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A importância de uma descrição dos pressupostos teóricos vai muito além da formalidade de um trabalho acadêmico. A teoria é como uma lente, através da qual o estudioso enxerga seu objeto, ou, mais apropriadamente, é uma linguagem pela qual ele se comunica. No entanto, o estudo da linguagem verbal humana tem uma propriedade peculiar, a de conceber seu próprio objeto, já que a língua é o fim e o meio do processo científico, isto é ―dir-se-ia que é o ponto de vista que cria o objeto‖ (SAUSSURE, 1955, p. 23)12 Assim, apresentaremos aqui também as concepções que assumimos sobre os fenômenos que estudamos.

2.1- A visão saussureana da Linguagem e a Linguística Funcional

Este estudo se insere na corrente teórica funcionalista. Para descrevê-la, é oportuno voltar aos pressupostos básicos de Saussrue, pois eles fundaram o que hoje concebemos como a ciência Linguística, integrada por uma série de correntes chamadas formalistas, às quais as funcionalistas, muito frequentemente, sobretudo na origem, procuraram se opor.

Em seu Curso de Linguística Geral, o professor genebrino logo busca a definição fundamental do objeto de sua ciência. Assim, ele estabelece a primeira de suas clássicas ―Dicotomias Saussureanas‖: Língua e Fala. Em seguida, estabelece que o objeto da Linguística é a língua, não a fala. Entre diversas razões, isso se dá também porque a fala é um ato individual, relativo a cada falante, enquanto a língua é o sistema subjacente aos processos comunicativos, comum a todos os falantes de um idioma.

Embora seis décadas separem Saussure da Linguística Funcional, do ponto de vista teórico, suas concepções básicas se distinguem. Para a esta, o sistema da língua pode ser diferenciado da materialidade de sua manifestação, porém eles não podem ser estudados separadamente, como supunha Saussure (1955, p.31). O Funcionalismo concebe seu objeto como a língua em uso, logo as propriedades formais não podem ser isoladas daquelas contextuais. Assim é porque elas se relacionam intimamente e

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dependem uma da outra para que os falantes se comuniquem. Aliás, nessa perspectiva a língua é vista como meio e resultado das interações sociais. Assim, cada indivíduo usa a gramática da língua segundo motivações pragmáticas e de modo a satisfazer seus propósitos comunicativos. Essa razão explica por que são indissociáveis os estudos da gramática e os do discurso. Aliás, necessário se faz definir discurso e gramática, segundo a nossa perspectiva:

Assim, o primeiro termo [discurso] passa a se referir às estratégias criativas dos usuários na organização de sua produção linguística, aos modos individuais com que cada membro da comunidade elabora suas formas de expressão verbal. Por outro lado, o termo gramática é concebido como o conjunto das regularidades linguísticas, como o modo ritualizado ou comunitáriodo uso; se ao discurso cabe a liberdade e a autonomia de expressão, à gramática compete a sistematização e a regularização.(OLIVEIRA & VOTRE in VOTRE, 2012, p.158)

Em capítulos subsequentes, veremos diversos exemplos em se pode observar com clareza como motivações externas ao sistema linguístico fazem o usuário moldar a gramática de que dispõe.

2.2- Linguística Centrada no Uso

Nas últimas décadas de sua trajetória, a Linguística Funcional tem estabelecido uma série de diálogos com outra corrente – a Linguística Cognitiva. Esta

...vê o comportamento linguístico como reflexo de capacidades cognitivas que dizem respeito aos princípios de categorização, à organização conceptual, aos aspectos ligados ao pensamento linguístico e, sobretudo, à experiência humana no contexto de suas atividades individuais, sociointeracionais e culturais. (FURTADO DA CUNHA, BISPO, SILVA in CEZARIO & FURTADO DA CUNHA, 2013, p. 14)

Uma das principais razões para o êxito dos diálogos entre funcionalistas e cognitivistas é o compartilhamento de vários pressupostos teórico-metodológicos. Dentre eles, destacamos aqui a estreita relação entre a estrutura das línguas e o uso que os falantes dela fazem nas situações de comunicação, fator que leva à concepção de que os dados linguísticos são aqueles que ocorrem em situações reais de uso. Uma vez que a gramática é vista como fruto das experiências dos indivíduos, ela pode ser moldada pelo uso linguístico.

O termo ―usage-based‖ (baseado no uso) foi introduzido pelo cognitivista Ronald Langacker em 1987, apesar de ter havido muitos modelos baseados no uso (cf. BARLOW & KEMMER, 2006, p.1). Esse termo foi utilizado para designar a corrente funcionalista enriquecida do contato com o Cognitivismo, resultando assim na Linguística Funcional Centrada no Uso.

É importante ter em mente que, segundo uma visão funcionalista da linguagem, é sempre preferível que a pesquisa linguística tenha como objeto manifestações concretas, em situações reais de uso. Com isso, o estudo de uma língua antiga poderia ter um problema em relação à seleção de corpus, mas não tem. Assim ocorre porque o Latim não deixou de ser falado, tendo se modificado e dado origem a diversas línguas neolatinas, e também porque a língua antiga possui um acervo de textos da época passada, capazes de transmitir importantes valores, pensamentos e características gerais da sociedade da época. Portanto, o texto escrito constitui-se como corpus de pesquisa da língua antiga, pois é, tanto quanto o texto falado, língua em uso.

2.3- Gramática de Construções

O termo ―construção‖ tem tido uma frequência bastante alta nos estudos linguísticos. Na sua mais antiga (e talvez mais freqüente) acepção, designa meramente um aglomerado sintático ou um sintagma oracional. Seria, portanto, um epifenômeno, causado pela simples interação sintática.

Eis que, no entanto, observações de diversos estudiosos mostravam que um padrão de organização sintática possuía implicações diretas sobre a semântica de uma frase. Assim, as construções não seriam um mero epifenômeno, pois, frequentemente, a semântica de uma construção não é apenas a soma de seus constituintes. Com essas observações, chegou-se a uma definição cognitivista para ―construção‖:

C é uma construção se e somente se C é um par forma-sentido <F, S,> de modo que algum aspecto de F, ou algum aspecto de S, não é rigidamente previsível das partes que compõem C ou de outras construções previamente estabelecias. (GOLDBERG, 1995, p.4)13

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C is a construction iffdet, C is a form-meaning pair <F, S,> such that some aspect of F, or

some aspect of S, is not strictly predictable from C’s component parts or from other previously established constructions.

Desde então, várias ―gramáticas de construções‖ foram desenvolvidas. Viemos aqui, neste capítulo, apresentar outra, aquela que será a principal para este estudo. Não descreveremos com mais detalhes a visão de Goldberg sobre as construções. No entanto, a principal diferença (entre inúmeras semelhanças) entre esta e a de Traugott e Trousdale (2013) é que a primeira tem seu foco sobre construções complexas, como sintagmas, orações e até períodos; já a segunda inclui em sua abrangência as construções atômicas, que não podem ser decompostas em partes conteudísticas (cf. p. 33), que podem ser morfemas.

Uma vez que o objeto de estudo aqui é um sufixo, a visão de Traugott e Trousdale, que utilizamos, se mostra mais adequada à pesquisa, mas isso, em hipótese alguma, desqualifica as demais. É oportuno observar também que a presente definição de construção tem uma ligeira diferença das demais, é mais simples. A construção é definida simplesmente como pareamento convencionalizado de forma e função ―[[F] ↔ [M]]‖ (TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p.8).

De modo geral, as abordagens construcionais além da de Traugott & Trousdale (2013) também concebem a construção como um pareamento convencional de forma e sentido, e a construção é a unidade básica da língua. Numa abordagem centrada no uso, as línguas são uma rede de nós e ligações entre esses nós. Outro ponto em comum é que a estrutura da língua é moldada pelo uso e, portanto, a mudança é mudança em uso, pois este instancia e convencionaliza as inovações que emergem na língua.

A assunção de uma relação de interdependência entre forma e sentido significa uma relação entre propriedades da função – Semântica, Pragmática e Discurso – e propriedades da forma – Fonologia, Morfologia, Sintaxe. Uma alteração em uma das propriedades da forma ou da função pode causar mudanças apenas nas outras do mesmo eixo, o que será chamado ―mudança construcional‖ ou em ambos, criando um novo pareamento de forma e sentido, uma nova construção, o que será chamado ―construcionalização‖(cf. TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p.1).

O pareamento de forma e função pode ser concebido em diversas dimensões. Traugott e Trousdale (2013) o concebem de acordo com três dimensões: tamanho, especificidade fonológica e conceito. O tamanho varia entre atômico e complexo, de modo que a construção atômica é a que não pode ser decomposta e a construção complexa pode ser decomposta em elementos analisáveis; já a especificidade fonológica varia entre substantiva e esquemática, de modo que a construção substantiva é composta

em sua totalidade por itens fonologicamente salientes, enquanto que a construção esquemática é uma abstração em um esquema; e o conceito varia entre conteudístico e procedural, de modo que

Material ―conteudístico‖ pode ser usado referencialmente; na dimensão formal, é associado com categorias esquemáticas, substantivo, verbo e adjetivo. Material ―procedural‖ tem significado abstrato que sinliza relações linguísticas, perspectivas se orientações dêiticas […]. (TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p. 12)14

Tamanho Atômica Complexa Intermediária

red, -s pull strings, on top of bonfire Especificidade Substantiva Esquemática Intermediária

dropout, -dom N, SAI V-ment Conceito Conteudístico Procedural Intermediária

red, N -s, SAI way-construction QUADRO 1: Dimensões das construções

(TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p. 13)

Os autores discutem ainda três fatores relacionados às construções: a) esquematicidade é a propriedade de abstração de uma construção em esquemas, ou seja, em generalizações taxionômicas (por exemplo, S-V-O seria um esquema de oração transitiva); b) produtividade é a possibilidade de novos construtos serem produzidos com base em um mesmo esquema; c) composicionalidade é a nitidez da separação das partes que compõem um todo.

As construções e seus esquemas possuem desdobramentos em um nível hierárquico inferior. Um esquema pode abrigar diferentes subesquemas e uma construção pode abrigar mesocontruções e microconstruções.

Quadro 2: Hierarquia construcional:

14 ‘Contentful’ material can be used referentially; on the formal dimension it is associated with the schematic categories N, V, and ADJ. ‘Procedural’ material has abstract meaning that signals linguistic relations, perspectives and deictic orientation

Concretamente, a manifestação de cada construção em amostras reais de uso é chamada de construto.

Entre os tópicos importantes para este trabalho, concernentes aos mecanismos de mudança, destacamos a chamada neoanálise, termo cunhado por Andersen, 2001 (apud TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p. 36). A neoanálise consiste em uma nova forma de representação na mente do falante, precisamente a uma nova forma de o falante analisar uma construção. Ela pode ocorrer tanto em níveis funcionais quanto em níveis formais da linguagem. Para este trabalho, é válido conceber a neoanálise em um nível morfológico, com a mudança da representação do esquema de verbo estativo para a língua latina (cf. p. 39).

2.4- Verbos estativos em uma visão construcional

Para dar início a esta seção, voltemos à definição inicial de construção – um pareamento convencional de forma e sentido. Esta definição amplia o conjunto de possibilidades de objetos que podem nela se enquadrar.

Assim, quando se fala em construções com verbos estativos, o conceito de construção pode se aplicar tanto ao morfema, quanto à oração. A rede formada pela relação entre as diferentes construções possui uma organização hierárquica, de modo que certas construções podem conter outras.

Construção

Mesoconstruções... Microconstruções...

Esquema

Subesquemas Subesquemas

Partindo de um nível mais amplo, oracional, identificamos uma macroconstrução bastante complexa e conteudística de verbos estativos que consiste na própria oração monoargumental. Ela é composta de um sujeito e um verbo, como no exemplo em destaque:

Construto:

(1) Post se derisum, dolet

Após ser zombado, [ele] sofre

Esquema: [S+Vē]

Com os estudos preliminares, em gramáticas de línguas antigas (sobretudo CHANTRAINE, 1984 e MEILLET, 1948), que associam os verbos estativos a orações monoargumentais, tais construções seriam, em teoria, as mais prototípicas com esse tipo de verbo.

Frequentemente, essa macroconstrução é constituída por um sujeito oracional, de modo que se produz uma mesoconstrução composta por sujeito oracional e verbo estativo:

Construto:

(2) Prodigum te fuisse oportet olim in adulescentia. Convém teres sido pródigo, outrora, na adolescência.

(3) Tuos sum,/ proinde ut commodumst et lubet quidque facias;

Sou teu,/ assim como for cômodo e agradável que faças o que quer que seja;

Subesquema: [Sor+Vē]

Os dois exemplos do subesquema mostram a mesoconstrução com sujeitos oracionais. Sua freqüência (verbo impessoal + oração infinitiva) é tão grande que os dicionários os notam apenas na terceira pessoa do singular, classificando-os como impessoais.

Os excertos diferem em relação ao modo do verbo da oração subjetiva que em 2 é infinitivo e em 3 é subjuntivo, sem conectivo. Não conseguimos concluir ainda se o uso de cada um desses modos constitui uma microconstrução, um nível esquemático inferior ao das construções com sujeitos oracionais. Podemos apenas observar que, no Latim Arcaico, o uso de orações subordinadas substantivas justapostas (sem conectivo, com verbo no infinitivo) é mais frequente que em outras fases (cf. FARIA, 1958, p. 404; VASCONCELLOS, 2013, p. 43).

Em contrapartida, um grupo restrito de verbos estativos parece ter sido recrutado para figurar em uma macroconstrução diferente da que consideramos mais prototípica. Trata-se de uma construção biargumental, na qual o verbo incide sobre um objeto:

(2) -… at ego habeo homines clitellarios. -… mas eu tenho homens de carga.

Esquema: [S+Vē+O]

A construção biargumental implica mudança em alguns atributos dos verbos estativos, os quais estudaremos no capítulo 5. Além dos verbos habeo e teneo (ambos: ter), são raros os usos de outros verbos nessas construções. Aliás, esses dois verbos têm trajetórias bastante peculiares ao longo do Latim e de suas línguas descendentes.

Identificamos algumas ocorrências de um padrão construcional semelhante ao subesquema das construções monoargumentais que tem seu sujeito oracional. Podemos destacar um subesquema da construção biargumental que também tem uma oração como um de seus argumentos, porém, dessa vez, trata-se do objeto. Os principais verbos que figuram nessas construções são gaudeo (estar alegre) e soleo (estar acostumado).

(3)

TR. O Theopropides, ere, salve, saluom te aduenisse gaudeo. usquin ualuisti? (Mostellaria, 446-9)

TR – Oh Teopropides, meu senhor, salve! Alegro-me de teres chegado salvo. Passaste suficientemente bem?

Vemos, no exemplo 3, o verbo gaudeo sendo complementado por uma oração reduzida de infinitivo, que desempenha a função de objeto do verbo gaudeo. No entanto, o mesmo verbo transita pelos dois padrões, o biargumental e o monoargumental:

(4)

TR- Quid tibi visum est mercimoni? TH - ** totus gaudeo. (Mostellaria, 904)

TR – Qual tua opinião sobre a transação? TH - ** Estou todo alegre!

Já o verbo soleo ocorre de modo mais convencionalizado com um complemento oracional. Em verdade, a ligação do verbo soleo com seu complemento parece tão forte que aponta para a formação de uma microconstrução com uma locução verbal, após uma neoanálise da mesoconstrução.

(5)

AMPH. Quia salutare aduenientem me solebas antidhac, (Amphitryon, 711)

ANF – Porque, antes disso, constumavas me saudar quando eu chegava,

No entanto, o principal padrão que figura entre todas as cosntruções biargumentais é aquele que expressa a posse, com verbos habeo e teneo. Originalmente estativos (significando ―estar contido‖), esses verbos parecem ter sofrido uma drástica mudança do ponto de vista do praticante da ação, o que os fez serem recrutados para figurar em uma construção biargumental, a envolver um participante a mais.

Quando passamos a um nível morfológico, identificamos que o próprio morfema estativo é um pareamento convencionalizado de forma e função. Ele é uma construção atômica, procedural e substantiva.

É possível identificar ainda que a língua estudada neste trabalho, mesmo que em seu período arcaico, já apresenta os verbos formados com o sufixo estativo no final de um processo de mudança, que remonta ao Indoeuropeu, sobre o qual discorremos no primeiro capítulo.

Com base nos estudos de gramática histórica, observa-se que este sufixo tem uma origem flexional, formador de temas de aoristo, donde passa a sufixo derivacional, formador de verbos estativos. No entanto, não há dados desse tipo de uso, uma vez que ele remonta à pré-história linguística, carente de registros escritos.

De acordo com esses estudos e a atual perspectiva teórica, a construção mais prototípica (como madeo – estar molhado), que seria mais composicional, teria dado origem à construção menos prototípica (como habeo – ter), menos composicional, isto é, nesses verbos, em algum momento, o sufixo passa a ser analisado de modo diferente, provocando uma neoanálise no verbo. Um esquema formado por raiz [verbal+sufixo] de estado passa a apenas [raiz verbal], com aquele morfofonema que outrora era um sufixo derivacional passando a integrar o radical do verbo:

[√+ē] madeo [mad+e]

[√] habeo [habe]

De fato, ao olharmos testemunhos da Antiguidade Tardia, podemos observar que dois gramáticos do século IV d.C., Donato e Dositeu, não analisam verbos estativos como compostos por derivação sufixal, mas como formas ―absolutas‖ ou ―perfeitas‖, como designam os verbos sem afixos, usando o verbo horreo (estar amedrontado) como exemplo.

Se os verbos estativos forem analisados como compostos por derivação sufixal, seria esperado encontrar exemplos de verbos com a mesma raiz, mas sem o sufixo. As reflexões baseadas na análise de dados figurarão mais adiante.

2.5- Transitividade Oracional

Esta subseção parte do artigo de Hopper e Thompson (1980), no qual os autores propõem que a transitividade não é uma propriedade apenas do verbo, senão de toda a oração. Propõem também que essa propriedade não pode ser auferida de modo binário – transitivo/intransitivo, uma vez que é um continuum. Portanto, não se fala sobre transitividade ou intransitividade, mas sobre maior ou menor transitividade da oração.

Essa visão de transitividade se aplica às macroconstruções – orações com verbos estativos – que seriam tanto as mais prototípicas quanto as menos.

Desse modo, os autores isolam 10 parâmetros que compõem a transitividade oracional, que foram traduzidos e estudados por Furtado da Cunha e Souza (2007) na seguinte tabela:

Parâmetros de Transitividade

Transitividade Alta Transitividade Baixa

1- Participantes 2- Cinese 3- Aspecto 4- Pontualidade 5- Intencionalidade 6- Afirmação 7- Modo 8- Agentividade 9- Afetamento do objeto 10- Individuação do objeto Dois ou mais Ação Perfectivo Pontual Intencional Afirmativa Modo realis Agentivo Afetado Individuado Um Não-ação Não-perfectivo Não-pontual Não-intencional Negativa Modo irrealis Não-agentivo Não-afetado Não-individuado Tabela 2: Parâmetros da transitividade

(FURTADO DA CUNHA & SOUZA, 2007, P.37)15

Compreendamos, portanto, como esses parâmetros se aplicariam às orações com verbos estativos. Antes de analisarmos cada um dos parâmetros, é importante fazer algumas considerações sobre esses traços.

Assim, comecemos pelos dois últimos parâmetros, aqueles que tratam mais especificamente da relação do verbo e do objeto. Quanto à individuação do objeto, os autores propõem que uma oração é mais transitiva com um objeto próprio, animado, concreto, singular, contável, definido (cf. HOPPER & THOMPSON, 1980, p. 253). Quanto ao afetamento do objeto, o pressuposto básico é de que quanto mais afetado um objeto é pela ação verbal, mais transitiva será a oração. Esses dois parâmetros não podem ser estudados nas orações prototípicas, pois estas são monoargumentais. Isso leva também ao número de participantes dessas orações, que é de apenas um. Morfologicamente, o Latim diferencia sujeitos e objetos por meio de casos gramaticais, respectivamente nominativo e acusativo, portanto será raro encontrar uma ambigüidade nessa categorização.

Sobre a afirmação, uma ação que ocorre é, certamente, mais transitiva que uma ação que não ocorre. O que define se uma frase é negativa ou afirmativa é o desenrolar

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da narrativa. E ainda, do ponto de vista formal, os meios de efetuar essa mudança em Latim são por meio de advérbios, que não costumam se unir ao termo que escopam (uma exceção é o verbo nolo < ne uolo – não querer).

Quanto ao modo, uma oração em um modo real (como o indicativo) é mais transitiva que uma em um modo irreal (como subjuntivo ou imperativo). Acreditamos que esse parâmetro também está relacionado ao desenvolvimento da trama exposta pelas peças que integram o corpus. O modo em Latim é sempre marcado morfologicamente, sendo que apenas o imperativo é caracterizado pela ausência de morfema.

Chegamos à intencionalidade e à agentividade. Quanto mais agentiva e mais intencional for a ação, mais transitiva ela será. Ao observarmos esses parâmetros nos verbos estativos, vemos que eles parecem estar bastante relacionados à semântica do verbo, especialmente nas orações mais prototípicas.

Assim também a cinese. Quanto mais cinética é uma ação, mais transitiva. A cinese também parece estar relacionada à semântica do verbo, afinal, verbos que denotam estado teriam o mínimo possível de cinese.

A pontualidade trata do tempo levado para que a ação ocorra. Ser mais pontual é

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