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Prestações instantâneas e prestações duradouras:

Capítulo IV – Objecto das obrigações

C) Prestações instantâneas e prestações duradouras:

 Instantânea ou transeunte: respeita à prestação a executar num determinado momento, extinguindo- se a correspondente obrigação com esse único acto isolado de satisfação do interesse do credor. Exemplo: a entrega de determinada quantia ou coisa; a declaração de vontade negocial.

- Para o efeito não se consideram os actos prévios, eventualmente necessários, pois correspondem a meros deveres acessórios da realização da prestação principal.

 Duradoura: comportamento, positivo ou negativo, que se distenda no tempo. Aqui podemos encontrar duas sub-modalidades:

- Divididas (fraccionadas ou repartidas): quando o cumprimento se efectua por partes, em momentos temporais diferentes. Exemplo: o preço pago a prestações.

- Continuativas (contínuas ou de execução continuada): considera-se a prestação que consiste numa actividade ou abstenção que se prolonga ininterruptamente durante um período mais ou menos longo. Exemplo: a obrigação do trabalhador no contrato de trabalho.

Prestações reiteradas, repetidas, com trato sucessivo ou periódicas: quando em vez de uma única prestação a realizar por partes (prestação fraccionada), existam (sendo que decorrem de uma só relação obrigacional) diversas prestações (repetidas) a satisfazer regularmente (ex: obrigação do inquilino pagar renda mensal ou anual) ou sem regularidade exacta (ex: obrigação de fazer reparações em determinada coisa, à medida que sejam necessárias).

Só as dívidas liquidáveis fraccionadamente estão sujeitas à regra do artigo 781º ou ao regime especial dos artigos 934º e seguintes para a venda a prestações.

Importância do artigo 793º - nos contratos de prestação periódica ou continuada, a impossibilidade de prestação de uma das partes durante x tempo, exonera a outra da contraprestação relativa a esse tempo.

Numa prestação instantânea – pode o risco ficar de vez a cargo do credor: se A vende a B, o objecto X e este perece depois do contrato por caso fortuito, B deve satisfazer o preço embora fique sem a coisa comprada (arts. 408º e 796º).

Requisitos da prestação:

Para que a relação obrigacional se constitua validamente, exige- se que a prestação debitória obedeça a certos requisitos.

A) Possibilidade e licitude:

 A prestação tem que ser física e legalmente possível (280º nº1).

 A impossibilidade da prestação pode ser: - Originária: existe na altura da constituição do vínculo obrigacional; impede que a obrigação se constitua validamente.

OU

- Superveniente: aparece após a constituição do vínculo; extingue a obrigação quando esta se mostrar não imputável ao devedor ou então, transforma-a em responsabilidade civil (artigo 790º e seguintes).

Para aqui interessa a impossibilidade originária que, determina a nulidade do negócio jurídico (401º nº1), atende-se para o efeito à data em que a obrigação se constituiu, sendo indiferente que se trate de uma impossibilidade definitiva da prestação ou de uma impossibilidade susceptível de desaparecer mais tarde. Importância:

- Da excepção contida no artigo 401º nº2;

- Do nº3 deste mesmo artigo: impossibilidade objectiva (para todas as pessoas) versus subjectiva (apenas para o devedor).

Isto significa:

Que só a impossibilidade objectiva invalida a obrigação, uma vez que não pode ser cumprida pelo devedor nem por qualquer outra pessoa; já a mera

impossibilidade subjectiva não impede a válida constituição da obrigação, fazendo-se o devedor substituir no cumprimento por outrem. Só não será assim caso se prometa um facto a prestar pelo próprio promitente e apenas por ele (prestação na fungível) – aqui a impossibilidade assume um carácter objectivo e determina a nulidade.

 Impossibilidade absoluta e relativa: - Absoluta: impossibilidade propriamente dita; - Relativa: simples dificuldade ou onerosidade excessiva da prestação. Esta não produz qualquer feito anulatório, ressalvando-se a matéria do erro.

 Impossibilidade física e legal/jurídica:

- Física: resulta da própria natureza das coisas.

Exemplo: a prestação que verse sobre irrealizável (esgotar a água do mar) ou que consista na prestação de uma coisa que não existe, embora por ventura já tenha existido, ou que nem mesmo pode vir a existir.

- Importância do artigo 399º - o que foi agora dito não exclui a validade dos contratos que tenham por objecto a prestação de coisas futuras. Ver também 211º CC.

Noção de coisa futura: as coisas que ainda não têm existência material e jurídica (ex: mercadoria a fabricar) mas também, as que existem só que ainda não pertencem ao alienante e são tomadas pelas partes

que sobre elas negoceiam, como coisas alheias.

* Assim, a lei admite a venda de bens futuros (artigo 880º) e de bens alheios (isto se as partes os

considerarem nesse

qualidade – artigo 893º; 939º). Estas normas aplicam- se aos outros contratos onerosos, por força do artigo 939º.

- Legal: deriva da lei.

Exemplo: quando a

prestação debitória consiste em algo que a lei de todo obstacula a que se produza,

designadamente a

celebração de um negócio proibido e considerado nulo caso se realize. Exemplos: 202º nº2 CC: contrato através do qual uma pessoa se obriga a vender uma coisa do domínio público; 875º: alguém se obriga a vender uma coisa imóvel por simples escrito particular. Distinção entre impossibilidade legal e ilicitude:

- Artigo 280º nº1;

- Existira ilicitude quando a prestação devida (fisicamente possível e não se analisando num acto que a ordem jurídica impeça de modo directo ou imediato) consista, num comportamento que viole uma proibição legal (ex: difamar, danificar a propriedade alheia, realizar um negócio jurídico proibido, embora não sob pena de nulidade.

- A ilicitude do conteúdo negocial pode resultar, não da violação de um preceito especial da lei, mas da ofensa dos princípios de ordem pública*1 ou dos bons costumes*2 (280º nº2). Nos dois primeiros casos haverá ilicitude por ilegalidade e, no último caso, ilicitude por imoralidade.

________________________________________________________________ *1 – Noção de ordem pública: são normas que visam directa e

fundamentalmente tutelar os interesses superiores da colectividade. *2 – Noção de bons costumes: substitui a de moral pública, utilizada pelo antigo código.

________________________________________________________________ Nota:

- 281º CC: embora a prestação a prestação em si mesma se mostre possível (física e legalmente) e lícita (conforme à lei, à ordem pública e aos bons costumes), ainda assim a obrigação será nula, desde que ambas as partes prossigam com o negócio jurídico com fim contrário à lei, à ordem pública ou, ofensivo dos bons costumes. Exemplo: A vende a B uma espingarda, sabendo os dois que esta se destina a assassinar C.

B) Determinação ou determinabilidade:

 Pressupõe que o respectivo conteúdo fique desde logo determinado, ou se assim não acontecer, que seja determinável em momento posterior, através de um critério fixado pelas partes ou pela própria lei (artigo 280º nº1 + 400º).

 Razão desta exigência: não será valida a obrigação se o objecto da prestação não se encontrar desde logo completamente individualizado e nem possa vir a sê-lo por falta, ou inoperância, de um critério para esse efeito estabelecido pelas partes, no respectivo negócio jurídico, ou pela lei, em normas supletivas.

A indeterminação do facto ou da coisa a prestar pode verificar-se em graus diversos. Especificando, as obrigações genéricas são obrigações de objecto apenas determinável (art. 539º e segs.), tal como as obrigações alternativas (art. 543º e segs.).

De quem fica a cargo a determinação do conteúdo do objecto (art. 400º nº1)?

- Pode ficar a cargo de uma das partes ou de terceiro, devendo em qualquer dos casos, ser efectuada segundo juízos de equidade, na falta de fixação de outros critérios.

Artigo 400º nº2 – Princípio geral: se a determinação não puder ser feita ou não tiver sido feita no tempo devido, sê-lo-á pelo tribunal, sem prejuízo do disposto para as obrigações genéricas e alternativas.

C) Conteúdo digno de protecção jurídica: artigo 398º nº2

 Princípio da liberdade negocial (“as partes podem fixar livremente, dentro dos limites da lei, o conteúdo positivo ou negativo da prestação”) + “ a prestação não necessita de ter valor pecuniário; mas deve corresponder a um interesse do credor, digno de protecção legal” – artigo 398º nº1 e 2º).

 O actual CC dispensa o requisito da patrimonialidade, que exigia para a validade da obrigação que, prestação debitória tivesse um valor económico (defesa antes feita pela doutrina clássica). Esta dispensa é feita num sentido duplo:

1. A respeito da própria prestação em si.

2. A respeito do interesse do credor na prestação – impõem-se apenas que o interesse do credor seja digno de tutela jurídica.

Análise do artigo 398º nº2:

a) A prestação não tem que revestir directa ou indirectamente um carácter pecuniário (avaliável em dinheiro). Isto é, não é necessário para a validade do vínculo obrigacional, que a respectiva prestação tenha um valor económico intrínseco; nem é necessário que o tenha de forma reflexa, resultante da natureza da contraprestação ou de uma avaliação feita pelas partes.

Quando o acto do devedor em que a prestação se traduz não possua natureza patrimonial directa ou indirecta, cumpre distinguir se o interesse do credor é ou não, de natureza económica.

 Se o interesse do credor é de natureza económica: pode dizer-se que a prestação assume um valor pecuniário reflexo.

Exemplo clássico: A compromete-se para com B a deixar de tocar piano durante certas horas do dia, a fim de não prejudicar a elaboração de um trabalho, com valor pecuniário, que este traz entre mãos. Verificando-se o inadimplemento, poderá o credor B exigir ao devedor A, a indemnização desses danos não patrimoniais.

 Se do mesmo que a prestação, também o interesse do credor não é de natureza económica: os meios para assegurar o cumprimento da obrigação ou a indemnização do interesse não patrimonial do credor variam conforme o caso concreto. A lei não os especifica, assim como também não menciona de forma precisa quais os interesses não pecuniários do credor que podem dar lugar a uma obrigação jurídica.

O exemplo acima dado: A vincula-se a não tocar piano, com o objectivo de garantir a tranquilidade ou bem- estar de B.

Outro exemplo: A compromete-se a retirar publicamente uma injúria que fez a B, tendo este, um simples interesse moral na retracção daquele.

Em tais situações, se o devedor não cumpre, poderá o credor, desde logo, requerer as providências cautelares adequadas à protecção do seu direito, o que o tribunal apreciará segundo as circunstâncias (art. 381º e segs CPC).

Na primeira hipótese: não cumprido A. As medidas referidas podem variar, por exemplo, entre a proibição judicial de tocar durante as horas convencionadas e a apreensão do piano.

Na segunda hipótese: poderia B ser autorizado a fazer à custa de A, a declaração pública de que este se obrigara a retirar a injúria ou a publicar a sentença condenatória de A.

Em qualquer dos casos, o credor teria sempre direito à reparação pecuniária dos danos patrimoniais causados pela inexecução do contrato, contando que os danos pela sua gravidade mereçam tutela jurídica (art. 496º nº1).

b)

Não se exige o carácter pecuniário do interesse do credor, impõe-se apenas que, o credor tenha um interesse digno da protecção do direito e que não verdade tenha querido estabelecer um autêntico vínculo jurídico.

Deste modo:

- Sanciona a possibilidade de se prosseguirem directamente interesses materiais ou puros interesses de ordem ideal ou moral (bens da religião, da ciência, da arte, da honra).

- Faz depender a validade do vínculo obrigacional sem conteúdo pecuniário de dois requisitos: 1. Que o credor possua um interesse sério e não um mero capricho ou fantasia; 2. Que o devedor tenha

assumido uma verdadeira obrigação jurídica e não um simples compromisso moral, de cortesia.

[?] Quando é que podemos dizer que estamos perante um interesse não económico que merece protecção?

O legislador não estabeleceu aqui um critério definitivo, deixou ao juiz a possibilidade de apreciar se o interesse é digno de protecção jurídica, não devendo contudo afastar-se, das ideias ou das orientações gerais da legislação.

No pensamento do legislador está apenas o objectivo de tutelar os valores ou interesses não patrimoniais que sejam razoáveis numa perspectiva jurídica. Deve afastar-se assim, os puros caprichos ou excentricidades (ex: não usar gravata), quer as vinculações que embora legitimas e fundadas em face de outros ordenamentos, se encontram excluídas dos fins específicos visados pelo direito (ex: cumprimentar os vizinhos).

Modalidades das obrigações quanto ao objecto: Obrigações divisíveis e indivisíveis

Divisível: aquela cuja prestação pode ser fraccionada sem prejuízo da sua substância ou do seu valor económico.

Indivisível: o inverso.

Fontes da indivisibilidade (a indivisibilidade pode resultar): a) Da própria natureza da prestação;

b) Convenção das partes; c) Da lei.

 Esta distinção aplica-se tanto a obrigações de facto como a obrigações de prestação de coisa (assumindo particular importância nas últimas).

 Importância do artigo 209º.

 A divisibilidade/indivisibilidade apuram-se com base num critério económico – jurídico. A indivisibilidade pressupõe que as fracções ou actos em que poderia decompor-se a prestação, não equivalem proporcional e homogeneamente ao todo.

 Esta distinção só revela realmente importância prática a propósito das obrigações plurais não solidárias, porque tratando-se de uma obrigação singular, o devedor está adstrito a cumprir integralmente a prestação, seja ela ou não divisível (art. 763º). E se a obrigação é solidária, deste regime resultam consequências a que se chegaria por força da indivisibilidade.

Princípio geral das obrigações divisíveis

 Está consagrado artigo 534º CC.

 Diz-nos: são iguais as partes que têm na obrigação divisível os vários credores ou devedores, se outra proporção não resultar da lei ou do negócio jurídico.

Regime das obrigações indivisíveis:

 Aplicam-se aqui certos princípios das obrigações solidárias, na medida em que não se pode fraccionar a prestação.

O regime legal das obrigações indivisíveis apresenta-se diverso, conforme se verifique pluralidade passiva (A) ou pluralidade activa B):