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Processos de formação e variedade de uso no sufixo –Ē estativo latino

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

LUIZ PEDRO DA SILVA BARBOSA

PROCESSOS DE FORMAÇÃO E VARIEDADE DE USO NO SUFIXO –Ē ESTATIVO LATINO

Niterói 2016

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PROCESSOS DE FORMAÇÃO E VARIEDADE DE USO NO SUFIXO –Ē ESTATIVO LATINO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem como requisito para obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem.

Linha de Pesquisa: Teoria e análise lingüística

Orientadora: Profª Drª Lívia Lindóia Paes Barreto

Agência de fomento: CAPES

Niterói 2016

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B238 Barbosa, Luiz Pedro da Silva.

Processos de formação e variedade de uso no sufixo –ē estativo latino / Luiz Pedro da Silva Barbosa. – 2016.

125 f.

Orientadora: Lívia Lindóia Paes Barreto.

Dissertação (Mestrado em Estudos de Linguagem) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Letras, 2016.

Bibliografia: f. 82-85.

1. Morfossintaxe. 2. Transitividade. 3. Aspecto. 4. Vogal temática. 3. Funcionalismo. I. Barreto, Lívia Lindóia Paes. II. Universidade

Federal Fluminense, Instituto de Letras. III. Título.

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Data da defesa:

25 de Fevereiro de 2016

Banca Examinadora:

Profª Drª Lívia Lindóia Paes Barreto UFF (Orientadora)

Profª Drª Mariângela Rios de Oliveira UFF (Coorientadora)

Profª Drª Rívia Silveira Fonseca UFRRJ

Profª Drª Glória Braga Onelley UFF

Profª Drª Fernanda Messeder Moura UFRJ (Suplente)

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Esta pesquisa foi desenvolvida durante o curso de Mestrado em Estudos da Linguagem, no Instituto de Letras da UFF. O objeto enfocado é o morfema –ē, formador de verbos com valor de estado – estativos – em Latim. O ponto de partida destes estudos é a aparente interseção entre as categorias de sufixo derivacional e vogal temática em que se encontra o referido morfema. Estudos de Morfologia Diacrônica do Latim mostram que ele tem uma trajetória relativamente complexa como continuidade de um morfema formador de temas aorísticos indoeuropeus. Como a permanência é inerente à mudança, o Latim apresenta diversos traços desse antigo paradigma. Filiado a uma corrente funcionalista centrada no uso, este trabalho utiliza a perspectiva construcional de Traugott & Trousdale (2013). Para as análises, são utilizados também os parâmetros de transitividade de Hopper e Thompson (1980). O corpus são as comédias de Plauto, autor do período arcaico da Literatura Latina. A escolha do autor se deu pelo caráter “popular” de sua obra e pelas numerosas marcas de oralidade de seus textos, o que leva a crer que eram próximos do falar vernáculo da época. As análises, de modo geral, mostraram que os usos dos verbos estativos se afastam, em muitos aspectos, das características descritas pelas gramáticas diacrônicas, pois não possuem produtividade e com provável neoanálise do radical verbal. Mostraram também, que o sufixo está relacionado com a noção de aktionsart, ou modo de ser da ação verbal.

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This research was developped during the Master Course on Language Studies, at Instituto de Letras, in UFF. The objectve focused is the morpheme –ē, composer of verbs with a state value – stative – in Latin. The starting point of these studies is the apparent intersection between the categories of derivational suffix and thematic vowel wich the referred morpheme is found in. Diacronic studies of latin morfology show that this suffix has a relatively complex path as continuity of a morpheme composer of indoeuropean aoristic themes. As the permanence is inherent to change, Latin shows several features of such na ancient inflectional paradigm. Affiliated to a used based functionalist theory, this work uses the constructional perspective by Traugott & Trousdale (2013). For the analysis, we used transitivity paramaters by Hopper & Thompson (1980). The corpus are comedies of Plautus, writer from archaic period of Latin Litterature. The choice of this author is due to the popular feature of his work and to the numerous orality marks nos his texts, wich lead us to believe that its language was close to the vernacular spoken language of his age. In a general way, the analysis shoed that stative verbs use are away, in many features, from those described by diachronic grammars, because they have no productivity and with a probable neoanalysus of the verb stem. They also showed that the suffix is related to the notion of aktionsart, or a way of being of a verbal action.

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À Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro à minha pesquisa;

Aos meus pais, pelo carinho e dedicação;

Aos amigos, de todas as esferas, pelo apoio em momentos necessários à produção acadêmica;

Aos mestres do presente, pela confiança no meu trabalho;

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In memoriam: Ernesto Faria, mestre do passado, que dedicou sua vida, até os últimos instantes, a defender o ensino de Latim no Brasil.

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Nedum sermonum stet honos, et gratia uiuax. Multa renascentur quae iam cecidere, cadentque Quae nunc sunt in honore uocabula, si uolet usus Quem penes arbitrium est et ius et norma loquendi.

(HORÁCIO Ep. ad Pis, v. 69-72)

Que menos ainda permaneçam o prestígio e a graça vivaz das palavras Muitas que já caíram renascerão, e cairão Aquelas palavras que estão em prestígio, se desejar o uso Nas mãos de quem está o arbítrio, e também o direito e a norma de falar.

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Lista de Tebelas, Quadros e Gráficos...10

INTRODUÇÃO...11

CAPÍTULO 1 – SITUANDO O OBJETO...15

1.1 – O Indoeuropeu, seu sistema verbal e o sufixo *–ē...15

1.2 – O sistema verbal do Latim e o sufixo –ē...22

1.3 – Dúvidas e questões relativas aos verbos estativos...28

1.4 – Resumo do capítulo...29

CAPÍTULO 2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS...30

2.1– A visão saussureana da Linguagem e a Linguística Funcional...30

2.2 – Linguística Centrada no Uso...31

2.3 – Gramática de Construções...32

2.4 – Verbos estativos em uma visão construcional...35

2.5 – Transitividade Oracional...39

2.6 – Fechamento do panorama teórico e preparação para as análises...42

CAPÍTULO 3 – TEXTOS E CONTEXTOS...44

3.1– Roma: da fundação ao início da República...44

3.2 – A Comédia em Roma...45

3.3 – Sobre Plauto e sua comédia...47

3.4 – Sobre o corpus de pesquisa...50

3.5 – Sobre as obras...51

CAPÍTULO 4 – DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS...54

4.1 – Ocorrências de Verbos estativos...54

4.2 – Para uma análise qualitativa...62

4.3 – Reflexões sobre as análises dos dados...62

4.3.1 – Processos de Formação dos verbos estativos...63

4.3.2 – Transitividade Oracional...66

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CONSIDERAÇÕES FINAIS...80

REFERÊNCIAS...82

ANEXO 1 – LISTA DE OCORRÊNCIAS DE VERBOS ESTATIVOS NAS PEÇAS AMPHITRYON, MOSTELLARIA E PERSA...86

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Tabela 1: Palavras comparáveis entre as línguas clássicas: Grego, Latim e Sânscrito Tabela 2: Parâmetros da transitividade

Quadro 1: Dimensões das construções Quadro 2: Hierarquia construcional

Quadro 3: Pareamentos de forma e função para verbos de estado

Gráfico 1: Aspecto do verbo Gráfico 2: Número de argumentos

Gráfico 3:Construções impessoais frente às demais monoargumentais Gráfico 4:Habeo e teneo frente às demais biargumentais

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INTRODUÇÃO

A motivação primeira de uma pesquisa como esta é o arranjo que as gramáticas do Latim fazem do seu sistema verbal: em quatro conjugações. A Monitoria de língua latina e língua grega, entre 2011 e 2013, suscitou o interesse pela pesquisa da morfossintaxe latina, sobretudo como consequência do projeto ―A frase latina: descrição e análise das relações morfossintáticas‖. A partir de então, foram abordados diversos temas da gramática do Latim, com especial atenção para os fatores mais formais da língua. Ao observar os diversos processos de derivação sufixal que resultavam no referido arranjo, entendemos que essas quatro conjugações deveriam advir de uma série de processos mais complexos de formação e que, ainda, tal série deveria manter traços semânticos.

De fato, há uma série complexa de formação de temas verbais cujo resultado é a divisão em quatro conjugações. Consideramos que, dentre os vários sufixos derivacionais de verbos latinos, um estudo do sufixo de estado –ē seria oportuno, dada sua origem remota, como formador de aoristos indoeuropeus e também suas marcas semânticas e morfossintáticas características da frase latina.

Assim, o primeiro capítulo vem apresentar o objeto da pesquisa, sob o ponto de vista histórico. Entende-se que é de fundamental importância situá-lo no tempo, e no sistema linguístico antes que se proceda à análise, pois, apesar de este tema não vir mais a ser focado durante o trabalho, frequentemente, ele terá relações com os capítulos vindouros.

O capítulo se inicia por uma descrição do sistema verbal indoeuropeu, com especial atenção para as variações temáticas e aspectuais dos seus verbos. O comportamento morfossintático dos mesmos e os valores semânticos ligados a cada um dos aspectos contribuem, conjuntamente, para o enfoque que aqui damos ao sufixo estativo.

Passamos, em seguida, à observação específica sobre o sufixo –ē. Tentamos entender o seu papel na flexão verbal indoeuropeia, papel importante para o estudo do referido sufixo na língua latina.

Chegamos, a seguir, ao Latim e à descrição da flexão latina, com atenção para a sua variação aspectual, em comparação com o estágio primitivo. Do mesmo modo,

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passamos ao estudo descritivo aprofundado sobre o sufixo (agora sim)1 estativo –ē e de seu funcionamento no sistema verbal latino. Também é oportuno discorrer de modo breve sobre o uso do sufixo no latim vulgar e nas línguas neolatinas. A descrição está embasada na amostragem de alguns exemplos de uso, retirados do corpus, acompanhados de descrição, com foco na transitividade das orações.

Finalmente, o capítulo se encerra com as dúvidas e questões que motivaram essa pesquisa e que serão desenvolvidas no decorrer do trabalho. Tais motivações estão relacionadas tanto com o sistema do verbo latino quanto com a categorização do sufixo estativo enquanto vogal temática.

O segundo capítulo conta, inicialmente, com uma abordagem mais ampla dos pressupostos teóricos, isto é, dos fundamentos que alicerçam a pesquisa e a metalinguagem utilizada para o trabalho. Essa etapa se inicia com uma breve exposição sobre a corrente de pensamento linguístico intitulada Funcionalismo, mais precisamente Linguística Funcional Centrada no Uso, vertente norte-americana dos estudos funcionais. Quando chegarmos aos pressupostos metodológicos, estes deverão estar em harmonia com a corrente teórica na qual nos inserimos.

Entre os diversos princípios funcionalistas, muitos dos quais de extrema utilidade para este texto, destacaremos a Gramática de Construções. Dentre as diversas ―gramáticas de construções‖, descreveremos os princípios daquela que utilizamos aqui: Traugott & Trousdale (2013). A partir daí, um passo importante é o de mostrar como conceber o objeto de estudo – os verbos estativos latinos – de acordo com essa vertente, nos diferentes níveis de análise e de definição.

A contribuição seguinte, que incide sobre aspectos específicos deste estudo, é a de Hopper & Thompson (1980), com seus parâmetros de transitividade verbal. Esses parâmetros foram revisados por seus autores (in BYBEE & HOPPER, 2001) e, posteriormente, discutidos por diversos outros, inclusive no Brasil (in ABRAÇADO & KENNEDY, 2014). Tais fundamentos serão articulados de modo bastante oportuno com os estudos de CORÔA (2015), sobretudo quando nos debruçarmos sobre os traços de aspecto e pontualidade.

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O terceiro capítulo tem o propósito de levar o leitor ao contexto em que os textos, dos quais nos servimos nesta pesquisa, foram compostos; as características da sociedade em que circulavam, a quem se dirigiam, em que situação eram utilizados. Portanto, discorremos sobre a situação político-social da República Romana entre os séculos III e II a.C., a chamada fase arcaica da Literatura Latina, e sobre as origens das manifestações cômicas na Península Itálica, bem como sobre a comédia latina e sua inspiração fundamental na comédia nova grega.

Igualmente importante é tratar do autor do nosso corpus, logo, um dos itens deste capítulo se volta para um resumo de sua trajetória, suas características e sua recepção, de acordo com as referências disponíveis.

Segue-se o item que trata da descrição das peças selecionadas para este trabalho. Tendo Plauto composto vinte e uma peças preservadas até o século XXI, um estudo aprofundado de cada uma delas demandaria outro tipo de trabalho, diferente do proposto aqui. Foram selecionadas para servir como exemplificação à exposição, três delas, que apresentam mais exemplos do objeto de pesquisa: Amphitryon, Persa e Mostellaria, cujos argumentos serão apresentados, dada a importância do seu conhecimento.

O capítulo é finalizado com apresentação da trajetória dos textos plautinos da edição crítica que aqui utilizamos. A questão da transmissão textual é tão complexa quanto necessária para qualquer estudo sobre uma língua antiga.

Finalmente, de posse dessas informações, esperamos que elas contribuam para a compreensão dos textos analisados. Afinal, o contexto sócio-histórico, o gênero e o direcionamento do texto são fatores imprescindíveis para um estudo linguístico, principalmente, em uma perspectiva centrada no uso, e têm influência marcante sobre as escolhas feitas pelos usuários da língua.

O quarto e último capítulo traz dados de leituras quantitativas das obras cômicas que compõem o corpus desta pesquisa. Entretanto, esta etapa não é menos importante que as demais, pois fornece informações imprescindíveis para qualquer reflexão aprofundada sobre o tema de estudo.

O primeiro item contém dados quantitativos acerca das ocorrências de verbos estativos nas obras. Apesar de se tratar de uma pesquisa qualitativa, consideramos indispensável o trabalho, em algum momento, com as quantidades de ocorrências, pois informações quantitativas também são de fundamental importância para quaisquer

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reflexões aprofundadas. O conjunto de dados é agrupado em categorias e as categorizações se repetem, porém de acordo com deferentes parametrizações. Cada uma destas gera um modo distinto de agrupar os dados.

À descrição quantitativa dos dados, seguem as análises qualitativas, etapa que consideramos mais importante, pois inclui as principais reflexões e também as conclusões mais marcantes para o estudo do sufixo estativo na morfologia latina. As abordagens sobre esse fenômeno foram divididas em três itens: o primeiro, retomando a história do objeto, discorre sobre aspectos morfológicos, mais formais; o segundo contém os resultados das análises de transitividade, que partem dos parâmetros de Hopper e Thompson (1980), e recebe o apoio de estudos posteriores (ABRAÇADO& KENEDY, 2014; CAVALCANTE, 1997; CORÔA, 2005); os estudos de morfologia histórica e de transitividade levam a um terceiro item, no qual mapeamos as noções semânticas associadas aos diferentes morfemas nas construções com verbos de estado.

Finalmente, esperamos haver chegado a uma descrição coerente dos processos de formação dos verbos estativos, bem como de seus usos. Observamos que os resultados das análises qualitativas dialogam, potencial, porém intensamente, com determinadas descrições de gramáticos antigos como, Donato e Dositeu. Esse diálogo é um dos campos oportunos de pesquisa para estudos vindouros sobre a morfologia verbal do Latim.

Esperamos que este trabalho sirva aos pesquisadores de morfologia e sintaxe verbal latina e que também suscite novas discussões sobre um fenômeno que, apesar de sua substância atômica, tem se mostrado de grande complexidade.

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CAPÍTULO 1 – SITUANDO O OBJETO

Dos itens a serem tratados nesta leitura inicial, considera-se que são bastante importantes aqueles que versam sobre o sistema verbal latino e, principalmente, sobre a relação sufixo-sistema. Tais informações serão retomadas diversas vezes ao longo da pesquisa, o que as torna fundamentalmente importantes para a sua compreensão.

1.1 – O Indoeuropeu, seu sistema verbal e o sufixo *–ē

O interesse da humanidade pelas suas diversas línguas é milenar. Assim também, é frequente o interesse pelo contato e pelas semelhanças e diferenças entre elas, conforme os povos interagem. Na Antiguidade Clássica, primeiro na Grécia e depois em Roma, diversos estudiosos se debruçaram sobre a língua que falavam, bem como sobre as línguas dos povos com quem se relacionavam. Assim, a base da taxionomia gramatical tem origem nas traduções que estudiosos latinos fizeram de termos gregos. Um exemplo trivial desse fato é a terminologia para o caso genitivo (do Latim genetiuus casus), que consiste em uma tradução do grego γενική πτῶσις (―geniké ptósis‖). Outro exemplo é aquele de um gramático latino importante para este estudo, Dositeu, que viveu no século IV d.C., e escreveu uma gramática para ensinar Latim a falantes de Grego.

As línguas não cessaram de ser objeto de estudo e, no início do século XIV, Dante Alighieri, em sua obre intitulada De Vulgari Eloquentia, já observa e compara algumas línguas da Europa, em um aspecto bastante peculiar:

Na verdade, tudo o que resta destes na Europa teve um terceiro idioma, convém agora ser visto como ‗tripartido‘. Pois alguns dizem ‗oc‘, alguns dizem ‗oil‘, algum dizem ‗sì‘ quando afirmam, como por exemplo Espanhóis, Franceses e Latinos. (ALIGHIERI, 1922, p. 20)2

Como podemos ver, ele as identifica segundo o termo que os falantes usam para ―sim‖, fazendo referência, respectivamente, aos idiomas occitano (também chamado languedoc), francês (oïl resultaria no atual ―oui‖) e italiano.

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Totum uero quod in Europa restat ab istis, tertium tenuit ydioma, licet nunc tripharium uideatur. Nam alii “oc”, alii “oïl”, alii “sì” affirmando locuntur, ut puta Yspani, Franci et Latini.

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No século XVI, atribui-se a São Francisco Xavier a levada de textos sânscritos para a Europa, bem como atribui-se aos jesuítas, que haviam partido em missão para a Índia, as primeiras observações de que o Sânscrito possuía inúmeras semelhanças com o Grego e o Latim.

Palavras comparáveis entre as línguas clássicas (Grego o Latim) e o Sânscrito

Inglês Latim Grego Sânscrito

mother father brother sister son daughter dog cow sheep pig house mater pater frater sóror filius filia canis uacca ouis suinus domus metér patér phréter éor huiús thugáter kúon boús óïs hûs dô matár pitár bhrátar svásar sunú duhitár sván gáu ávi sukará dám

Tabela 1: Palavras comparáveis entre as línguas clássicas (Grego o Latim) e o Sânscrito (MALLORY & ADAMS, 2006, p.5)

O século XVIII foi determinante nos estudos linguísticos comparativos. O fato que mais marcou essa época foi o discurso de Sir William Jones, jurista e estudioso britânico, em 1786 para a Sociedade Asiática em Calcutá:

A língua sânscrita, qualquer que seja sua antiguidade, é de uma estrutura maravilhosa; mais perfeita que o Grego, mais rica que o Latim, e mais preciosamente refinada que as duas, ainda mantendo com ambas uma fortíssima unidade, tanto nas raízes dos verbos quanto nas formas da gramática, de modo que poderia possivelmente ser produzida por acidente; é tão forte, na verdade, que nenhum filólogo poderia examinar todas as três, sem acreditar que se originaram de uma fonte comum, que, talvez, não exista mais: há uma razão semelhante, apesar de não ser tão forte, para supor que tanto o Gótico quanto o Celta, apesar de serem misturado com um idioma muito diferente, tenham tido a mesma origem do Sânscrito; e o Persa Antigo poderia ser adicionado à família, se houvesse espaço para discutir qualquer

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questão relativa às antiguidades persas (apud MALLORY & ADAMS, 2006, p.5)3

As observações de Jones despertaram o interesse de muitos lingüistas por essa ―família linguística‖. No início do século XIX, Thomas Young foi o primeiro a propor o nome ―Indoeuropeu‖ para esta família de línguas. Os estudos dos dinamarqueses Rasmus Rask e Franz Bopp solidificaram a proposta de uma unidade linguística primitiva e adicionaram diversas línguas ao conjunto. Ainda no século XX, outras línguas indoeuropeias foram descobertas, notadamente o Tocário (no oeste da China) e as línguas anatólias (na Turquia), cujo maior representante é o Hitita.

O que se convencionou chamar Indoeuropeu é uma unidade linguística artificialmente reconstituída. A partir do século XVIII e ao longo do século XIX, surgiram diversos estudos que mostravam como a maior parte das línguas da Europa, bem como diversas línguas da Ásia Central e da Península Indostânica eram, de algum modo, parentes. As diversas semelhanças entre elas levaram os lingüistas a concluir que houve, outrora, na pré-história, uma única língua, ou mesmo uma unidade linguística, que deu origem a todas as demais.

Após cerca de dois séculos de estudos diacrônicos, essa língua continua fora de alcance, uma vez que não nos legou nenhum documento escrito. O que se sabe dela é fruto de estudos comparativos entre as suas descendentes.

As línguas herdeiras do Indoeuropeu mantêm, com relativa proximidade, características básicas primordiais de seu sistema verbal ancestral. Essa afirmação é ratificada por diversos traços, tais como a flexão modo-temporal, a flexão número-pessoal, a flexão de voz e a alternância temática aspectual (mesmo que em nível meramente morfofonêmico).

Mesmo assim, ―o sistema do verbo indoeuropeu era extremamente complexo. Todas as línguas simplificaram-no no decorrer de seu desenvolvimento particular, e cada uma de sua maneira.‖ (MEILLET, 1949, p.173)4

. Esse fato mostra a complexidade de um idioma falado em épocas pré-históricas, que veio sendo falado por milênios

3

The Sanskrit language, whatever be its antiquity, is of a wonderful structure; more perfect than the Greek, more copious than the Latin, and more exquisitely refined than either, yet bearing to both of them a stronger unity, both in the roots of the verbs and in the forms of grammar, than could possibly have been produced by accident; so strong indeed, that no philologer could examine them all three, without believing them to have sprung from some common source, which, perhaps, no longer exists: there is a similar reason, though not quite so forcible, for supposing that both the Gothic and the Celtic, though blended with a very different idiom, had the same origin with Sanskrit; and the old Persian might be added to the same family, if this were the place for discussing any question concerning the antiquities of Persia.

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Le système du verbe indo-européen était extrêmement complexe. Toutes les langues l’ont simplifié au cours de leur développement particulier, et chacune à sa manière.

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incontáveis e sujeito aos processos de variação, mudança e persistência inerentes às línguas naturais (cf. MARTELOTTA, 2011, p.27; CUNHA, OLIVEIRA & MARTELOTTA, 2003, p.73). Assim, em relação às línguas primitivas de um modo geral, ―Os paleolinguistas não buscam mais descobrir uma quimérica ‗primeira língua‘, mas sim tentam entender a complexidade da multidão de línguas que já existiram‖ (FISCHER, 2009, p.78).

Entretanto, como se faz necessário delimitar um foco neste item, a unidade linguística indoeuropeia será considerada como uma língua, e as reflexões sobre seu passado mais remoto não serão retomadas, apesar de serem interessantíssimas aos estudos lingüísticos. Assim, passemos à descrição de seu sistema verbal.

O verbo indoeuropeu era baseado em um tema, que poderia ser primitivo ou derivado, e já possuía diversos processos de composição de novos temas verbais. A esse tema se acrescentavam desinências sufixais, que exprimiam noções de tempo (passado ou presente, não havia futuro); modo (indicativo, subjuntivo, optativo e imperativo); número (singular, dual e plural); pessoa (primeira, segunda e terceira) e voz (ativa ou média, não havia passiva). Esse comportamento morfológico, de modo geral, não é tão diferente daquele dos sistemas verbais de suas línguas herdeiras. A principal diferença está, não nas desinências, mas nos temas verbais.

Cada tema possuía o valor principal do sistema verbal – o aspecto. Dubois et al. (2006, p. 73) definem-no como ―uma categoria gramatical que exprime a representação que o falante faz do processo expresso pelo verbo [...], i. e., a representação de sua duração, do seu desenvolvimento ou do seu acabamento...‖ e Trask (2006, p. 40) define-o cdefine-omdefine-o ―categdefine-oria gramática que representa distinções na estrutura tempdefine-oral ddefine-o eventdefine-o‖. Segundo Monteil (1974, p.264), o aspecto é uma referência ao próprio processo que envolve a ação verbal. Voltando a Dubois et al. (op. cit.), o aspecto situa o processo em relação à enunciação e o tempo o faz em relação ao enunciado. Desse modo, sob tal viés semântico, tempo e aspecto podem coexistir em uma língua. No Indoeuropeu, os dois coexistiam também morfologicamente: o aspecto era expresso pelos radicais (temas) verbais e o tempo o era por meio de morfemas flexionais(chamados desinências ou sufixos temporais).

Podemos exemplificar muito dessa característica no sistema verbal do Latim, idioma objeto deste estudo. Tomando um verbo como cano, -is, -ere, cecini, cantum (cantar), podemos ver que tanto a forma cano (presente) quanto a forma cecini (perfeito) não possuem sufixo temporal, o que leva a concluir que a primeira é o presente do

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infectum e a segunda é o presente do perfectum (cf. p.21 para a descrição do sistema verbal latino).

O aspecto é o mais importante traço verbal. A partir de cada tema, construíam-se as flexões relativas às demais categorias verbais, já mencionadas. Esses temas possuíam relativa independência entre si, isto é, cada aspecto possuía seus próprios processos de composição de temas.

O Latim novamente fornece exemplos dessa flexão: a forma de presente (cano) dá origem às formas de futuro imperfeito e pretérito imperfeito (canam e canebam) e a forma de perfeito dá origem ao futuro perfeito e ao pretérito mais que perfeito (cecinero e cecinaram).

Para explicar melhor essa característica, é oportuno olhar com atenção para cada um dos aspectos indoeuropeus:

1º Um aspecto dinâmico e progressivo, correspondente ao tema chamado ‗presente‘, caracterizado no ativo por um vocalismo pleno radical de timbre ĕ, e por desinências primárias; 2º um aspecto estático e atingido, correspondente ao tema chamado ‗perfeito‘ caracterizado originalmente por um vocalismo radical pleno de timbre ŏ e uma série específica de desinências. Um redobro não-obrigatório se unia muito frequentemente a essas características; 3º enfim, um aspecto ‗zero‘, nem dinâmico nem estático, nem progressivo nem alcançado, correspondente a um tema chamado ‗aoristo, caracterizado pelo vocalismo radical reduzido e completado por desinências secundárias. (MONTEL, op. cit., p. 267)5

Esses três aspectos indoeuropeus se mantiveram na língua grega. Observe-se, no verbo a seguir, como o radical verbal varia de acordo com o aspecto, tal como explicado acima; a vogal base do radical (vocalismo) varia da mesma forma, e cada um deles tem suas próprias desinências (o presente tem desinências primárias6, o perfeito tem uma série de desinências específicas e o aoristo tem desinências secundárias). O radical do verbo está em negrito e o vocalismo está sublinhado. É importante lembrar também que, em

5 1º Um aspect dynamique et progressif, correspondant au thème dit “present”, caracterisé à l’actif par un vocalisme plein radical de timbre ĕ, et des desinences primaires; 2º un aspect statique et achevé, correspondant au theme dit “parfait”, caracterisé anciènnement par un vocalisme plein radical de timbre ŏ, et une série specifique de désinences. Un redoublement, non-obligatoire, s’ajoutait très frequemment a ces charactéristiques;3º enfin, un aspect “zero”, ni dynamique ni statique, ni progressif ni achevé, correspondant au theme dit “aoriste”, caracterisé par le vocalisme radical réduit et affublé des desinences secondaires.

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Os tempos primários são o presente e o perfeito. Eles recebem desinências primárias e dão origem aos demais tempo, que são chamados secundários e que, portanto, recebem desinências secundárias.

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Grego, os tempos pretéritos secundários, isto é, aqueles formados a partir de outros tempos primitivos recebem um aumento prefixal em ε(ĕ) – chamado ―aumento verbal‖. Curiosamente, o aoristo, traduzido usualmente por um passado, também recebe esse aumento, apesar de não figurar entre os tempos secundários. Vejamos o verbo:

πείθω (peitho) eu persuado (presente) πέποιθα (pépoitha) eu persuadi (perfeito) ἔπιθον (épithon) eu persuadi (aoristo)

O verbo grego tomado como exemplo mostra com clareza uma reminiscência do padrão flexional básico de temas aspectuais indoeuropeus. E é básico porque existem outros processos, quase todos operados por variações morfológicas, que servem para formar temas de presente, de perfeito e de aoristo, entre os quais destacam-se uma formação com a adição de um s (que se tornou a mais produtiva em Grego, de modo que o próprio verbo tomado como exemplo possui um aoristo ἔπεισα– épeisa, é o chamado aoristo sigmático), e também aquela sobre a qual este texto se debruça: com a adição de um –ē, para formar aoristos passivos.

Quanto ao valor aspectual dessas variações, talvez seja fácil distinguir o presente dos outros dois aspectos, o que não se aplicaria à distinção do perfeito e do aoristo. Designando o perfeito uma ação concluída, estática, ele se diferencia do aoristo por este, no modo indicativo, designar apenas um passado, sem a noção de acabamento.

Do mesmo modo, a questão do aspecto será abordada, especificamente no Latim, em momento oportuno.

O item a ser abordado aqui é o sufixo *–ē. No nível mais concreto, esse morfema é originado de um ditongo –eH1 indoeuropeu7 (cf. MONTEIL, 1974, p. 292),

que no seu vocalismo pleno8 se altera, na passagem ao latim, para um ē. A noção desse processo mostra o quão antigo é esse sufixo nas línguas indoeuropeias. Em grego, a evolução fonética também resultou em η (ē).

7

O fonema H1 faz parte de uma séria de sons, chamados ‘soantes laringais’ – H1, H2 e H3, segundo a proposta aqui utilizada. Essas soantes não se conservaram em quase todas as línguas indoeuropeias (o grupo Anatólio é a única exceção).

8 O Indoeuropeu não possui ‘vogais’, mas sim um ‘vocalismo’, que consiste em um timbre alternante ĕ/ŏ/ø. Esse vocalismo era a base das raízes indoeuropeias, que são, originalmente, monossilábicas, e também se manifestam nos diversos morfemas dessa língua. Assim, o referido ditongo podia se manifestar de três formas: eH1, oH1 e H1. Os fonemas referentes a I, U e A são de origem sonântica.

(23)

O sufixo –ē era um dos processos de formação de temas de aoristo, ligando-se a uma raiz verbal que, geralmente, aparecia com vocalismo radical reduzido. De acordo com Chantraine (1984, p. 161), os aoristos formados por –ē eram aoristos intransitivos. A associação de um valor estativo a um tema de aoristo se dava, provavelmente, para designar uma ação verbal que ―atingiu determinado estado‖. Daí a ocorrência desse sufixo nos temas de aoristo. É importante notar que ele não ocorria nos outros temas aspectuais.

É válido recorrer novamente à língua grega, pois ela manteve o aoristo, e o sufixo –ē que entrava na sua formação e se sistematizou como sufixo formador de aoristos intransitivos. Daí, na formação da voz passiva9, ele ganhou certa produtividade e se estendeu aos demais aspectos, sendo encontrado, portanto, no Grego Clássico, em outros temas, especialmente no perfeito e no futuro (para um estudo mais aprofundado da trajetória do sufixo –ē no Grego Antigo, ver CHANTRAINE, 1984).

Enfim, o aspecto aoristo suscita, ainda, uma série de reflexões. De acordo com Benveniste (apud MONTEIL, op. cit. p. 265), morfologicamente, o aoristo teria tido uma origem nominal, bem como uma incorporação tardia, em relação aos outros dois – presente e perfeito. Esse pensamento pode explicar a relação entre os verbos estativos latinos e determinados compostos substantivos e adjetivos.

Nossas observações a respeito do verbo indoeuropeu e do sufixo –ē estão longe de explicar a complexidade do sistema. No entanto, devemos destacar que alguns tópicos são de fundamental importância para o estudo do mesmo morfema na língua latina, tais como: as alternâncias aspectuais e a importância do aspecto para a conjugação indoeuropeia; a relação do sufixo com os temas de aoristo. Esse dois tópicos ajudarão a compreender o estado latino do verbo.

O domínio da família indoeuropeia, na antiguidade clássica, se estende por quase todas as regiões da Europa e por diversas áreas da Ásia. Divido, taxionomicamente, em diversos ramos, aquele que nos diz respeito é o grupo itálico, usado por povos habitantes da Península Itálica a partir do final do segundo milênio a.C.. Essa região, era um mosaico de línguas, indoeuropeias ou não, das quais uma era o Latim, idioma falado na região conhecida como Latium (Lácio).

9 A voz passiva, tanto em Grego quanto em Latim, era feita de um modo bastante peculiar: era uma voz passiva desinencial, i. e., desinências número pessoais próprias de voz passiva se ligavam ao verbo. Assim, no Grego, o verbo πείθω tem sua voz passiva em πείθομαι (peithō/ peithomai - persuado/ sou persuadido ou obedeço); no Latim, um verbo capio tem sua voz passiva em capior (capturo/ sou capturado).

(24)

Entre as diversas línguas próximas ao Latim, destam-se o Osco e o Umbro, com uma quantidade considerável de textos epigráficos preservados. São essas as mais próximas ao Latim.

1.2 O sistema verbal do Latim e o sufixo –ē

A principal mudança que o verbo latino mostra em relação ao seu antepassado é a questão da oposição aspectual. A língua latina possui uma oposição fundamental entre um presente e um perfeito (infectum e perfectum, respectivamente). Não há aoristo, ele apenas deixou vestígios morfológicos em alguns temas de perfectum, chamados perfeitos aorísticos (cf. ERNOUT, 2002, p. 197; FARIA, 1958, p. 235). Também no Latim, a categoria de tempo ganha maior importância até à criação do tempo futuro. Sobre tal categoria, é possível que o Latim se situe em um momento de transição da categoria principal da flexão verbal, entre o aspecto e o tempo.

Na língua portuguesa, os temas verbais perdem seu caráter aspectual, deixando vestígios morfológicos improdutivos de temas aspectuais (nos verbos ditos irregulares). Ao observarmos o verbo português ―fazer‖, classificado por Bechara (2009, p. 187) como irregular forte, por mudar o seu radical no pretérito perfeito, veremos que essa alteração, no Latim, nada possuía de irregular: o verbo facio possuía um perfeito em feci (formado por alternância vocálica, comum no Latim) que dava origem às formas dos tempos perfeitos (fecero, feceram, fecerim, fecissem), repectivamente futuro perfeito e mais-que-perfeito do indicativo, pretérito perfeito e mais-que-perfeito do subjuntivo.

Quanto à categorização dos verbos latinos, é importante lembrar que a nossa língua portuguesa tem, tradicionalmente, seus verbos divididos em categorias chamadas ―conjugações‖ (primeira, segunda e terceira), de acordo com a vogal temática pré-desinencial que se mostra clara nos infinitivos. No Latim, o critério de categorização dos verbos pelas gramáticas é o mesmo, de modo que a conjugação dos verbos latinos se apresenta dividida de acordo com o seguinte arranjo didático:

1ª conjugação, formada pela vogal temática –ā, como amo, –as, –āre, –āui, –ātum 2ª conjugação, formada pela vogal temática –ē, como habeo, –es, –ēre, –ui, –itum 3ª conjugação, formada pela vogal temática –ĕ, como facio, –is, –ĕre, feci, factum 4ª conjugação, formada pela vogal temática –ī, como seruio, –is, –īre, –īui, –ītum (amar, ter, fazer e servir, respectivamente)

(25)

Há ainda um grupo de verbos nos quais as desinências se ligam diretamente ao radical, sem a presença de uma vogal temática, sendo assim chamados de atemáticos (e, impropriamente, de irregulares). São colocados à parte do arranjo das quatro conjugações. É um grupo reduzido, mas de verbos bastante importantes para a Língua Latina:

sum, es, esse, fui, (ser)

fero, fers, ferre, tuli, latum (levar, trazer) uolo, uis, uelle, uolui, (querer)

Note-se ainda, que cada verbo pode dar origem a diversos compostos, que se flexionarão do mesmo modo. Assim, sum dá origem a possum (poder) e uolo dá origem a nolo e malo (não querer, preferir)

É importante lembrar que a notação do verbo em Latim é diferente daquela feita em Português. Os verbos latinos, segundo os dicionários utilizados nesta pesquisa, são encabeçados pela forma de P1 do presente ativo do indicativo, seguida por P2 do mesmo tempo, modo e voz. A terceira forma apresentada é aquela de infinitivo, que mostra a vogal temática usada na separação dos grupos; a quarta forma é a do chamado perfectum, que é o tema que será usado como base de todos os tempos perfeitos (em oposição aos tempos imperfectivos). Essa forma levanta questões e merece estudos próprios, uma vez que, quando existe, frequentemente não apresenta a mesma vogal pré-desinencial do infectum (tema dos tempos imperfectivos).

A quinta forma apresentada é a do chamado supino, que dá origem ao particípio perfeito dos verbos latinos.

Esses quatro grupos são resultados de uma complexa série de processos de formação (talvez uma ―feliz coincidência‖) que fez com que aquelas quatro vogais estivessem ligadas entre a raiz e as desinências.

As limitações desse arranjo já eram notadas por Ernesto Faria em 1958:

Resta-nos agora apenas tratar da divisão clássica dos verbos latinos em quatro conjugações. Aliás, esta divisão é inteiramente falha, não só por não se poder aplicar em geral às formas do perfectum, como também, mesmo no que diz respeito ao infectum, por reunir verbos com características diversas. (p.240)

(26)

É compreensível que o arranjo em quatro conjugações seja favorável aos alunos que começam a o aprendizado do Latim. No entanto, para estudos mais aprofundados, é interessante levar em conta os processos de formação dos temas aspectuais. Assim como essa necessidade já é de conhecimento dos gramáticos, muitos deles já se debruçaram sobre esses processos (cf. ERNOUT 2002; ERNOUT & THOMAS, 2002; MEILLET, 1948). Como o objeto desta pesquisa é um desses processos, eles serão explanados, de forma resumida, a seguir, com base na descrição de Pierre Monteil (1974).

Em primeiro lugar, deve-se lembrar que, os processos de formação dos temas aspectuais indoeuropeus tinham certa independência uns dos outros (ver p. 8). Tal independência de processos se mantém na maioria das formações latinas. Levando em conta essa independência, é necessário distinguir os processos de formação de temas de infectum e os de perfectum. Esses processos formam temas aspectuais, ou seja, as bases morfológicas que serão utilizadas na flexão dos diversos tempos e modos verbais. É importante, no entanto, assinalar o fato de que o Latim possui, também, diversos processos sincrônicos de derivação sufixal, formadores de verbos.

Primeiramente, eis os processos de formação de temas de perfectum. Começamos por ele, uma vez que o seguinte (infectum) terá uma continuidade na descrição do sufixo de estado.

a) No Indoeuropeu, a principal e mais primitiva marca de aspecto era o vocalismo do radical (ver p. 3). Essa marca continua no Latim, apesar de obscurecida pelas mudanças fonéticas. Tais formações são chamadas ―formações radicais‖, que comportam tanto verbos temáticos quanto verbos atemáticos10. Entre os temas de perfectum, figuram também aqueles de verbos com um ―redobro de perfectum‖ (que consiste na repetição da primeira sílaba do radical), tais como tetigi, de tango (tocar) e pupugi, de pungo (pungir).

b) Entre as formações sufixais, existem os chamados ―perfeitos sigmáticos‖ (da letra grega sigma Σ correspondente ao S em Latim), que recebem um sufixo –s, tais como lexi, de lego (ler). Figuram também nas formações sufixais, aqueles temas formados por um sufixo –u, como amaui, de amo (amar); note-se que a formação em –u

10

Essa definição de vogal temática se refere a fatos mais antigos: na conjugação indoeuropeia, havia certos verbos que possuíam uma espécie de “vogal de ligação” entre o radical e as desinências. Essa vogal alternava seu timbre conforme o fonema seguinte. No Latim, são pouquíssimos (porém de uso bastante freqüente) os verbos que mantém esse tipo de flexão: sum (ser); uolo (querer); fero (portar)

(27)

se sistematizou como formadora de perfeitos no Latim Vulgar e nas línguas neolatinas (cf. VÄÄNÄNEN, 1967, p. 151).

c) É importante notar, ainda, que o perfectum latino absorveu a maior parte de temas de aoristo indoeuropeu, e, em muitos casos, a forma aorística suplantou a forma perfectiva. Alguns exemplos são cepi, de capio (capturar) e feci, de facio (fazer). É o perfeito latino com alongamento.

Processos de formação de temas de infectum:

a) O grupo de formações radicais inclui alguns exemplos de verbos que também levam um redobro verbal. Esse redobro, no caso, consiste na repetição da consoante explosiva da raiz seguida do timbre vocalizado i. Alguns exemplos desses verbos são sum (ser); uolo (querer); fero (portar), como exemplos de formações radicais sem redobro; sido< *si-sd-o (sentar-se); sisto< *si-sta-o (parar, manter-se), como exemplo de formação radical com redobro.

b) Existe um grupo de verbos formados por ―aumentos‖, que consistem em elementos monolíteres, os quais adicionam traços semânticos sutis. Dentre eles, destacam-se: a) um infixo nasal, que indica uma nuance determinada, isto é, um processo orientado a uma realização total e precisa, como tango (tocar); b) aumentos dentais, que apontam para uma relação com presentes de valor ―determinado‖, como fendo (fender) e claudo (fechar); um aumento s, que possuía valor desiderativo, como quaeso (buscar, por efeito de rotacismo, apresenta a forma alternante quaero).

c) Existem também infecta (plural de infectum) formados por sufixos, de valor mais claro e contundente: a) um sufixo *–sk-e/o, de valor iterativo/incoativo, como floresco (florescer); b) um sufixo *–eye/o, de valor factitivo, como moneo (fazer pensar); um sufixo *–y-(e/o), chamado denominativo, que servia para formar temas novos a partir de temas antigos, como curo (cuidar, feito a partir do substantivo cura<*curayo). Finalmente, há também o sufixo de estado –ē.

Dentre os vários tipos de derivação sufixal formadora de verbos em Latim, destacamos os verbos estativos, formados pelo sufixo –ē, pertencentes à segunda conjugação. São verbos do tipo areo, caleo, frigeo (estar seco, estar quente, estar frio).

Esses verbos são prototipicamente intransitivos, aliás, o são desde o indoeuropeu (cf. CHANTRAINE, 1984, p.161). Por essa razão, o morfema estativo parece estar diretamente relacionado à intransitividade verbal. Contudo, o Latim apresenta alguns usos transitivos desses verbos, especialmente com um restrito grupo de verbos, cujos principais representantes são habeo e teneo (em sua origem, significam ‗estar contido‘),

(28)

que não só perderam gradativamente seu uso estativo intransitivo original, como também passaram por processos bastante peculiares de mudança, desde a formação do Latim até as suas descendentes.

O sufixo estativo –ē aparece no Latim apenas nos temas de infectum, o que, por um lado, morfologicamente, constitui uma grande inovação (cf. MONTEIL, 1974, p. 293), uma vez que esse morfema era usado para formar temas de aoristo. No entanto, semanticamente, o seu uso nos tempos de infectum se configura como a permanência de uma ideia de prolongamento do referido estado no tempo.

Tardiamente, a partir do Latim Vulgar, muitos verbos formados pelo sufixo –ē, devido a alterações fonéticas, acabam por se confundir com verbos de outros paradigmas (em geral –ĕre e īre). Por outro lado, a composição do sufixo estativo com o sufixo incoativo –sc apresentou certa produtividade, como os pares floreo/floresco; doleo/dolesco (estar florido/florescer; estar doendo/começar a doer) (cf. VÄÄNÄNEN, 1967, p. 144-5).

Passemos agora à observação de alguns exemplos de uso dos verbos estativos nos textos arcaicos latinos, que compõem o corpus desta pesquisa:

(1)

- ...madeo metu. (Mostellaria, v. 395) -... estou molhado de medo

(2)

-SOS. Haeret haec res, si quidem haec iam mulier facta est ex viro. (Amphitryon, v. 814)

- Essa coisa está fixada, se acaso esta mulher já foi feita a partir do homem

Os dois primeiros exemplos mostram usos que, com base apenas nas gramáticas de Latim, podem ser considerados bastante prototípicos dos verbos de estado, de acordo com o esquema que este trabalho estabelece como prototípico (que será explicado no capítulo seguinte). Segundo análise já empreendida sobre essas amostras mais prototípicas (BARBOSA, 2014), observou-se que tais sentenças apresentam baixíssima transitividade (de acordo com os parâmetros de Hopper & Thompson, 1980).

(29)

São orações com apenas um participante, não têm cinese nem pontualidade, seus sujeitos não são agentes e não possuem intenção sobre o verbo, e o aspecto das orações é imperfectivo. Todos esses fatores apontam para a intransitividade verbal.

(3)

- At te Iuppiter /Dique omnes perdant! <Fufae!>Oboluisti alium (Mostellaria, v.39) - Mas que Júpiter e todos os deuses te destruam! <Ugh!>Fedeste a alho!

O exemplo 3 mostra um uso mais afastado do protótipo. Ela já apresenta dois participantes: um sujeito e um complemento. Seria possível, talvez, inferir que, esse complemento é dotado de uma ideia circunstancial de comparação, e que não se configurasse como sofredor da transferência de ação. Formalmente, no entanto, é um complemento do verbo, em acusativo. Outra diferença marcante é o fato de o verbo estar no aspecto perfectivo, o que confere maior transitividade à oração, no entanto, essa mudança aspectual não inclui o sufixo –ē na formação do perfeito (v. p. 18).

(4)

- nam muliones mulos clitellarios

habent, at ego habeo homines clitellarios. (Mostellaria, v. 781)

- Pois os arrieiros têm machos de carga, mas eu tenho homens de carga

O quarto exemplo é bastante afastado do protótipo, pois não apenas tem um objeto, mas também tem um sujeito intencional e agentivo, além de cinese e pontualidade. Como já foi dito, os verbos habeo e teneo têm trajetórias bastante peculiares. Os textos arcaicos mostram usos muito distantes do protótipo de verbo de estado. Incluem amostras que se aproximam até mesmo dos usos como auxiliar:

(5)

- Satis iam dictum habeo. (Persa, v. 214) - Já tenho dito o suficiente

A oração 5, por si só, suscitaria muitas questões. Formalmente, o verbo tem um complemento, contudo o sintagma formado por esses dois elementos se assemelha

(30)

bastante a uma locução verbal de tempo passado; essa possibilidade é reforçada pela origem verbal do complemento – um particípio. No entanto, aqui, é mais adequado observar apenas como essa construção se afasta do uso prototípico.

Esses foram alguns exemplos de verbos estativos em textos arcaicos. Certamente, um levantamento das ocorrências e uma descrição mais apurada terão um espaço próprio, nos capítulos seguintes, após a definição do aparato teórico e dos procedimentos metodológicos das análises.

1.3 – Dúvidas e questões relativas aos verbos estativos

Após estas observações sobre o sufixo estativo –ē, a primeira dúvida que surge é como classificar a mudança que ocorre entre o estado indoeuropeu e o estado latino? No Indoeuropeu, tal morfema se configurava como um sufixo flexional, mas, em Latim, ao que tudo indica, tornou-se um sufixo derivacional, isto é, formador de novos verbos.

Não seria apropriado tratar esses dois estados e possíveis categorizações de forma binária e oposta. Mais interessante seria colocar o objeto em um continuum derivação-flexão. No presente trabalho, esse continuum é ratificado pela independência dos temas aspectuais indoeurpeus. Por essa característica, não há segurança para se dizer que um único verbo possui diferentes aspectos11. Assim, a questão passa a ser: como localizar o objeto no continuum? Resposta: observar as marcas que o direcionam para um lado ou para outro.

Talvez seja até mesmo impossível analisar uma mudança envolvendo o sufixo estativo, mas, seguramente, há uma diferença entre esse morfema no Latim e nas línguas neolatinas. Na língua portuguesa, por exemplo, se alguns verbos ainda mantêm o valor de estado (como doer) este não se dá mais por causa de sua vogal temática, e sim pelo tema verbal como um todo. A partir de um momento e durante um certo tempo, os falantes do Latim (ou talvez já de suas herdeiras) foram deixando de analisar esse morfema como um sufixo formador de verbos, e ele passou a figurar como mero morfofonema utilizado para agrupar os verbos semelhantes.

11

O Latim manteve, em alguns verbos, essa clareza da independência dos temas. O melhor exemplo talvez seja o verbo sum, es, esse, fui (ser), cujos temas de infectum e perfectum (es- e fu-, respectivamente) tem origens totalmente distintas, como se fossem dois verbos diferentes, que se fundiram na passagem ao Latim. Outros exemplos dessa independência são os inúmeros verbos que não têm perfectum, como tumeo (estar inchado) e alguns outros que, em oposição, não possuem perfectum, como memini (lembrar-se).

(31)

Essa reflexão nos leva à próxima questão: definir o lugar da categorização de ―vogal temática‖ na conjugação verbal latina. Existem duas categorias chamadas de ―vogal temática‖: uma que se aplica a fatos mais antigos (vocalismo pleno das desinências número-pessoais) e outra que se aplica a fatos mais novos (vogal pré-desinencial). No entanto, esta última parece ser pouco precisa, pois designa, na verdade sufixos diversos, com seus valores semânticos claros e com influências morfossintáticas em toda a sentença. Assim, é necessário que os estudos sobre a língua latina levem em consideração a complexidade desses simples morfemas, quando da conjugação verbal.

Essas duas questões se desdobram nos objetivos, que terão, mais adiante, seu espaço. Elas também serão amparadas pelo arcabouço teórico da Linguística Centrada no Uso, que será descrito nos capítulos seguintes. Este trabalho não tem a pretensão de responder a essas questões, mas contribuir para as reflexões vindouras acerca da língua latina.

1.4 Resumo do capítulo

Este capítulo foi iniciado com uma reflexão sobre as origens mais remotas da língua indoeuropeia, ponto de partida para as presentes observações. Em seguida, o primeiro item descreveu o sistema verbal indoeuropeu, com especial atenção para as variações aspectuais. Devemos lembrar que a importância do aspecto para esse sistema é de grande valia para a compreensão neste estudo.

Em seguida, o segundo item fez uma descrição do sistema verbal do Latim, com foco nos processos de formação dos temas aspectuais. Um desses processos é a sufixação com o sufixo estativo –ē. O item versou sobre o funcionamento desse morfema no sistema verbal latino e apresentou alguns exemplos, retirados do corpus. É importante lembrar sua presença apenas nos temas de infectum e características das sentenças construídas com os verbos estativos.

O terceiro item expôs as duas principais questões que motivaram esta investigação. Tais questões, bem como diversos outros assuntos deste capítulo, serão imprescindíveis para o desenvolvimento deste texto. Enfim, o próximo capítulo é uma preparação para as análises.

(32)

CAPÍTULO 2 – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS:

A importância de uma descrição dos pressupostos teóricos vai muito além da formalidade de um trabalho acadêmico. A teoria é como uma lente, através da qual o estudioso enxerga seu objeto, ou, mais apropriadamente, é uma linguagem pela qual ele se comunica. No entanto, o estudo da linguagem verbal humana tem uma propriedade peculiar, a de conceber seu próprio objeto, já que a língua é o fim e o meio do processo científico, isto é ―dir-se-ia que é o ponto de vista que cria o objeto‖ (SAUSSURE, 1955, p. 23)12 Assim, apresentaremos aqui também as concepções que assumimos sobre os fenômenos que estudamos.

2.1- A visão saussureana da Linguagem e a Linguística Funcional

Este estudo se insere na corrente teórica funcionalista. Para descrevê-la, é oportuno voltar aos pressupostos básicos de Saussrue, pois eles fundaram o que hoje concebemos como a ciência Linguística, integrada por uma série de correntes chamadas formalistas, às quais as funcionalistas, muito frequentemente, sobretudo na origem, procuraram se opor.

Em seu Curso de Linguística Geral, o professor genebrino logo busca a definição fundamental do objeto de sua ciência. Assim, ele estabelece a primeira de suas clássicas ―Dicotomias Saussureanas‖: Língua e Fala. Em seguida, estabelece que o objeto da Linguística é a língua, não a fala. Entre diversas razões, isso se dá também porque a fala é um ato individual, relativo a cada falante, enquanto a língua é o sistema subjacente aos processos comunicativos, comum a todos os falantes de um idioma.

Embora seis décadas separem Saussure da Linguística Funcional, do ponto de vista teórico, suas concepções básicas se distinguem. Para a esta, o sistema da língua pode ser diferenciado da materialidade de sua manifestação, porém eles não podem ser estudados separadamente, como supunha Saussure (1955, p.31). O Funcionalismo concebe seu objeto como a língua em uso, logo as propriedades formais não podem ser isoladas daquelas contextuais. Assim é porque elas se relacionam intimamente e

12

(33)

dependem uma da outra para que os falantes se comuniquem. Aliás, nessa perspectiva a língua é vista como meio e resultado das interações sociais. Assim, cada indivíduo usa a gramática da língua segundo motivações pragmáticas e de modo a satisfazer seus propósitos comunicativos. Essa razão explica por que são indissociáveis os estudos da gramática e os do discurso. Aliás, necessário se faz definir discurso e gramática, segundo a nossa perspectiva:

Assim, o primeiro termo [discurso] passa a se referir às estratégias criativas dos usuários na organização de sua produção linguística, aos modos individuais com que cada membro da comunidade elabora suas formas de expressão verbal. Por outro lado, o termo gramática é concebido como o conjunto das regularidades linguísticas, como o modo ritualizado ou comunitáriodo uso; se ao discurso cabe a liberdade e a autonomia de expressão, à gramática compete a sistematização e a regularização.(OLIVEIRA & VOTRE in VOTRE, 2012, p.158)

Em capítulos subsequentes, veremos diversos exemplos em se pode observar com clareza como motivações externas ao sistema linguístico fazem o usuário moldar a gramática de que dispõe.

2.2- Linguística Centrada no Uso

Nas últimas décadas de sua trajetória, a Linguística Funcional tem estabelecido uma série de diálogos com outra corrente – a Linguística Cognitiva. Esta

...vê o comportamento linguístico como reflexo de capacidades cognitivas que dizem respeito aos princípios de categorização, à organização conceptual, aos aspectos ligados ao pensamento linguístico e, sobretudo, à experiência humana no contexto de suas atividades individuais, sociointeracionais e culturais. (FURTADO DA CUNHA, BISPO, SILVA in CEZARIO & FURTADO DA CUNHA, 2013, p. 14)

Uma das principais razões para o êxito dos diálogos entre funcionalistas e cognitivistas é o compartilhamento de vários pressupostos teórico-metodológicos. Dentre eles, destacamos aqui a estreita relação entre a estrutura das línguas e o uso que os falantes dela fazem nas situações de comunicação, fator que leva à concepção de que os dados linguísticos são aqueles que ocorrem em situações reais de uso. Uma vez que a gramática é vista como fruto das experiências dos indivíduos, ela pode ser moldada pelo uso linguístico.

(34)

O termo ―usage-based‖ (baseado no uso) foi introduzido pelo cognitivista Ronald Langacker em 1987, apesar de ter havido muitos modelos baseados no uso (cf. BARLOW & KEMMER, 2006, p.1). Esse termo foi utilizado para designar a corrente funcionalista enriquecida do contato com o Cognitivismo, resultando assim na Linguística Funcional Centrada no Uso.

É importante ter em mente que, segundo uma visão funcionalista da linguagem, é sempre preferível que a pesquisa linguística tenha como objeto manifestações concretas, em situações reais de uso. Com isso, o estudo de uma língua antiga poderia ter um problema em relação à seleção de corpus, mas não tem. Assim ocorre porque o Latim não deixou de ser falado, tendo se modificado e dado origem a diversas línguas neolatinas, e também porque a língua antiga possui um acervo de textos da época passada, capazes de transmitir importantes valores, pensamentos e características gerais da sociedade da época. Portanto, o texto escrito constitui-se como corpus de pesquisa da língua antiga, pois é, tanto quanto o texto falado, língua em uso.

2.3- Gramática de Construções

O termo ―construção‖ tem tido uma frequência bastante alta nos estudos linguísticos. Na sua mais antiga (e talvez mais freqüente) acepção, designa meramente um aglomerado sintático ou um sintagma oracional. Seria, portanto, um epifenômeno, causado pela simples interação sintática.

Eis que, no entanto, observações de diversos estudiosos mostravam que um padrão de organização sintática possuía implicações diretas sobre a semântica de uma frase. Assim, as construções não seriam um mero epifenômeno, pois, frequentemente, a semântica de uma construção não é apenas a soma de seus constituintes. Com essas observações, chegou-se a uma definição cognitivista para ―construção‖:

C é uma construção se e somente se C é um par forma-sentido <F, S,> de modo que algum aspecto de F, ou algum aspecto de S, não é rigidamente previsível das partes que compõem C ou de outras construções previamente estabelecias. (GOLDBERG, 1995, p.4)13

13

C is a construction iffdet, C is a form-meaning pair <F, S,> such that some aspect of F, or

some aspect of S, is not strictly predictable from C’s component parts or from other previously established constructions.

(35)

Desde então, várias ―gramáticas de construções‖ foram desenvolvidas. Viemos aqui, neste capítulo, apresentar outra, aquela que será a principal para este estudo. Não descreveremos com mais detalhes a visão de Goldberg sobre as construções. No entanto, a principal diferença (entre inúmeras semelhanças) entre esta e a de Traugott e Trousdale (2013) é que a primeira tem seu foco sobre construções complexas, como sintagmas, orações e até períodos; já a segunda inclui em sua abrangência as construções atômicas, que não podem ser decompostas em partes conteudísticas (cf. p. 33), que podem ser morfemas.

Uma vez que o objeto de estudo aqui é um sufixo, a visão de Traugott e Trousdale, que utilizamos, se mostra mais adequada à pesquisa, mas isso, em hipótese alguma, desqualifica as demais. É oportuno observar também que a presente definição de construção tem uma ligeira diferença das demais, é mais simples. A construção é definida simplesmente como pareamento convencionalizado de forma e função ―[[F] ↔ [M]]‖ (TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p.8).

De modo geral, as abordagens construcionais além da de Traugott & Trousdale (2013) também concebem a construção como um pareamento convencional de forma e sentido, e a construção é a unidade básica da língua. Numa abordagem centrada no uso, as línguas são uma rede de nós e ligações entre esses nós. Outro ponto em comum é que a estrutura da língua é moldada pelo uso e, portanto, a mudança é mudança em uso, pois este instancia e convencionaliza as inovações que emergem na língua.

A assunção de uma relação de interdependência entre forma e sentido significa uma relação entre propriedades da função – Semântica, Pragmática e Discurso – e propriedades da forma – Fonologia, Morfologia, Sintaxe. Uma alteração em uma das propriedades da forma ou da função pode causar mudanças apenas nas outras do mesmo eixo, o que será chamado ―mudança construcional‖ ou em ambos, criando um novo pareamento de forma e sentido, uma nova construção, o que será chamado ―construcionalização‖(cf. TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p.1).

O pareamento de forma e função pode ser concebido em diversas dimensões. Traugott e Trousdale (2013) o concebem de acordo com três dimensões: tamanho, especificidade fonológica e conceito. O tamanho varia entre atômico e complexo, de modo que a construção atômica é a que não pode ser decomposta e a construção complexa pode ser decomposta em elementos analisáveis; já a especificidade fonológica varia entre substantiva e esquemática, de modo que a construção substantiva é composta

(36)

em sua totalidade por itens fonologicamente salientes, enquanto que a construção esquemática é uma abstração em um esquema; e o conceito varia entre conteudístico e procedural, de modo que

Material ―conteudístico‖ pode ser usado referencialmente; na dimensão formal, é associado com categorias esquemáticas, substantivo, verbo e adjetivo. Material ―procedural‖ tem significado abstrato que sinliza relações linguísticas, perspectivas se orientações dêiticas […]. (TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p. 12)14

Tamanho Atômica Complexa Intermediária

red, -s pull strings, on top of bonfire Especificidade Substantiva Esquemática Intermediária

dropout, -dom N, SAI V-ment Conceito Conteudístico Procedural Intermediária

red, N -s, SAI way-construction QUADRO 1: Dimensões das construções

(TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p. 13)

Os autores discutem ainda três fatores relacionados às construções: a) esquematicidade é a propriedade de abstração de uma construção em esquemas, ou seja, em generalizações taxionômicas (por exemplo, S-V-O seria um esquema de oração transitiva); b) produtividade é a possibilidade de novos construtos serem produzidos com base em um mesmo esquema; c) composicionalidade é a nitidez da separação das partes que compõem um todo.

As construções e seus esquemas possuem desdobramentos em um nível hierárquico inferior. Um esquema pode abrigar diferentes subesquemas e uma construção pode abrigar mesocontruções e microconstruções.

Quadro 2: Hierarquia construcional:

14 ‘Contentful’ material can be used referentially; on the formal dimension it is associated with the schematic categories N, V, and ADJ. ‘Procedural’ material has abstract meaning that signals linguistic relations, perspectives and deictic orientation

(37)

Concretamente, a manifestação de cada construção em amostras reais de uso é chamada de construto.

Entre os tópicos importantes para este trabalho, concernentes aos mecanismos de mudança, destacamos a chamada neoanálise, termo cunhado por Andersen, 2001 (apud TRAUGOTT & TROUSDALE, 2013, p. 36). A neoanálise consiste em uma nova forma de representação na mente do falante, precisamente a uma nova forma de o falante analisar uma construção. Ela pode ocorrer tanto em níveis funcionais quanto em níveis formais da linguagem. Para este trabalho, é válido conceber a neoanálise em um nível morfológico, com a mudança da representação do esquema de verbo estativo para a língua latina (cf. p. 39).

2.4- Verbos estativos em uma visão construcional

Para dar início a esta seção, voltemos à definição inicial de construção – um pareamento convencional de forma e sentido. Esta definição amplia o conjunto de possibilidades de objetos que podem nela se enquadrar.

Assim, quando se fala em construções com verbos estativos, o conceito de construção pode se aplicar tanto ao morfema, quanto à oração. A rede formada pela relação entre as diferentes construções possui uma organização hierárquica, de modo que certas construções podem conter outras.

Construção

Mesoconstruções... Microconstruções...

Esquema

Subesquemas Subesquemas

(38)

Partindo de um nível mais amplo, oracional, identificamos uma macroconstrução bastante complexa e conteudística de verbos estativos que consiste na própria oração monoargumental. Ela é composta de um sujeito e um verbo, como no exemplo em destaque:

Construto:

(1) Post se derisum, dolet

Após ser zombado, [ele] sofre

Esquema: [S+Vē]

Com os estudos preliminares, em gramáticas de línguas antigas (sobretudo CHANTRAINE, 1984 e MEILLET, 1948), que associam os verbos estativos a orações monoargumentais, tais construções seriam, em teoria, as mais prototípicas com esse tipo de verbo.

Frequentemente, essa macroconstrução é constituída por um sujeito oracional, de modo que se produz uma mesoconstrução composta por sujeito oracional e verbo estativo:

Construto:

(2) Prodigum te fuisse oportet olim in adulescentia. Convém teres sido pródigo, outrora, na adolescência.

(3) Tuos sum,/ proinde ut commodumst et lubet quidque facias;

Sou teu,/ assim como for cômodo e agradável que faças o que quer que seja;

Subesquema: [Sor+Vē]

Os dois exemplos do subesquema mostram a mesoconstrução com sujeitos oracionais. Sua freqüência (verbo impessoal + oração infinitiva) é tão grande que os dicionários os notam apenas na terceira pessoa do singular, classificando-os como impessoais.

Referências

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