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Em 2004, durante discussão do caso do deslocamento de pessoas23, através da Sentencia T-025 com a qual se buscava garantias para as famílias forçadas a deixar suas casas devido à violência do narcotráfico e do crime organizado na Colômbia, a corte definiu seis parâmetros para caracterizar a existência de um ECI:

I - A violação maciça e generalizada de vários direitos;

II - A omissão prolongada das autoridades no cumprimento das suas obrigações de garantia dos direitos;

III - A adoção de práticas inconstitucionais, como a incorporação da ação de tutela como parte do procedimento para garantir o direito violado;

23A Colômbia superou a Síria como país com mais deslocamentos internos forçados em 2016, com 6,9

milhões de pessoas nas últimas três décadas que abandonaram seus lares por conta da violência. Disponível em: <https://gauchazh.clicrbs.com.br> Acesso em: 12 outubro 2017.

IV - A não emissão de medidas legislativas, administrativas ou orçamentárias necessárias para evitar a violação de direitos;

V - A existência de um problema social cuja solução envolve a intervenção de várias entidades, exija a adoção de um conjunto complexo e coordenado de ações e requeira um nível de recursos que exija um esforço orçamentário adicional importante.

E, por fim, completou o rol afirmando o caráter de necessidade: “se todas as pessoas afetadas pelo mesmo problema recorreram à ação da tutela para obter a proteção de seus direitos, haveria maior congestionamento judicial”.

Verificados os pressupostos do ECI, o Supremo pode interferir sobre a formulação, implementação e monitoramento de políticas públicas, caracterizando o ativismo judicial em uma dimensão estrutural. A Corte pode, por meio de medidas estruturais, superar os bloqueios políticos e institucionais que servem para agravar a violação massiva e repetida dos direitos fundamentais dos presos. Pode mudar a opinião pública sobre o tema, despertar a atenção da sociedade sobre o quadro, colocando o problema na agenda política brasileira, promovendo ou aumentando a deliberação sobre o sistema carcerário. (CAMPOS, 2016. p. 276). No Brasil, podemos citar outros remédios constitucionais previstos pelo legislador, os quais objetivam à solução de descumprimento de preceitos fundamentais e também abrem margem para ações mais invasivas do judiciário:

A Constituição de 1988 também previu mecanismos institucionais que permitem ao supremo declarar o ECI e seguir com ordens estruturais dirigidas à superação deste estado. O mandado de injunção, destinado a superação de omissões legislativas e administrativas e sendo possível a atuação administrativa direta pelo juiz constitucional, é uma opção. Outro instrumento pode ser o recurso extraordinário quando reconhecida a repercussão geral da matéria envolvida. É possível, em extraordinários com repercussão geral, serem tomadas decisões que afetem a todos e, assim, versem litígios estruturais. (CAMPOS, 2016. p. 259).

Sobre a legitimidade da intervenção judiciária podemos destacar duas das frequentes críticas:

a) primeiramente destacamos a acusação de violação ao princípio da separação dos poderes, o qual serviria de impeditivo à atuação entre eles. A crítica diz que além de separados, os poderes são também distantes, ou seja, além de

possuírem certa autonomia não podem se tocar. Contudo, a Constituição Federal de 1988 prevê um modelo dialógico, dinâmico e cooperativo de poderes. Campos (2016, pg. 307) refere tratar-se de “constitucionalismo cooperativo”, a partir do qual o bem comum sobressai à rigidez normativa, desta forma resguardando a legitimidade das ações conjuntas entre os poderes;

b) o segundo ponto importante a ser considerado é a acusação de ameaça à democracia. Os críticos abordam certas posturas judiciais como uma ameaça ao sistema democrático de direito. Pois bem. Compreendamos uma democracia pelo seu critério de representatividade popular. Partindo dessa premissa, se por um lado temos o poder judiciário formado por sujeitos que não adquiriram um mandato público por consequência do voto direto, de manifestação da soberania popular e nesse sentido não seria o sistema judiciário, em tese, uma instituição diretamente representativa do povo. Por outro lado, vemos através do ECI a proteção de direito de classes de pessoas, a representatividade das minorias. Deste modo, no caso do sistema penitenciário, onde não há qualquer participação politica dos apenados, ocorre de fato um abandono democrático onde não há vontade política nem voz ativa.

2.2.1 O ativismo judicial estrutural

Campos (2016, pg. 220) define ativismo judicial como “o exercício expansivo, não necessariamente ilegítimo, por parte dos juízes e cortes em face dos demais atores políticos”. A ideia de ativismo judicial está vinculada a uma ampliação da atuação do poder judiciário, interferindo nas esferas dos demais poderes. Segundo Barroso (2008, pg. 06),

a postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas.

O ECI pode ser visto como uma espécie de porta para atingir outras possibilidades e, de fato, sua declaração é um exemplo de ativismo judicial e traz consigo algumas possibilidades interessantes e também pontos controversos.

Com efeito, ao utilizar o instrumento da declaração do ECI, a Corte deixa de restringir-se à função de garantidora de direitos individuais em casos particulares e assume papel muito mais ativo, o de formular ou contribuir à formulação de políticas públicas e de assegurar sua implementação e o controle de sua execução. Em face de sistemática omissão estatal, incluída a omissão legislativa, a Corte busca estabelecer um modelo coordenado de ação, que alcança diferentes atores, voltado a reverter o quadro de massiva transgressão de direitos fundamentais. Desta forma, tanto interfere em escolhas políticas quanto procura assegurar que essas escolhas se concretizem e surtam efeitos reais. (CAMPOS, 2016. p. 97).

Em contraponto, acredita Streck (2015) que “em sendo factível/correta a tese do ECI, a palavra “estruturante” poderá ser um guarda-chuva debaixo do qual será colocado tudo o que o ativismo querer, desde os presídios ao salário mínimo”24. Nesse entendimento, podemos temer pela banalização da utilização do ECI, e por acabar sendo conduzido de forma distorcida como ferramenta de simples intervenção e violação da separação dos poderes.

Campos (2016, pg. 160) revela, na verdade, a prudência da Corte colombiana e sua delimitação no que se refere à utilização concreta do instituto no sentido de tutelar os preceitos constitucionais:

Sob a perspectiva da teoria constitucional, a Corte fundamenta-se em elementos essenciais do constitucionalismo contemporâneo, como a limitação do poder político majoritário em prol dos direitos das minorias e a proteção prioritária dos direitos fundamentais.

[...]

Nesse sentido, a descrição das sentenças, por meio das quais a Corte Constitucional declarou o ECI, revela que o juiz constitucional colombiano tem utilizado o instrumento para a tutela da dimensão objetiva dos direitos fundamentais.

Podemos observar na declaração de ECI de todas as sentenças proferidas pela Corte Constitucional colombiana que o magistrado prezou pela adequação aos

24 Estado de Coisas Inconstitucional é uma nova forma de ativismo. Disponível em: <

https://www.conjur.com.br/2015-out-24/observatorio-constitucional-estado-coisas-inconstitucional- forma-ativismo> Acesso em: 20 setembro 2017.

preceitos fundamentais. Ademais, o aspecto relevante para a atuação ou não do poder judiciário sob os demais entes federativos reside na análise do caso concreto. A inércia do poder legislativo ou executivo, desídia, descaso ou falta de interesse político, em tese, legitimam a ação intervencionista, pela qual se busca a retomada do status quo constitucional.

Ressaltamos, no entanto, que não podemos generalizar a maneira de pensar o ativismo judicial. Neste trabalho buscamos contextualizá-lo apenas como consequência da declaração do ECI, legitimando as sentenças estruturais da Corte constitucional colombiana e do Supremo Tribunal Federal por consequência, ou seja, o ativismo judicial é legítimo na medida em que se faz estritamente necessário, como última ratio, fazendo cumprir as garantias fundamentais constitucionais em um caso de robusto e inequívoco rol de elementos probatórios pré-constituídos.

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