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CAPÍTULO II – ABORDAGEM DA NATUREZA SOB A ÓTICA DO MERCADO

2.2 PRESSÃO IMOBILIÁRIA E SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL

A segregação residencial é um produto da ação do Estado em conjunto com a influência dos ‘capitalistas-empresários’, principalmente os do setor imobiliário, sobre o uso do solo, à medida que as populações de baixa renda não têm poder de influência suficiente para decidir em que região da cidade vão morar. Poder este, segundo Abramo (2007), capaz de impor as inovações espaciais que fornecem ganhos extras a determinados grupos, e relegar aos outros os espaços que não têm tanto valor, ou são de baixo valor para o mercado imobiliário formal.

0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000 140.000 160.000 180.000 200.000 2 0 0 0 2 0 0 1 2 0 0 2 2 0 0 3 2 0 0 4 2 0 0 5 2 0 0 6 2 0 0 7 2 0 0 8 2 0 0 9 2 0 1 0 2 0 1 1 2 0 1 2 2 0 1 3 2 0 1 4 2 0 1 5 * 2 0 1 6 * BAHIA RMS

Conforme Lipietz (1974), o acesso à urbanização é o principal elemento para alavancar processos sociais excludentes, quando poderia ser uma ferramenta para amenizar as contradições do capitalismo. Para o autor, o Estado, a princípio, deveria desempenhar o papel de regulador na distribuição dos serviços e equipamentos urbanos – segundo a teoria keynesiana35 – para resolver o problema de divergência entre os interesses privados e coletivos, e entre as classes sociais.

Santos (2008) aprofundou esta discussão demonstrando que tanto as ocupações irregulares de populações de baixa renda, quanto as ocupações formais dos grupos de renda mais alta ocorrem porque o Estado as legitima por meio de suas políticas urbanas. O autor analisou as transformações no valor do solo urbano de Salvador nas décadas de 1990 e 2000, de acordo com o papel que as centralidades desempenhavam na cidade. Foi verificada, assim, a valorização dos imóveis à medida que determinados espaços eram estruturados para receber grandes empreendimentos, como os shopping centers, que acabavam por alterar as configurações espaciais do entorno das áreas em que eram implantados.

Para Santos (2008), os capitais imobiliário, financeiro e comercial articulam-se a fim de se reproduzirem, produzindo novas ou recriando velhas centralidades na cidade. O poder público municipal, de seu lado, elabora leis permissivas e executa obras de infraestrutura onde pretende-se que novos empreendimentos sejam implantados, a fim de aumentar a arrecadação de IPTU (Imposto sobre Propriedade Predial e Territorial Urbana) e ISS (Impostos Sobre Serviços de Qualquer Natureza), visto que a nova dinâmica criada acarreta valorização de todo o entorno.

As áreas onde os investimentos públicos e privados estão concentrados são exatamente aquelas onde o valor do solo urbano é mais alto, conforme o autor, que fundamenta sua afirmação a partir da análise da evolução do VUP (Valor Unitário Padrão) – indicador utilizado para cálculo do valor venal de um imóvel no IPTU, e do Transcon (Transferência do Direito de Construir) – em Salvador, nos últimos vinte anos. Sua pesquisa demonstrou as altas taxas de crescimento deste indicador, no município, sobretudo nas avenidas Antônio Carlos Magalhães e Tancredo Neves, entre outras áreas com uma infraestrutura de qualidade superior à média local, e a

35 Teoria que propunha a intervenção estatal na vida econômica, com o objetivo de conduzir a um regime de pleno emprego,

acreditando que isto seria garantido por meio da manutenção do crescimento da demanda em paridade com o aumento da capacidade produtiva.

valorização dos imóveis nestes espaços enquanto consequências das ações do Estado (SANTOS, 2008).

O Valor Unitário Padrão (VUP) é um valor genérico do metro quadrado dos terrenos e das construções, fixados por face de quadra, por logradouro ou trecho de logradouro e por zonas homogêneas, estabelecidos por meio de avaliação em massa, a partir de pesquisa do mercado imobiliário e análise do cadastro (SALVADOR/SEFAZ, 2016). A avaliação em massa, por sua vez, trata-se de uma metodologia de apuração de valores territoriais e prediais dos imóveis (valores venais), objetivando a “[...] determinação sistemática, em larga escala, dos valores dos imóveis, de forma a manter a justa proporcionalidade destes valores entre si, em face da localização de forma genérica e das características específicas de terrenos e benfeitorias [...]” (LIPORONI, p. 968, 2003).

As Zonas Homogêneas, ou Setores Fiscais (Figura 2.1), atualmente utilizados em Salvador, foram definidas no Anexo IV do Decreto Municipal nº 24.194 de 30 de agosto de 2013, que regulamentou a metodologia para a fixação dos Valores Unitários Padrão (VUP) de terreno e de construção e os critérios técnicos para a elaboração da Planta Genérica de Valores – PGV36.

Conforme o Art. 2º do referido Decreto, a base de cálculo do IPTU37 resulta do somatório dos VUPs de terreno e de construção, multiplicados pelas respectivas áreas e pelos fatores de correção aplicáveis a cada caso (SALVADOR, 2013).

Tais fatores dizem respeito: aos usos (residencial ou outros); às condições do terreno (se apresentam maior ou menor dificuldade de acesso ou para edificar); às instalações e equipamentos especiais (que agregam valorização adicional à unidade imobiliária, a exemplo de câmara frigorífica, elevador panorâmico, píer, heliponto, escada rolante, etc.); depreciação da construção (referente à idade da construção); ao ajuste do valor venal; às características da localização (tipo do logradouro, existência de iluminação pública, existência de drenagem de

36 Elaborada, pela primeira vez em Salvador, em 1993, a PGV trata-se de uma “[...] demarcação em base cartográfica das zonas

de preços por metro quadrado de terreno, homogeneizadas por meio de faixas que admitem variação de até mais ou menos 30%, com valores e delimitações determinados através de pesquisa de mercado [...]” (SALVADOR, 1992, p. 11).

37 IPTU = ((((AT×VUT×FVT×FCTxFDTxAPA) + (AC×VUC×FPD×FDC×FL×FIE×FPD×FDC)) × FAV×ALP)-PDP) +

(((SE(AT>(AC×10); então: (AT-(AC×10)); senão: (0)) × VUT×FVT×FCT) × FAV×ALE)-PDE).

Elementos: VVP = Valor Venal Principal; ALP = Alíquota Principal; PDP = Parcela a Deduzir Principal; VVE = Valor Venal do Excesso de Terreno*; ALE = Alíquota do Excesso de Terreno; PDE = Parcela a Deduzir do Excesso de Terreno; AT = Área de terreno; VUT = Valor Unitário Padrão de Terreno; FVT = Fator de Valorização do Terreno; FCT = Fator de Condições do Terreno; FDT = Fator Dimensão do Terreno; APA = Fator Área Preservação Ambiental; AC = Área de Construção; VUC = Valor Unitário Padrão de Construção; FL = Fator de Localização; FIE = Fator de Instalações e Equipamentos Especiais; FPD = Fator Pé Direito; FDC = Fator de Depreciação da Construção; FAV = Fator de Avaliação de Valor Venal; VVP = Valor

Venal Principal; EXT = Excesso de Terreno*; VVE = Valor Venal do Excesso de Terreno.

águas pluviais, existência de rede de esgoto, tipo de pavimentação, hierarquia viária); e ao fator APA. A partir destes fatores são definidos pesos os quais, associados a outras variáveis, compõem o Valor Venal Principal (VVP) do IPTU de uma dada Zona Homogênea (SALVADOR, 2006; 2013).

Em suma: a avaliação em massa estabelece um valor venal médio de imóveis em uma dada zona homogênea – ou zona fiscal –, em função das características do terreno, das características da construção, e da infraestrutura alocada. Ela serve para estabelecer um valor médio que represente “[...] efetiva ou potencialmente, o valor que este alcançaria para venda à vista, segundo as condições correntes do mercado imobiliário” (SALVADOR, 2003, Art. 65), para o cálculo do IPTU, ou para a desapropriação no caso de interesse do Estado.

Figura 2.1 – Zonas Fiscais, conforme o Anexo IV do Decreto Municipal nº 24.194/2013

Fonte: Salvador (2013).

Porém, a valorização ou desvalorização de um imóvel, porém, face ao mercado imobiliário como discutiu-se no item 2.1, depende, também, de critérios subjetivos. O Fator APA, inserido no cálculo do IPTU em 2015 pelo DecretoMunicipal nº 25.899 de 24 de março (conhecido como IPTU Verde), por exemplo, diz respeito à localização do lote em área ambientalmente protegida. Na composição do cálculo, a área não edificável de um terreno, por estar inserida

nas APAs Bacia do Cobre/São Bartolomeu; Baía de Todos os Santos; Joanes-Ipitanga; e Lagoas e Dunas do Abaeté, seria contemplada com uma redução de 80% (oitenta por cento) no valor venal, para efeito de apuração do IPTU a ser pago (SALVADOR, 2015a)38. Todavia, trata-se de valor venal sugerido, e não necessariamente o praticado no momento de uma transação de compra e venda e, como já foi visto, a proximidade a áreas protegidas acarreta a valorização do imóvel, e não o contrário.

Observa-se, assim, que o Estado investe em infraestrutura exatamente nas áreas mais valorizadas do município, acarretando em mais valorização, tendo em vista que o VUP é uma variável fixada, também em função da infraestrutura já existente. O IPTU Verde, por sua vez, premia duplamente o possuidor de um imóvel em Área de Proteção Ambiental, desde que ele esteja inserido no mercado imobiliário formal, e apresente índices mínimos de ocupação, o que não ocorre em tipologias habitacionais ocupadas por pessoas de classes de rendas mais baixas.

Santos (2008) identificou, ainda neste processo, o crescimento do número de unidades habitacionais coexistindo com uma realidade em que havia um alto déficit habitacional39, sem

previsões de uma ação efetiva do Estado para reverter este quadro. O montante de domicílios vagos face à existência de um déficit habitacional ocorre em todo o país, mas, sobretudo nas regiões metropolitanas, como vem sendo verificado por instituições de pesquisa, como o IBGE e a Fundação João Pinheiro (FJP), na última década. Trata-se de unidades habitacionais em condições de serem ocupadas imediatamente ou em um futuro próximo – no caso daquelas em construção ou reforma – diferindo das unidades “em ruínas”, abordadas como outra categoria de domicílio.

O estudo da FJP ‘O déficit habitacional do Brasil – 2011-2012’ sugeriu uma análise da possibilidade de direcionamento das unidades vagas para a população ainda não atendida por programas habitacionais. Para tanto, considerou que a quantidade de domicílios vagos supera o déficit brasileiro em cerca de 2,8%, em quase todas as unidades da Federação, à exceção do Amazonas, Distrito Federal e Maranhão (FJP; CEI, 2015).

38 Conforme o § 4º do Art. 11, do Decreto Municipal nº 25.899/2015, a redução prevista deve suspensa pelo órgão competente,

caso se comprove a inobservância das normas legais pertinentes à preservação ambiental.

39 “O déficit habitacional é calculado como a soma de quatro componentes: domicílios precários (soma dos domicílios

improvisados e dos rústicos), coabitação familiar (soma dos cômodos e das famílias conviventes secundárias com intenção de constituir um domicílio exclusivo), ônus excessivo com aluguel urbano e adensamento excessivo de domicílios alugados. Os componentes são calculados de forma sequencial, na qual a verificação de um critério está condicionada à não ocorrência dos critérios anteriores.” (FPJ; CEI, 2013, p.14).

Tabela 2.1 – Déficit habitacional e domicílios vagos em condições de serem ocupados e em construção(1) em relação aos domicílios particulares permanentes e improvisados na

Região Metropolitana de Salvador (2012)

Tipo imóvel

Déficit habitacional

Déficit

habitacional (%) Domicílios vagos

Domicílios vagos (%) Urbano 107.335 8,4 163.813 12,8 Rural 312 1,8 3.120 17,5 Total 107.647 8,3 166.933 12,9 Fonte: FPJ; CEI, 2015.

(1) Não inclui os domicílios em ruínas e os de uso ocasional.

Tabela 2.2 – Déficit habitacional total e relativo por componentes na Região Metropolitana de Salvador (2012) Déficit absoluto Habitação precária Coabitação familiar Ônus excessivo aluguel Adensamento excessivo 107.647 3.432 40.875 58.348 4.992 Fonte: FPJ; CEI, 2015.

Outro aspecto analisado pelo estudo da FJP referiu-se à inadequação habitacional – uma investigação do déficit habitacional sob o aspecto qualitativo. Foram identificados, como principais fatores de sua composição, no Brasil, a carência de infraestrutura seguida pela inadequação fundiária – componentes vinculados diretamente à atuação do Estado na política habitacional. Na Região Metropolitana de Salvador, há um montante de 88.304 domicílios com carência de pelo menos um serviço de infraestrutura urbana, e 39.942 com inadequação fundiária, o que representa, respectivamente, 6,9% e 3,1% dos domicílios particulares permanentes locais (FJP; CEI, 2015).

Lipietz (1974) e Lojkine (1979) já haviam verificado, entre as décadas de 1960 e 1970, que a atuação do Estado teve um papel definitivo no processo da produção da segregação residencial, o que contraria sua ‘teórica’ função reguladora. Seria, então, o Estado o responsável por estabelecer instrumentos de recuperação da mais valia urbana criada pelo e para o capital incorporador, por meio de tributação diferenciada, bem como por investir em melhorias para as áreas desfavorecidas, sob o ponto de vista da urbanização, como defendeu Smolka (1979). Entretanto, o autor identificou diversas dificuldades para uma concretização:

a. A atuação (lobby) do capital incorporador no processo, visto que ações desse tipo são desestimulantes às estratégias de realização da valorização imobiliária;

b. O fato dos valores que se pretende recuperar ou extinguir, serem de natureza fictícia – ou seja, não surgiram de um fato concreto – apesar de serem concretamente parte do valor negociado dos terrenos. Deste modo, o novo valor arrecadado poderia ser menor que o esperado, em razão da eliminação de, pelo menos, parte da valorização fictícia no processo;

c. As ações não podem ser consideradas neutras, à medida que devem beneficiar apenas os proprietários dos imóveis;

d. Uma tributação diferenciada sempre encontra obstáculos em acordos políticos preexistentes com os empresários da construção e da incorporação.

Para Smolka (1979), com tais ações, seria possível ao Estado arrecadar recursos passíveis de serem “transferidos de áreas nobres para áreas desfavorecidas”:

Pode-se pensar, por outro lado, que com aqueles recursos pretende-se reformar o padrão de ocupação do solo, urbanizando áreas periféricas e redistribuindo as benfeitorias públicas, com vistas à maior homogeneização do acesso a elas, isto é, interáreas. Este caso representaria a reversão da liderança das incorporadoras na estruturação do espaço em favor do Estado. A perda de autonomia do investidor (incorporador), porém, deverá ser acompanhada, aqui, por subsídios ao capital. (SMOLKA, 1979, p. 37).

Smolka (1979), todavia, questionou se os subsídios destinados às construtoras e incorporadoras não acabariam por manter a situação num mesmo patamar de privilégios. Considerou, para tanto, as condições oferecidas para que operassem no mercado imobiliário popular, por exemplo, pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e Banco Nacional da Habitação (BNH)40, nas décadas de 1960 e 1970.

No Brasil, a busca por instrumentos que oferecessem, legalmente, o direito irrestrito à cidade a todos os seus cidadãos, superando as dificuldades identificadas por Smolka (1979), remonta a meados do século passado. Contudo, sua efetivação imediata foi interrompida pelo início da ditadura militar – o que não impediu a continuidade de seu processo de discussão. Suas demandas, por outro lado, eram tão importantes, que mesmo o governo dos militares tentou se apropriar de algumas delas – o que foi rejeitado pelos movimentos sociais que iniciaram a construção daquele instrumento (RIBEIRO, 2003). Ao se negarem a aceitar uma Lei aprovada por um governo militar, os movimentos abriram mão de um direito ofertado para obter um direito conquistado, pois o objetivo não era ter uma ‘Lei pela Lei’, mas uma Lei que exprimisse

direitos arraigados na consciência da população, o que não seria possível conseguir sem um longo tempo de discussão41.

Um exemplo disto foi a Lei Federal nº 6.766/1979, que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano, resultante de uma iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de 1977, que “[...] defendia a necessidade de um controle público sobre o mercado imobiliário como caminho para o enfrentamento das desigualdades das condições urbanas de vida [...].” (RIBEIRO, 2003, p. 12). Este estímulo levou lideranças de movimentos sociais e associações de técnicos da área a retomarem o debate acerca da urgência do estabelecimento de uma política nacional de desenvolvimento urbano, que vislumbrasse um equilíbrio maior em relação ao acesso aos serviços públicos e ao uso e à ocupação do solo urbano (RIBEIRO, 2003).

A Lei do Parcelamento do Solo, como é conhecida, apresentava como objetivo a distribuição equilibrada das atividades e das pessoas nos municípios de modo que houvesse estímulo à expansão urbana, mediante o controle da ocupação e do uso do solo. Conforme Quinto Jr. (2003), essa lei foi um marco para a legislação urbanística no Brasil por reconhecer que havia parcelas da população sem acesso ao mercado formal de terras, no inciso II de seu artigo 4º, que define dimensões mínimas para lotes em parcelamentos de interesse social. Entretanto, este ponto ficou no campo teórico, pois não houve regulamentação que definisse responsáveis pela urbanização dessas áreas ou de que modo seriam financiadas.

Após mais de trinta anos de discussões, passando por diversas interrupções, este processo culminou na sanção do Estatuto da Cidade, instrumento jurídico que ficou conhecido, no mundo inteiro, como um exemplo de conquista pela democracia brasileira, e meio para a redução das diferenças sociais nas cidades (MCIDADES, 2011). Entre seus principais objetivos estavam a redistribuição de mais valia para a coletividade, e o acesso mais justo ao solo urbano. Os caminhos indicados pelo Estatuto pretendiam responder às diretrizes gerais do pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e de gestão democrática das cidades por meio da participação da população nos processos decisórios.

Tem sido possível, contudo, verificar uma ineficácia dos instrumentos de política urbana compilados pelo Estatuto da Cidade, ao longo de seus quinze anos de existência. Todavia, isto não ocorre devido à natureza da Lei ou dos instrumentos previstos em si, mas devido ao modo como vêm sendo aplicados, ou melhor, como não vêm sendo implementados pelo Estado,

naqueles casos em que implicam em controle social de políticas territoriais, ou que interfiram, direta ou indiretamente, no controle do mercado imobiliário formal.

Alguns tratam tal postura por ‘não planejamento’, enquanto outros a tratam por ‘planejamento invisível’, visto que as ações, ou falta delas, não acontecem por acaso, não são publicizadas em documentos oficiais, mas sempre estão articuladas com o planejamento formal, e as intervenções realizadas sempre acabam por privilegiar os grupos sociais de sempre (SAMPAIO, 2015). A própria construção do processo de planejamento urbano, independentemente de seus métodos, acaba por tornar-se a materialização dos interesses de grupos específicos, em momentos históricos específicos, com o objetivo de perpetuação de um

status quo (HARVEY, 1980; LEFEBVRE, 2008). Isto fica muito claro quando verifica-se que

as incongruências entre a retórica e a realidade, no tocante à implementação dos instrumentos da política urbana, são causadas pela sua apropriação e até cooptação, pelos agentes que fazem lobby e se privilegiam da valorização imobiliária: os ‘capitalistas-empresários’ ou as empresas construtoras e incorporadoras.

2.3 APROPRIAÇÃO DOS INSTRUMENTOS DA POLÍTICA URBANA NO