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respostas ao problema e aos objetivos da pesquisa são buscadas prioritariamente na própria realidade delimitada neste projeto. Esta perspectiva ontológica alinha-se epistemologicamente às abordagens dos sistemas complexos e do realismo crítico e, metodologicamente, à Análise-Diagnóstico de Sistemas Agrários.

1.2.1 Estudo de Sistemas Complexos

Uma das características de sistemas complexos é de serem evolutivos e abertos. A natureza da evolução de tais sistemas é marcada pela não linearidade, instabilidade, incerteza e imprevisibilidade. Segundo Silva Neto (2003), a presença de bifurcações impede o estabelecimento de relações fixas entre um estado específico e a sua estrutura, o que torna imprescindível a adoção de uma perspectiva histórica para se compreender adequadamente a evolução de sistemas vivos. Para este autor, as variáveis que caracterizam um determinado comportamento situacional de desenvolvimento não podem, sequer hipoteticamente, ser definidas sem levar em conta as transformações globais ao longo do tempo.

Para Wheatley (2006), a desordem pode ser uma forma de provocar nova ordem: a confusão, a instabilidade e o desequilíbrio tornam-se fontes para a construção de uma nova ordem, ao invés de representarem a destruição. Segundo a autora, a mudança acontece em saltos, além da capacidade de previsão, impossibilitando calcular de maneira exata o seu resultado futuro. Isto exige a superação das crenças científicas embasadas no determinismo, previsibilidade e controle.

A mudança gera turbulências provocadas por processos naturais e/ou por intervenções humanas, nos fazem questionar as interferências e os resultados esperados. Exige trabalhar com a totalidade e não apenas as partes. Wheatley (2006) enfatiza que nenhuma situação pode ser compreendida isoladamente, a partir de suas partes constituintes. A compreensão mais ampla dos sistemas complexos, como os que envolvem os produtores de leite na região Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul, deve privilegiar a sua totalidade.

1.2.2 Ontologia do Realismo Crítico como Fundamento Metodológico

A pesquisa tem a pretensão de explicar os fatos e não apenas descrevê-los ou estabelecer correlações entre os mesmos. Para isso, propôs em buscar conteúdos explicativos relacionados ao objeto de estudo a partir da própria realidade, sob o fundamento de conceitos do Realismo Crítico, uma corrente do campo da Filosofia da Ciência que tem em Roy Bhaskar um de seus principais representantes.

Para Bhaskar (1989), a realidade possui duas formas para ser explicada: uma pela sua dimensão transitiva e outra pela sua dimensão intransitiva. A forma mais comum utilizada em estudos que pretendam explicar fatos ou fenômenos relacionados ao mundo real é a da dimensão transitiva, que tem como fonte de dados o mundo das ideias, pelo conhecimento produzido e acumulado ao longo do tempo pela humanidade. A dimensão transitiva da realidade, portanto, é epistemológica, pois se fundamenta nas distintas interpretações já construídas sobre os processos naturais e sociais (BASSO, 2012). Para os realistas críticos, no entanto, a realidade em si possui uma dimensão intransitiva, ou seja, ela existe independente do conhecimento que se tenha produzido sobre ela (BHASKAR, 1989). Isto significa que o “mundo, natural ou social (dimensão intransitiva), é o mesmo, mas as teorias ou interpretações (dimensão transitiva) sobre este mundo são diferentes, parciais e até mesmo rivais” (BASSO, 2012, p. 114). Neste sentido, a pesquisa que será desenvolvida com produtores de leite da região Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul priorizará a dimensão intransitiva da realidade, num esforço para extrair conteúdo explicativo no próprio processo onde o fenômeno acontece.

Para tanto, a pesquisa apoia-se em outro conceito desenvolvido pelo Realismo Crítico, que se refere à estratificação da realidade. “Existe uma realidade subjacente aos fatos observáveis e é esta realidade que deve ser o objeto da ciência” (BASSO, 2012, p. 112). Bhaskar (1989) pressupõe a estratificação da realidade em três níveis: o nível empírico, o nível efetivo e o nível do real propriamente dito. O nível empírico corresponde ao que é diretamente observável por meio dos sentidos. O nível efetivo da realidade corresponde aos fenômenos ou eventos em si, que não necessariamente são observados diretamente por meio dos

poderes, tendências que explicam ou causam os fenômenos estudados e estes não conseguem ser captados ou compreendidos facilmente pelo pesquisador.

Para compreender e explicar uma realidade, deve-se ir além daquilo que se pode observar empiricamente, adentrando nos níveis mais profundos da realidade, investigando relações entre fatos e acontecimentos que permitam gerar a melhor explicação do fenômeno em estudo. Como este projeto propõe-se compreender e explicar a realidade que envolve os produtores de leite na região Fronteira Noroeste do Rio Grande do Sul, seguir-se-á os princípios e procedimentos da Análise- Diagnóstico de Sistemas Agrários (ADSA), descrita a seguir.

1.2.3 Análise-Diagnóstico de Sistemas Agrários

A pesquisa proposta se utilizou dos pressupostos explicados anteriormente, buscando a explicação da realidade, apoiando-se na teoria da complexidade e no realismo crítico. A ADSA, conforme Silva Neto (2016), diz respeito à análise de situações agrárias locais, como metodologia de pesquisa por meio de uma abordagem sistêmica, em vários níveis relacionados com conceitos bem específicos. Nesta tentativa de compreender a real situação encontrada, permite a identificação de diferentes tipologias diante das técnicas de coleta que possuem etapas pré- definidas.

A ADSA tem sua origem nos estudos desenvolvidos há mais de 60 anos com a Cátedra de “Agricultura Comparada e Desenvolvimento” do Instituto Nacional Agronômico, Paris-Grignon (INA-PG), da França (MAZOYER, ROUDART, 2010; SILVA NETO, BASSO, 2015).

A internalização da ADSA no Brasil ocorreu no início da década de 1990, via Grupo de Pesquisa Sistemas Agrários e Desenvolvimento do Departamento de Estudos Agrários (DEAg) da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), por meio de duas teses desenvolvidas em regiões do Rio

Grande do Sul, defendidas no INA-PG (DUDERMEL, 1990; SILVA NETO, 1994) e

incorporada ao Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional no ano de 2003, no que atualmente é a linha de Pesquisa de Desenvolvimento Territorial e Gestão de Sistemas de Produção.

No final dos anos 1990, a ADSA teve uma grande disseminação em vários estados brasileiros em função de um Convênio firmado entre a Organização das

Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e o INCRA voltada à capacitação de técnicos atuantes nos Assentamentos de Reforma Agrária em todas as regiões do país, tendo a UNIJUÍ como instituição parceira.

1.2.3.1 Princípios Metodológicos da ADSA

Silva Neto (2015) aponta e necessidade da aplicação metódica e rigorosa dos seguintes princípios:

- Efetuar as análises a partir de fenômenos mais gerais para particulares, através de abordagens sistêmicas.

- Analisar cada nível da realidade especificamente, efetuando uma síntese antes de passar para a análise do nível inferior.

- Privilegiar a explicação em detrimento da descrição.

- Privilegiar uma visão dinâmica das situações por meio da adoção de enfoques históricos.

- Estar atento à heterogeneidade da realidade, evitando interpretações por demais generalistas (médias, p. ex.) que dificultam a elucidação dos processos.

1.2.3.2 Etapas da ADSA

As etapas são apresentadas a partir dos princípios metodológicos, como procedimentos que devem ser seguidos. Para dar conta destas etapas é necessário adotar técnicas de pesquisa adequadas a cada uma delas, com destaque para a observação direta e entrevistas em profundidade. No uso da técnica de observação objetiva-se realizar a leitura da paisagem encontrada, e com a entrevista, podendo este ser do tipo semiestruturada e/ou aberta, tornará possível o entendimento histórico e a caracterização de técnica das diferentes unidades de produção pesquisadas. Para isso, a coleta de dados subdivide-se em quatro importantes etapas, conforme Silva Neto (2015):

- Caracterização geral e identificação das principais heterogeneidades dos processos de desenvolvimento da agricultura regional.

de agricultores e sistemas de produção.

- Identificação de linhas estratégicas de desenvolvimento.

CAPÍTULO 02: PROCESSO HISTÓRICO DOS PRODUTORES DE LEITE DA

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