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A PRESTAÇÃO DE TRABALHO GLOBAL, EXPRESSÃO DE PRÁTICAS DE ORGANIZAÇÃO DA EMPRESA, DO TRABALHO E DO EMPREGO.

O presente capítulo visa particularizar um conjunto de processos de natureza socioeconómica, institucional e organizacional, cuja especificidade se assume como relevante para o enquadramento do objeto considerado, em termos empíricos, pelo presente estudo - a expatriação organizacional, considerada enquanto prática de organização do trabalho (global) e de gestão (internacional) de recursos humanos, e enquanto experiência identitária diferenciadora, no quadro de trajetórias individuais.

No contexto da literatura de orientação gestionária, os processos de globalização económica e de internacionalização das empresas tendem a ser considerados como uma realidade homogénea, como uma inevitabilidade (Costas, 2013) de efeito benigno. Trata-se de uma perspetiva de análise, que influencia, em certa medida, domínios de problematização contíguos, entre os quais se salienta, a mobilidade, a profissão, a carreira, ou a emergência, tomada como necessária, desejável, inevitável, de profissões e de profissionais globais, de elites cinéticas, de carreiras globais, fenómenos que se considera estar em expansão (Peiperl & Jonsen, 2007; Dickmann & Baruch, 2011), em particular para os quadros (Boltanski, 1982) e os profissionais da gestão empresarial (Cappellen & Janssens, 2010b, 2010c).

Com efeito, tende a tomar-se por adquirido, por inócuo, por desejável, a prestação de trabalho, a situação de emprego, o desenvolvimento de carreira, a articulação com a vida familiar, que se apresentam como fluídos, sem fronteiras (de relação, de atuação, de significação) (Arthur & Rousseau, 1996; Tams & Arthur, 2010; Allvin et al., 2011), ou com fronteiras porosas, maleáveis, difusas. Tende a tomar-se igualmente como inequívoca, como natural, a valorização de orientações cosmopolitas (Gouldner, 1957; Musgrove, 1963, Tung, 1998), desterritorializadas, de apego à mobilidade geográfica (Costa, 2013), a opção estratégica das empresas pela externalização e pela organização temporária das atividades de trabalho, ou a constituição, nos mercados internos e externos de trabalho, de elites cinéticas (Costas, 2013), de indivíduos nómadas-itinerantes internacionais, quadros e gestores globais,

29 responsáveis-protagonistas pela coordenação e pelo controlo de processos de internacionalização das operações de empresas multinacionais.

Referimo-nos, em rigor, a um conjunto de efeitos decorrentes do aprofundamento das segmentações observáveis ao nível dos arranjos socioeconómicos e geopolíticos de divisão internacional do trabalho, e da intensificação correlativa da utilização de diferentes modalidades de prestação de trabalho global, enquanto modo de coordenação flexível das atividades de trabalho em empresas internacionalizadas. As consequências das mudanças de acento transnacionalizante (Dreifuss, 2001) definem, nos termos de Castells (2003), um motivo de conflito e oposição central no início do século XXI14. Para este autor, tomar o global, o transnacional, o temporário, como locus de referência social e cognitiva para a ação de indivíduos e de instituições, produz especificidades e mudanças de natureza socioinstitucional, particularmente visíveis no plano da gestão da empresa, da organização do trabalho, do emprego e das profissões (Pries, 2001; Harrington, 2015), um conjunto de mudanças não isentas de conflito e de possibilidade de contradição (Appadurai, 1990, 1996; Jameson, 2011).

2.1. Das transformações transnacionalizantes: A empresa, o trabalho, a profissão global.

Como foi descrito por Piore e Sabel (1984), o crescimento económico e a relativa estabilidade social experimentada no período posterior à Segunda Guerra Mundial, tiveram por base a expansão acelerada do consumo, da procura, em sentido lato, à qual correspondeu, no campo das empresas, a defesa da ortodoxia de racionalidades organizacionais orientadas para a obtenção de economias de escala, e, no domínio social, um clima de relativa paz social garantido pelo contrato social firmado entre capital e trabalho, e pela criação e consolidação de sistemas nacionais de natureza assistencialista (o Estado social, o Estado-Providência, o Welfare State). Este quadro de estabilidade e crescimento começou a sofrer desgaste a partir da década de 1960, momento onde, não obstante a expansão contínua da procura de bens e serviços, a estagnação da produtividade originou as primeiras interrogações sobre a adequação de modelos de inspiração taylorista-fordista de organização do trabalho, enquanto lógica prevalecente nos contextos empresariais. Em rigor, no plano da evolução do contexto económico, um mercado, tido por homogéneo, que se encontrava em trajetória de expansão, começou a dar lugar, na década de 1960, a mercados segmentados e em estagnação, com a

14 Castells (2003, p. 4) é perentório, a este respeito: “As redes ligam e desligam seletivamente os indivíduos, os grupos, as regiões, os países, segundo a sua utilidade para a rede. Daí surge uma divisão básica entre um instrumentalismo universal e abstrato, e as identidades particulares historicamente enraizadas. As nossas sociedades estruturam-se, cada vez mais, em torno de uma oposição bipolar entre a rede e o self”.

30 modificação correlativa das condições de concorrência, que representaram novos requisitos de qualidade e agilidade dos ciclos de produção.

A uma lógica já sedimentada de produção em massa, começou a impor-se uma lógica de desmassificação (Toffler, 1980), uma necessidade de produção flexível, não-monolítica, pós- industrial 15 (Touraine, 1970; Ekstedt et al., 1999), mais ajustada a sociedades progressivamente dessincronizadas com os ritmos e a procura de um efeito de escala típico das linhas de montagem industrial. À economia de escala, associada a um perfil de procura estável e homogénea, sucede a procura de economias de gama, uma economia da flexibilidade, por via da convergência de processos industriais e de serviços em tipos renovados de produção, concebidos com uma expectativa útil de vida cada vez mais reduzida16 (Bauman, 2000), pensados não de modo absoluto (a procura da one best way taylorista), mas sim de modo contingencial, just-in-time. Nas empresas, as estruturas burocráticas, hierárquicas, piramidais, tendem a dar lugar a estruturas mais descentralizadas, pensadas em função da necessidade de flexibilidade estrutural e organizacional que decorre da existência de um nível crescente de incerteza, da coexistência de múltiplas oportunidades de escolha, de múltiplos interesses, mais efémeros, permissivos, transitórios. A diferenciação de comportamentos, a incerteza (tornada estrutural), o constrangimento da diversidade, justificam a mudança, a necessidade de mudança tomada como imperativo gestionário, ético, como diretriz estratégica pelas empresas - uma necessidade ambígua na sua genealogia, incerta nos resultados esperados (Grey, 2002).

As mudanças registadas no plano socioeconómico ao longo do século XX, e, em particular, a partir da década de 1960, são, como indicado, múltiplas, e encontram expressão a diferentes

15 É de Touraine (1970), a autoria da primeira utilização da noção sociedade pós-industrial, retomada posteriormente por autores como Bell (1999) e Ekstedt et al. (1999). Trata-se de um termo utilizado para designar um modelo de organização social que sustenta o crescimento económico em princípios distintos dos observados num quadro industrial: a capacidade de programar e executar mudanças com maior agilidade, decorrente da detenção e do controlo sobre o conhecimento, valorizado enquanto fator central de produção; a capacidade de manter sistemas de relação social caracterizados por novas formas de regulação, onde a integração social e organizacional é operada não tanto pela exploração ou pela sujeição à norma autocrática, mas sim por via da sedução amável e da manipulação das motivações e dos interesses do indivíduo (o desejo de autonomia, de responsabilidade, de controlo), que é assim apresentado e (re)definido como ator, objeto e fonte de influência social, na interiorização das normas, dos valores, dos princípios veiculados pelas práticas de gestão e organização.

16 Num quadro pós-moderno (Harvey, 1989; Thiele, 1997), a frustração, a deceção do desejo, são urdidas, pensadas, mobilizadas, por métodos deliberados. A depreciação de um produto recentemente disponibilizado, a sua degradação célere, a compressão planeada do seu ciclo de vida, contribuem para o tornar antiquado, menos desejável, antes mesmo de atingir um estádio de consumação, de maturação das suas hipotéticas virtudes. Por consequência, no plano volitivo, o desejo permanece insaciado, por responder, motivo de persistência de um sentido de insegurança e de desapontamento, vivido como motivo de continuidade biográfica e de afirmação social. Desejo, logo sou. Consumo, logo sou. Trata-se de um modelo económico assente na rotinização programada da novidade (Thiele, 1997), e, no essencial, na deceção (Bauman, 2000), na não-satisfação sucessiva, deliberada, do desejo, de desejos múltiplos, cruzados. O desejo que gera desejo, o consumo que gera consumo, a necessidade que gera necessidade.

31 níveis, e de modos particulares em diferentes contextos nacionais e setoriais: a) a globalização da economia e a internacionalização das operações empresariais; b) a diferenciação e instabilidade dos mercados, elevados à condição de primeiros protagonistas na estruturação social e económica; c) a expansão da atividade económica terciária (economia baseada em serviços) e, mais recentemente, a partir da década de 1990, quaternária (economia ancorada na informação); d) a utilização de tecnologias de informação e comunicação, e a sua incorporação enquanto fatores de produção nos contextos de trabalho; e) a nova repartição internacional do poder económico e de especialização produtiva de cada país; f) a valorização da flexibilidade, da agilidade (da velocidade), da escala apropriada (just-in-time), como princípios de organização do trabalho, da empresa, do emprego; e g) as instituições sociais clássicas (e.g., o Estado-nação, a empresa, o emprego, o trabalho, as profissões, a família) apresentam-se diminuídas no seu papel referencial, normativo, integrador.

Neste quadro, os processos de globalização, de transnacionalização da economia17, a necessidade de organização de processos produtivos à escala global, e correlativa dispersão geográfica de segmentos das cadeias de valor por parte das empresas, trouxeram novos desafios a um sentido de competitividade definido com base em filiações nacionais. “Impelida pela necessidade de mercados sempre novos, a burguesia invade todo o globo” - escreveram Marx e Engels, em 1848, no Manifesto Comunista – “(…) em lugar das antigas necessidades, satisfeitas pelos produtos nacionais, nascem novas necessidades, que reclamam, para a sua satisfação, os produtos das regiões mais longínquas e dos climas mais diversos”. A globalização está intimamente associada à expansão do capitalismo, ou melhor, de capitalismos18 (Amable, 2005), entendidos na aceção weberiana que os enforma como expressão ou razão de constituição de um espírito (Weber, 1999 [1922]), isto é, de uma configuração ideológica (Boltanski & Chiapello, 2009 [1999]) que projeta os agentes económicos além-fronteiras, que cria novas necessidades e quadros suaves de regulação das trocas comerciais desenvolvidas num quadro de interdependência transnacional. Foi o estreitamento das relações de interdependência entre países, entre empresas, entre agentes económicos, que veiculou a aceleração dos movimentos de globalização das trocas comerciais

17 Importa distinguir, em termos conceptuais, a globalização da economia, dos processos que concorrem para a internacionalização ou para a transnacionalização da economia (Kovács et al., 2015, p. 94-5). A internacionalização da economia reporta-se a um processo de trocas entre diferentes Estados-nação, onde os atores nacionais desempenham um papel ativo, preponderante. Os processos de transnacionalização, por seu turno, dão conta de movimentos de transferência ou deslocação de recursos de uma economia nacional para outra, processos onde as empresas multinacionais desempenham um papel charneira, ao criar estruturas produtivas em países diferentes, organizando a sua estratégia tendo por referência a constituição de redes, a integração intensiva de empresas, regras e infraestruturas, um sentido de territorialidade que não é específica, local, mas sim de carácter global (Grupo de Lisboa, 1994, p. 55).

18 Amable (2005) procura demonstrar as impurezas do desenvolvimento de matriz capitalista, bastas vezes apresentados como unívoco, como uma realidade homogénea. No entender deste autor, o capitalismo atual caracteriza-se pela diversidade de formas institucionais, compondo uma realidade heterogénea formada por cinco tipos distintos de capitalismo: o capitalismo de mercado; as economias sociais-democratas; o capitalismo asiático; o capitalismo europeu continental; e o capitalismo mediterrânico.

32 e de internacionalização das empresas, uma interdependência que se tornou possível pela redução sucessiva dos custos de transporte e de comunicação, e a abertura à circulação transnacional de mercadorias, serviços, capitais, conhecimento e indivíduos (Lash & Urry, 1994).

A internacionalização das atividades económicas trouxe novas oportunidades e constrangimentos à ação das empresas, e dos indivíduos nas empresas. Em particular, nas economias emergentes, em diferentes setores de atividade, a necessidade de internacionalização das operações empresariais é perspetivada como imperativo e condição de sobrevivência num contexto de globalização, implicando uma renovação de estratégias, de práticas e de comportamentos, que responda aos propósitos de racionalização e de eficiência implicados nos movimentos de internacionalização. Gonçalves (1999) define os processos de internacionalização empresarial como resultantes de uma articulação de três fatores. O primeiro destes fatores é o desenvolvimento tecnológico associado à informática e à produção e trânsito da informação (Castells, 2002), que possibilitou (e tem possibilitado) uma redução expressiva de custos de produção e de operação, e do custo das transações comerciais concretizadas a uma escala global; o segundo, de natureza política e institucional, envolve a visibilidade crescente de ideários liberais, cuja expressão máxima foi obtida na década de 1980, na Grã-Bretanha de Thatcher e nos Estados Unidos da América de Reagan; por fim, a terceira ordem de fatores prende-se com a estagnação observada na expansão das economias nacionais, domésticas, com perfis de procura interna considerados insuficientes numa ordem económica empenhada em movimentos de acumulação sucessiva, na criação de um mercado doméstico unificado à escala global (Hedlund, 1986).

Resultante da ação e da interação destes fatores, observou-se, em termos globais, a partir da década de 1950, a difusão de processos de privatização e de abertura das relações de comércio, um movimento acrescido da deslocação da atividade produtiva das empresas para diferentes regiões do globo, visando aceder a fatores de produção mais abundantes, expertise qualificada e porventura menos dispendiosa, a vantagens nacionais (de natureza fiscal, regulatória ou legal), e a possíveis novos consumidores para os seus produtos e serviços. A expansão internacional das relações comerciais e económicas tornou, em certa medida, o mundo mais plano (Friedman, 2005), a noção de fronteira e de distância mais fluída, observando-se, concomitantemente, uma experiência de contração do globo (small world experience, no original) (MacGillivray, 2006). Deste modo, é possível afirmar, em síntese, que a transnacionalização da economia se configura pela criação de mercados transnacionais, sendo iniciada pela extensão do comércio de serviços e mercadorias além de um contexto doméstico, e prosseguida por transações financeiras desterritorializadas (empréstimos, financiamentos, investimentos), e por práticas de mobilidade, de mobilização e deslocação

33 internacional de fatores de produção, através do desenvolvimento de filiais de empresas internacionalizadas.

Em Portugal, no tempo histórico mencionado, não obstante a tendência de evolução histórica registada em diferentes indicadores estruturais, a economia tem tomado como descritores recorrentes, entre outros, o predomínio de fortes níveis de segmentação intrassectorial, a prevalência de empresas de pequena e média dimensão (PME), a prevalência de modelos organizacionais burocráticos e densamente hierarquizados, o baixo nível de escolaridade e de literacia funcional da população, a baixa procura de formação ao longo da vida, e o baixo peso das atividades económicas intensivas em conhecimento, de elevado valor acrescentado (Kovács et al., 2015, p. 119). Trata-se de um posicionamento que tem representado uma debilidade significativa, num contexto de intensificação e de internacionalização da concorrência, fruto das mudanças registadas, como mencionado, no plano da divisão internacional do trabalho e das trocas comerciais.

Importa atender, a este respeito e para efeito de contextualização da problemática geral da presente pesquisa, às alterações específicas registadas nas últimas décadas no perfil de divisão internacional do trabalho, um fator importante na orientação estratégica das empresas, em particular, no referente à composição e à operacionalização de agendas de internacionalização da sua atividade.

Até ao início da década de 1990, registava-se uma segmentação internacional de cariz triádico, originada pela circunstância dos fluxos internacionais de capital, de procura de estabelecimento de redes de mobilidade de trabalhadores e de aliança estratégica entre empresas transnacionais (Pries, 2001), se concentrar, em termos substantivos, apenas em três regiões do globo – EUA, Japão e Europa Ocidental. Tratava-se, nos termos do Grupo de Lisboa (1994), de um movimento de globalização económica particularmente desigual, dada a sua natureza truncada. Na década de 1990, observou-se a integração progressiva de outros países neste movimento: num primeiro momento, os denominados quatro tigres asiáticos (Coreia do Sul, Tailândia, Singapura e Hong Kong), num segundo momento, os chamados BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China).

Na primeira década do século XXI, a China começou a ser perspetivada como novo elemento motriz do crescimento económico mundial. Como é registado por Kovács et al. (2015, pp. 123-4), em 2003, os BRIC representavam 9% do PIB mundial, e em 2009, 18%. Em 1990, os países da tríade representavam 95% do investimento direto estrangeiro (IDE), investimento direcionado para o exterior; em 2000, esse valor era de 88%, e em 2010, de 70,4%. Neste período, os países emergentes tornaram-se progressivamente os principais

34 destinos de fluxos de investimento internacional (IDE), em detrimento dos países com maior índice de desenvolvimento19 (de 16,8% em 1990, para 46,1% em 2010).

A aceleração20 do movimento de globalização, ao desencadear a recomposição territorial das economias, e ao fomentar a prevalência do princípio do mercado sobre o princípio do Estado (Polanyi, 2016 [1944]), provocou a redução do peso estratégico dos mercados nacionais e atribuiu maior protagonismo, nos planos decisório e da regulação institucional, a atores transnacionais (Galbraith, 2000; Castells, 2002), como os governos dos países mais prósperos à escala mundial (G-7), as instituições financeiras internacionais (e.g., FMI - Fundo Monetário Internacional; BM - Banco Mundial; OMC - Organização Mundial do Comércio), e um novo tipo de empresa, a empresa de vocação global - isto é, a empresa transnacionalmente competente (Adler & Bartholomew, 1992).

A descentralização e a dispersão geográfica de processos produtivos das empresas traduzem uma tentativa de resposta às mudanças observáveis ao nível da divisão internacional do trabalho. A prestação de trabalho global resulta, neste sentido, da abertura de novos canais de integração económica, por via da identificação de novos locus de produção, virtualmente situados em qualquer ponto do globo (Castells, 2002). De práticas inspiradas pela procura de flexibilidade, pela economia da flexibilidade22, decorrem novas solicitações para os

19 A respeito deste perfil de evolução, importa recordar uma consideração de Castells (2002, p. 314), para quem as dinâmicas funcionais das redes que relacionam agentes económicos e diferentes economias nacionais, produzem não apenas relações de interdependência, mas também seletividade e assimetria(s). Trata-se de movimentos de efeito polarizador, no entender deste autor, fundados na integração seletiva, reticular, de processos produtivos, e na desintegração, na segmentação hierárquica da força de trabalho, características específicas dos atuais movimentos de globalização enformados por imperativos de aprofundamento dos níveis de eficiência operacional (Marsden, 2004), de liberalização e de mundialização competitiva (Jameson, 2011).

20 Esta aceleração decorre da ação de três diretrizes políticas que se inter-relacionam: a desregulamentação da economia (isto é, a redução da participação direta dos Estados na regulação da atividade económica), a liberalização das relações de comércio e, em particular, de investimento internacional, e a privatização de empresas públicas nacionais (vendidas, sobretudo, a investidores estrangeiros). Deve salientar-se, no plano da análise da evolução do investimento internacional, que já na década de 1990, 90% das transações financeiras internacionais não se relacionavam com necessidades de financiamento do comércio ou com intenções de investimento produtivo a longo prazo (isto é, com necessidades concretas de financiamento da economia real), tratando-se, no essencial, de investimento de natureza especulativa, pelo qual se visava obter um proveito imediato.

22 Na análise dos processos de reestruturação empresarial, importa atender ao debate relativo à procura de condições de flexibilidade na organização da empresa e do trabalho contemporâneo. Como é enfatizado por Boyer (1986, p. 237), a flexibilidade de e no trabalho compreende várias dimensões, interpretações e significados ambíguos, podendo relacionar-se, no essencial, com cinco vetores fundamentais: 1) a (re)organização da produção, em função da oscilação da procura; 2) a hierarquia de qualificações, instrumento de aferição da adaptabilidade do trabalhador a diferentes tarefas; 3) a mobilidade geográfica de trabalhadores; 4) a formação de salários, o seu ajustamento à situação das empresas e do mercado de trabalho interno e externo; e 5) a abrangência da proteção social que é assegurada. Uma distinção significativa a este propósito é a que refere a existência de práticas que visam uma flexibilidade do tipo interno, qualitativo, centrada na organização do trabalho, nas transformações tecnológicas e organizacionais, na procura de qualificação e de polivalência, ou, ao invés, uma flexibilidade de tipo externo, numérico/quantitativo, que visa a alteração numérica da força de trabalho, e terceirização de segmentos do processo produtivo. Numa perspetiva de acento neomarxista, a racionalização flexível (Abrahamson, 1997) define um momento histórico que trará, em teoria, novos significados aos processos de dominação social, na medida em que as formas emergentes de organização e gestão

35 indivíduos, de hibridação da sua qualificação, de mobilidade funcional e física, requisitos que representam uma rutura com os princípios de especialização taylorista, e com um sentido de profissionalismo tradicional, colegial, tendente à ancoragem em sistemas de classificação socioprofissionais perenes, duradouros.

Neste quadro, a empresa transnacional (Galbraith, 2000; Pries, 2001) emerge como protagonista de processos de estruturação social e económica, cuja ação apresenta um alcance particular, potencialmente gerador de novas segmentações e diversidade no plano do emprego criado, de tensão e de contradição (Lane et al., 2004; Boussebaa, 2009; Jameson, 2011), ao solicitar, em simultâneo, a necessidade de integração global de atividades produtivas, e a ação, o agenciamento local das mesmas (Ghoshal & Nohria, 1993). Jameson (2011) associa o transnacionalismo, nos movimentos de expansão geográfica e dispersão sociocultural e simbólica que implica, à possibilidade de ocorrência de dilemas de representação, na medida que a existência, para organizações e para indivíduos, de espaços transnacionais, significa que