sarney nomeou uma “Comissão Especial” para estudar os acervos dos Presidentes da República. Os trabalhos da Comissão conduziram à promulgação da Lei 8.394, de 30 de Dezembro de 1991 “sobre a preservação, organização e protecção dos acervos documentais privados dos Presidentes da República”. A lei declarou “de interesse público os acervos documentais privados, embora de propriedade do Presidente da República”, e requereu deste a preservação do seu conteúdo. Além disso, a lei determinou a organização desses acervos em “sistema específico”, integrado no “Sistema Nacional de Arquivos” e coordenado por uma “Comissão Permanente de Memória dos Presidentes da República”. Criou a Secretaria - hoje Departamento - de Documentação Histórica, cujo titular seria também Secretário- Executivo da Comissão. A lei determinou que o Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) apoiasse “os projetos ou programas específicos de interesse do sistema, fornecendo os meios técnicos, financeiros e administrativos a instituições de documentação ou a detentores de acervos presidenciais privados”; determina que o IPHAN autorize “entidades públicas ou privadas, ou pessoas físicas mantenedoras de acervos documentais presidenciais privados, a solicitar dos órgãos públicos orientação ou

187“O art. 26º da lei 8159 de 8 de Janeiro de 1991 – Lei de Arquivos – criou o Conselho Nacional de Arquivos (CONARQ), órgão colegeado, vinculado ao Arquivo Nacional, que tem por finalidade definir a política nacional de arquivos públicos e privados, bem como, na qualidade de órgão central do Sistema Nacional de Arquivos (SINAR), exercer orientação normativa visando a gestão documental e protecção especial aos documentos de arquivo”. Cfr. MATTAR, Eliana (org.) – Acesso à informação e política de arquivos. Rio de Janeiro : Arquivo Nacional, 2003, p.9.

188A Constituição de 1988 (art. 216, 2º) refere: “Cabem à administração pública, na forma de lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quem dela necessitar”. “Nesse sentido, podemos identificar na Constituição Brasileira (…) dispositivos que resguardam o direito de acesso à informações contidas em órgãos públicos e o direito à protecção de valores imanentes à dignidade da pessoa humana (…)”. Cit por VILLANUEVA, Ernesto - Documentos privados de interesse público : o acesso em questão. São Paulo : IFHC, 2005, p. 106.

66 assistência para a sua organização, manutenção e preservação, e pleitar apoio técnico e financeiro do poder público para projetos de fins educativos, científicos ou culturais”. Salientamos a exposição dos motivos que acompanharam a Lei 8.394, assinada pelo jurista Saulo Ramos, em 20 de Fevereiro de 1990: “É forçoso reconhecer algumas dificuldades na concretização do texto do anteprojecto, destacando-se a ténue fronteira entre o “oficial” e o “particular”, o “público” e o “privado”, quando se trata do cidadão investido na Presidência da República, circunstância que se reflecte na sua documentação passada, presente e futura, e se estende, até mesmo, às de seus colaboradores e familiares”189.

O Decreto nº 4.344 de 26 de Agosto de 2002, que regulamentou a Lei 8.394, apresentou um primeiro avanço na distinção entre documentos privados e públicos, desenhando uma tipologia de circunstâncias em que os presentes oferecidos ao presidente poderiam ser, ou não, de propriedade da nação. “A legislação sobre tais acervos inspirou-se diretamente no sistema de bibliotecas presidenciais norte-americanas, de difícil adaptação entre nós, já que o Brasil tem tradições jurídicas e fiscais totalmente diferentes. O entrosamento das esferas pública e privada é o que há de mais interessante nessas bibliotecas, cujo formato institucional, genuinamente americano, admite isenção fiscal para as doações e implica forte adesão da comunidade”190.

No Brasil, a definição da política de arquivos apoiou-se em algumas variáveis importantes: na adopção de práticas internacionais que consagravam a política de abertura de arquivos, como por exemplo, as adoptadas nos Estados Unidos e na Alemanha191. No desenvolvimento de uma política que considerasse o documento administrativo na sua produção contínua - record continuum -, enquanto documento corrente, intermédio e definitivo; na implementação de políticas de gestão documental, afastando-se do conceito de que arquivos são somente os históricos; no estabelecimento de prazos de confidencialidade e consulta para documentos públicos; na definição de políticas para os arquivos privados, principalmente os de “interesse público” e na criação de instrumentos jurídicos que garantissem o acesso a documentos públicos.

Já anteriormente, a Constituição de 1988 tinha proporcionado uma profunda revolução, em relação ao tratamento conferido aos arquivos. O Arquivo Nacional foi bastante fortalecido, com a afirmação da sua competência para a “gestão e o recolhimento dos documentos

189Cfr. Fernando Henrique CARDOSO (abertura) - Documentos privados de interesse público : o acesso em questão. São Paulo : IFHC, 2005, p. 16

190 Idem, p.19

191 Cfr. ECKERT, Astrid M. (ed.) – Institutions of public memory : the legacy of german and the american politicians. Washington, DC : German Historical Institute , 2007.

67 produzidos e recebidos pelo Poder Executivo Federal, bem como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda, e acompanhar e implementar a política nacional de arquivos”192.

O Decreto Presidencial nº. 4073, de 3 de Janeiro de 2002, definiu que “são automaticamente considerados documentos privados de interesse público e social (art. 22º, 2º), os arquivos presidenciais, de acordo com o art. 3º da Lei nº. 8.394, de 30/12/1991.”193 “É claro que, em relação a uma situação como esta, em que os documentos são produzidos pelo Presidente da República no exercício do seu mandato, dificilmente poder-se-ia entender, do ponto de vista jurídico, que os documentos reunidos sejam acervos documentais privados. Todavia, reforçando a posição anterior, a Lei dos Arquivos Presidenciais (LAP) entende que os acervos documentais privados dos Presidentes da República integram o património cultural brasileiro e são declarados de “interesse público” para fins de aplicação do parágrafo 1º, do art. 216 da Constituição Federal – constituem

património cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial (…), nos quais se incluem: as formas de expressão”194.

Outra posição defendida pela LAP é de que “os documentos que constituem o acervo presidencial privado são, na sua origem, de propriedade do Presidente da República, para fins de herança, doação ou venda (art. 2º), sendo que, no caso de venda, a União terá direito de preferência (art. 3º, Iº, I), no caso de extinção da detentora, referencialmente o Código Civil (art. 22) e o Decreto 4.344 de 26/8/2002 (art. 10º) estabelecem que a venda deverá ser precedida de comunicação por escrito à “Comissão de Memória dos Presidentes da República”, que se manifestará, no prazo máximo de 60 dias, sobre o interesse da União na aquisição desses acervos, bem como não poderá ser o acervo alienado para o exterior sem uma manifestação expressa da União”195.

A protecção, organização e a posse desses acervos documentais privados poderão ser feitas por pessoas físicas ou jurídicas. O sistema deverá funcionar em articulação com os organismos públicos encarregues pela protecção patrimonial brasileira e a anotação e transferência serão feitas pela Comissão de Memória dos Presidentes da República, que funciona em carácter permanente, junto ao Gabinete Pessoal da Presidência da República.

192 Cfr. Fernando Henrique CARDOSO (abertura) - Documentos privados de interesse público : o acesso em questão. São Paulo : IFHC, 2005, p.19

193 Idem, p. 113. 194 Idem, p.113.

68 As entidades que possuem acervos poderão solicitar apoio técnico, científico e cultural aos órgãos públicos, de acordo com o critério previamente estabelecido.

Relativamente ao acesso aos documentos presidenciais, a Lei assegura a consulta ou pesquisa para fins de estudo, mas as regras de acesso, bem como a sua própria autorização de consulta, é da exclusiva competência do Presidente ou do Ex-Presidente da República. “O Presidente da República também tem poder para fazer restrições adicionais de acesso, até 30 anos após a data de publicação do documento ou, no caso de revelação constrangedora à honra ou à intimidade, até 100 anos após a data de nascimento da pessoa mencionada (LAP, art. 115, III, 4º)”196.

“Esta discussão final da Lei dos Acervos Privados dos Presidentes da República retoma uma das questões mais delicadas da nova política brasileira de arquivos, traduzida na Lei de Arquivos, segundo a qual são originariamente sigilosos os documentos cuja divulgação ponha em risco a segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (LA, art. 23º, 1º). Todavia, ao fixar os prazos de acesso, entende que o prazo máximo de sigilo para os documentos referentes à segurança da sociedade do Estado será restrito por um prazo máximo de 30 (trinta) anos (…) podendo este prazo ser prorrogado, por uma única vez, por igual período, a contar da sua data de produção (LA, art. 23, 2º). Por outro lado, o acesso aos documentos sigilosos referentes à honra e à imagem das pessoas (este texto não fala em inviolabilidade da intimidade e da vida privada) será restrito por um prazo máximo de 100 (cem) anos, a contar da sua data de produção (LA, art. 23, 3º)”197.

A Lei dos Arquivos dispôs que fossem fixados por decreto as categorias de confidencialidade a serem observadas pelos órgãos públicos. Após tratamento em vários decretos anteriores198, o Decreto 4553 de 27/12/2002199 – sobre a salvaguarda de dados, informações, documentos e materiais confidenciais de interesse relacionados com questões de segurança da sociedade e do Estado - não se restringiu aos espaços indicados pela Lei de Arquivos e ultrapassou alguns limites constitucionais. “ (…) de qualquer forma, dispõe

196 Idem, p. 115. 197 Idem, Ibidem, p. 115.

198 Decreto nº 2134 de 24/I/1997 ; Decreto nº. 2910 de 20/12/1998.

199 Alterado pelo Decreto 5301/2004 – salvaguarda de informações sigilosas de interesse da segurança da sociedade e do Estado. Permitiu a dilatação para 100 anos do prazo de acesso a documentos que envolvam questões de segurança do Estado, mas que porventura estejam protegidos ou se relacionem com a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de pessoas comprometidas de uma forma ou de outra com estas especiais circunstâncias. Medida provisória n. 228/2004, sobre o sigilo ultra-secreto referente a informações de interesse da sociedade e do Estado.

69 o decreto que os documentos públicos, segundo o grau de sigilo, podem ser classificados como ultra-secretos, secretos, confidenciais e reservados, em razão do seu teor ou elementos intrínsecos (art.5º)”200.

No que refere a assuntos confidenciais, a sucessão inconsequente de decretos regulamentares, até uma época recente, demonstrou que a política de Estado sobre estes arquivos ainda não foi consolidada, e que os governos traduzem, nos seus decretos, o poder de pressão dos grupos circunstanciais. Por outro lado, o acesso aos acervos documentais presidenciais permanece inquestionável. “(…) a defesa funcional do Estado brasileiro e a garantia dos direitos individuais, no contexto das políticas de segurança do Estado e da sociedade, estão intimamente associadas a uma eficiente política de organização e acesso a documentos públicos, e que os acervos privados dos presidentes da República dependem de uma política estável sobre documentos privados de interesse público e de documentos públicos administrados por (ex-) autoridades públicas”201.

200Cfr. CARDOSO, Fernando Henrique (abertura) - Documentos privados de interesse público : o acesso em questão. São Paulo : IFHC, 2005, p. 116.

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3. O REGIME POLÍTICO PORTUGUÊS, AS FUNÇÕES DO

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