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Prestai atenção Se, ao contrário, entenderdes mal e vos lançardes naquela voragem de pecar

SALMO 18 I COMENTÁRIO

II. SERMÃO AO POVO

8 Prestai atenção Se, ao contrário, entenderdes mal e vos lançardes naquela voragem de pecar

impunemente, eu ficarei livre, como o próprio Apóstolo ficou livre, diante dos que o entendiam mal. De propósito entenderam mal, para não praticarem, em consequência, boas obras. Não sejais deste número, meus irmãos. Diz-se, em outro salmo, a respeito de um homem desta espécie, como se tratasse de um só: “Não quis entender para agir bem” (Sl 35,4). Não se disse: Não pôde entender. É preciso, portanto, que queirais entender para agir bem. Não vos faltará claro entendimento. Que quer dizer: claro entendimento? Ninguém se gabe de suas obras, antes de possuir a fé; ninguém seja preguiçoso relativamente às boas obras, depois de ter recebido a fé. Deus, efetivamente, concede perdão a todos os ímpios e justifica-os pela fé.

9 1-2 “Felizes aqueles cujas iniquidades foram perdoadas e cujos pecados foram apagados. Feliz o

homem a quem o Senhor não imputou pecado e em cuja boca não existe dolo”. Começa o salmo, começa também o entendimento. Entendimento ou inteligência consiste em saberes que não te deves gabar de teus méritos, nem presumir da impunidade de teus pecados. Pois, o título do salmo é: “Salmo a Davi. Da inteligência”. Este salmo se denomina: “Da inteligência”. Em primeiro lugar, é

inteligência saberes que és pecador. Em segundo, que ao começares a agir bem, pela caridade oriunda da fé, não o atribuas às tuas forças, mas à graça de Deus. Assim, não haverá dolo em teu coração, isto é, em tua boca interior; nem terás uma coisa nos lábios e outra no pensamento. Não serás daqueles fariseus, dos quais foi dito: “Sois semelhantes a sepulcros caiados; por fora pareceis justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade” (Mt 23,27). Quem, portanto, é iníquo e se apresenta como justo, não é mentiroso? Não era assim Natanael, do qual diz o Senhor: “Eis um verdadeiro israelita, em quem não há fingimento”. Por que não havia fingimento em Natanael? “Eu te vi”, diz o Senhor, “quando estavas sob a figueira” (1Jo 47.48). Estava debaixo da figueira, estava sujeito à condição mortal. Se estava sob a condição mortal, porque estava sujeito ao pecado inerente à propagação da carne, estava sob a figueira, a respeito da qual geme-se em outro salmo: “Eis que fui concebido em pecado” (Sl 50,78). Mas, viu-o aquele que veio trazendo a graça. O que quer dizer: Eu o vi? Compadeceu-se dele. Portanto, recomenda o homem sem fingimento, para nele recomendar a sua graça. “Eu te vi, quando estavas sob a figueira”. O que pode significar de importante a frase: “Eu te vi”, se não entenderes de outro modo o que foi dito? Qual a importância de ver um homem debaixo de uma figueira? Se Cristo não tivesse visto o gênero humano debaixo desta figueira, ou murcharíamos inteiramente, ou como aconteceu aos fariseus, que eram fraudulentos, isto é, se justificavam com palavras, mas suas obras eram más, ele só encontraria em nós folhas, e não frutos. Ao ver Cristo esta figueira, amaldiçoou-a, e ela secou. “Vejo”, disse ele, somente folhas, isto é, apenas palavras, sem frutos. Seque, para não ter nem folhas (cf Mt 21,19). Por que tira até as palavras? Uma árvore seca não têm nem folhas. Assim eram os judeus. Os fariseus eram aquela árvore: tinham palavras, mas não tinham obras. Por sentença do Senhor mereceram a aridez. Veja- nos, pois, Cristo, debaixo da figueira. Veja em nossa carne também o fruto de boas obras, para não secarmos, em consequência de sua maldição. E como tudo é imputado a sua graça e não aos nossos méritos: “Felizes aqueles cujas iniquidades foram perdoadas e cujos pecados foram apagados”. Não se trata daqueles nos quais não se acham pecados, mas daqueles cujos pecados foram perdoados. Foram encobertos os pecados, tapados, apagados. Se Deus oculta os pecados, não quis percebê-los; se não quis perceber, não quis anotar, se não quis anotar, não quis punir, não quis reconhecer, prefere perdoar. “Felizes aqueles cujas iniquidades foram perdoadas e cujos pecados foram apagados”. Não penses que o salmista disse pecados encobertos como se ali estivessem, bem vivos. Por que disse que os pecados foram encobertos? Para que não fossem vistos. O que significa dizer que Deus vê os pecados, se não que pune os pecados. Qual a palavra que mostra que, para Deus, ver os pecados é o mesmo que puni-los? “Aparta tua face de meus pecados” (Sl 50,11). Não veja, pois, teus pecados, para te ver. Como te verá? Como Natanael, “Eu te vi, quando estavas sob a figueira”. A sombra da figueira não impediu os olhos da misericórdia de Deus.

10 “E em cuja boca não existe dolo”. De fato, os que não querem confessar os seus pecados, pelejam

sem razão procurando defendê-los. E quanto mais se empenham em defender os próprios pecados, gabando-se de seus méritos, sem ver as próprias iniquidades, tanto mais diminui seu vigor e sua força. É forte quem tira sua fortaleza de Deus, não de si mesmo. A esse respeito disse o Apóstolo: “Três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Respondeu-me: Basta-te a minha graça”. Disse: “a minha graça”, e não: a tua força. “Basta-te a minha graça, pois a força se aperfeiçoa na fraqueza”. Por este motivo, disse ele ainda em outro lugar: “Quando sou fraco, então é que sou forte” (2Cor 12,8.10). Por conseguinte, quem deseja ser forte, de certo modo presumindo de si, e gabando-se de seus méritos, sejam quais forem, assemelhar-se-á ao fariseu que se jactava com orgulho daquilo que ele afirmava ter recebido de Deus. Dizia: “Eu te dou graças”. Observai, meus irmãos, qual o gênero de soberba a que se refere Deus. Verdadeiramente, é a espécie que pode se insinuar no justo, tornar-

se subreptícia até para o homem de bem. Dizia o fariseu: “Eu te dou graças”. Ao dizer: “Eu te dou graças”, confessava ter recebido de Deus o que tinha. “O que possuis que não tenhas recebido” (1Cor 4,7)? Portanto disse: “Eu te dou graças. Eu te dou graças, porque não sou como o resto dos homens, ladrões, injustos, adúlteros, e nem como este publicano”. Onde está sua soberba? Não vem dar graças a Deus por seus dons, mas porque se exalta acima de outro, por causa destes mesmos bens.

11 Atentos, irmãos. O evangelista primeiro registrou porque o Senhor começou a propor a parábola.

Depois que Cristo perguntou: “Mas quando o Filho do homem deve voltar, encontrará a fé sobre a terra?” a fim de que não houvesse alguns hereges que, observando e pensando que o mundo quase todo sofrera uma queda, pois todos os hereges são em pequeno número e numa parte só da terra, se gabassem de que neles subsistira o que se perdera em todo o mundo, imediatamente após a palavra do Senhor: “Mas quando o Filho do homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?” o evangelista acrescentou: “Ele contou ainda esta parábola para alguns que, convencidos de serem justos, desprezavam os outros: Dois homens subiram ao templo para orar: um era fariseu e o outro publicano” etc. como sabeis. Portanto, aquele fariseu dizia: “Eu te dou graças”. Mas, por que se diz que é soberbo? Porque desprezava os outros. Que provas apresentas disso? Suas próprias palavras. Como? O fariseu desprezou aquele que estava a distância, de quem, todavia, o Senhor esta perto, enquanto se confessava pecador. “O publicano mantinha-se a distância”, mas Deus não estava longe dele. Por que Deus não estava distante dele? Porque se diz em outra passagem: “O Senhor está perto dos que têm o coração contrito” (Sl 33,19). Vede se o publicano tinha o coração contrito e verificareis que o Senhor está próximo dos que têm o coração contrito. “O publicano, mantendo-se a distância, não ousava sequer levantar os olhos para o céu, mas batia no peito”. As batidas no peito representavam a contrição do coração. O que ele dizia, ao bater no peito? “Meu Deus, tem piedade de mim, pecador”. E qual foi a sentença do Senhor? “Eu vos digo, que o publicano desceu para casa justificado, mais do que o outro”. Por quê? Isto é um juízo de Deus. Não sou como este publicano, “não sou como o resto dos homens, injustos, ladrões, adúlteros. Jejuo duas vezes por semana, pago dízimo de todos os meus rendimentos”. Ele não ousa levantar os olhos para o céu, examina a consciência, fica de longe, e é mais justificado do que aquele fariseu. Por quê? Peço-te, Senhor, explica-nos esta tua justiça, expõe-nos a equidade de teu direito. Deus expõe a regra de sua lei. Queres ouvi-la? “Pois todo o que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lc 18,8.14).

12 Veja, pois, V. Caridade. Dissemos que o publicano não ousava levantar os olhos para o céu. Por

que não olhava para o céu? Porque olhava para si mesmo. Examinava-se para, em primeiro lugar, desagradar a si mesmo e assim agradar a Deus. Tu, porém, te gabas, com dura cerviz. O Senhor diz ao soberbo: Não queres olhar-te? Eu te olho. Queres que eu não te observe? Observa-te a ti mesmo. Por conseguinte, o publicano não ousava levantar os olhos para o céu, porque olhava para si mesmo, punia a própria consciência. Era seu próprio juiz, para que intercedesse o Senhor. Ele se castigava para que Deus o libertasse; acusava-se para que o Senhor o defendesse. De tal sorte o defendeu, que proferiu sentença favorável: “O publicano desceu para casa justificado, mais do que o outro. Pois todo o que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado”. Diz o Senhor: Ele olhou-se atentamente; eu não quis examinar. Ouvi seu pedido: “Aparta os teus olhos de meus pecados”. Quem é que assim falou, senão o mesmo que declarou: “Porque reconheço a minha iniquidade” (Sl 50,5.11)? No entanto, irmãos, também o fariseu era pecador. Não deixava de ser pecador por dizer: “Não sou como o resto dos homens, injustos, ladrões, adúlteros”; nem por jejuar duas vezes por

semana, nem por pagar os dízimos. Se não tivesse outro pecado, a soberba já era grande crime; dizia, porém, tudo aquilo. Enfim, quem não tem pecado? “Quem pode dizer: Purifiquei meu coração, do meu pecado estou puro” (Pr 20,9)? Ele, portanto, tinha pecados; mas pervertido e sem saber aonde tinha vindo, era como se estivesse a tratar-se com um médico, e lhe mostrasse os órgãos sadios e escondesse as feridas. Deus ponha uma venda nas minhas feridas, não tu. Se, envergonhado, quiseres escondê-las, o médico não te curará. O médico enfaixe e cure; ele cobre com a pomada. Com o curativo do médico a ferida se cura, mas com a faixa do ferido só se esconde o ferimento. De quem escondes? Daquele que sabe todas as coisas.

13 3 Por isso, irmãos, vede o que disse o salmista: “Porque calei, consumiram-se os meus ossos,

enquanto eu clamava todos os dias”. Qual o sentido disso? Parece contraditório: “Porque calei, consumiram-se os ossos, enquanto eu clamava todos os dias”. Se clama, como calou? Calou uma coisa, não calou outra. Calou o que faria progredir, não calou o que servia para regredir; calou a confissão, clamou a presunção. “Calei”, disse ele, não confessei. Então devia falar. Calar os próprios méritos, clamar os seus pecados. Mas, agora perversamente calou os seus pecados e clamou os próprios méritos. O que lhe acontecerá? Seus ossos consumiram-se. Notai que, se clamasse os seus pecados e calasse os próprios méritos, renovar-se-iam os seus ossos, isto é, suas virtudes; seria robusto no Senhor, ele que em si mesmo, tornou-se fraco e seus ossos se consumiram. Permaneceu na velhice o que não quis, confessando, amar a renovação. Sabeis, irmãos, quais os que se renovam: “Felizes aqueles cujas iniquidades foram perdoadas e cujos pecados foram apagados”. O fariseu não quis fossem-lhe perdoados os pecados: aumentou-os, defendeu-os, vangloriou-se de seus méritos. Por conseguinte, seus ossos se consumiram porque omitiu a confissão. “Enquanto eu clamava todos os dias”. O que significa: “Enquanto eu clamava todos os dias?” Perseverar na defesa dos próprios pecados. E no entanto, vede como ele é, porque conhece-se a si mesmo. Logo virá a compreensão. Não considere coisa alguma fora de si, e desagradar-se-á a si mesmo, porque se conhecerá. Ouvi agora, para serdes curados.

14 4 “Feliz o homem a quem o Senhor não imputou pecado e em cuja boca não existe dolo. Porque

calei, consumiram-se os meus ossos, enquanto eu clamava todos os dias. Porque dia e noite pesava sobre mim a tua mão”. Qual o sentido da frase: Pesava sobre mim a tua mão? É questão importante, irmãos. Considerai a justa sentença dos dois, a do fariseu e a do publicano. O que foi dito do fariseu? Que foi humilhado. E do publicano? Que foi exaltado. Por que motivo aquele é humilhado? Porque se exaltou. E por que o publicano é exaltado? Porque se humilhou. Quando Deus quer humilhar quem se exalta, faz pesar sobre ele sua mão. Se não quis se humilhar pela confissão de seu pecado, foi humilhado pelo peso da mão de Deus. Enquanto ele suportava a pesada mão de Deus que o humilhava, quão leve foi a mão que exaltava! Em ambos os casos mostrou-se forte: forte para pesar, forte para reerguer.

1 5 4-5 “Porque dia e noite pesava sobre mim a tua mão. Revolvia-me em minha dor, enquanto o

espinho era pungente”. Devido ao peso de tua mão, à própria humilhação, revolvia-me em minha dor, tornei-me infeliz, o espinho se cravava em mim, minha consciência se compungia. O que aconteceu quando o espinho era pungente? Foi-lhe sensível a dor, descobriu sua fraqueza. Aquele que calara a confissão de seu pecado, de sorte que clamando em defesa de seu pecado, sua força se consumiu, isto é, seus ossos eram de um velho, o que fez agora que o espinho se cravou? “Reconheci o meu delito”. Já reconhece, pois. Se ele conhece, Deus perdoa. Ouve como continua. Vede como ele mesmo diz: “Reconheci o meu delito e não dissimulei minha injustiça”. Já disse acima: Não ocultes, e Deus encobre. “Felizes aqueles cujas iniquidades foram perdoadas e cujos pecados foram apagados”. Os

que ocultam os pecados, descobrem-nos; o publicano descobriu-o para que fosse descoberto. “Não dissimulei minha injustiça”. O que quer dizer: “Não dissimulei?” Já calara por muito tempo. E agora? “Disse”. O oposto daquela taciturnidade é este “disse”. O que disseste? “Confessarei contra mim mesmo ao Senhor a minha injustiça, e perdoaste a impiedade de meu coração. Disse”. O que disseste? Ainda não disse, promete dizer; e Deus já perdoa. Atenção, irmãos. É importante. Declarou: confessarei. Não declarou: Confessei, e perdoaste, mas: “Confessarei” e “perdoaste”. Pelo fato de dizer: “confessarei” mostra que ainda não proferira com a boca, mas pronunciara com o coração. Enquanto diz: “Confessarei”, já confessou; por isso, “perdoaste a impiedade de meu coração”. A minha confissão, portanto ainda não chegara à boca, pois eu havia dito: “Confessarei contra mim mesmo”, todavia Deus ouviu a voz de meu coração. Minha voz ainda não chegará aos lábios, mas o ouvido de Deus já auscultara o coração. “Perdoaste a impiedade de meu coração”, porque eu disse: “Confessarei”.

16 Mas não bastara. Não declarou: “Confesarei minha injustiça ao Senhor”. Foi com razão que disse:

“Confessarei contra mim mesmo”, e isto importa. Muitos confessam sua iniquidade, mas contra o próprio Senhor Deus. Quando se veem com pecados dizem: Deus assim quis. Se, pois, o homem diz: Não fiz; ou: Esta ação que condenas não é pecado, não pronuncia isto contra si, nem contra Deus. Se disser: Efetivamente agi assim, e é pecado, mas foi Deus quem quis; que fiz eu? Isto é pronunciar contra Deus o seu pecado. Talvez digais: Ninguém diz isto. Quem diz que Deus quis assim? Muitos dizem. E os que não afirmam isto, que diferença há quando dizem: O destino me fez isto, minhas estrelas me fizeram tal coisa? Assim, dão uma volta, para chegarem a Deus. Por um rodeio querem acusar a Deus, os que não querem de cheio vir aplacar a Deus, e declaram: A sorte me fez isto. O que é a sorte? Foram as minhas estrelas. O que são estrelas? Certamente estas que contemplamos no céu. E quem as criou? Deus. Quem as colocou em seu lugar? Deus. Vês, pois, que quiseste afirmar: Deus me fez pecar. Assim, ele é injusto e tu és justo, porque se ele não agisse assim tu não pecarias. Acaba com estas desculpas de teus pecados. Lembra-te das palavras do salmo: “Não inclines meu coração para palavras malignas, a fim de desculpar-me dos pecados, com aqueles que praticam a iniquidade”. Mas, há grandes homens que defendem seus pecados. São grandes os que contam os astros, que calculam o movimento das estrelas e os tempos, e dizem quando alguém pecará ou viverá bem, quando Marte tornará alguém homicida, e Vênus fará um adúltero. Parecem importantes, doutos, seres de eleição, neste mundo. Mas, o que diz o salmo? “Não inclines meu coração para as palavras malignas, com aqueles que praticam a iniquidade, e não terei comunicação com os seus escolhidos” (Sl 140,4). Denominam eles eleitos e doutos os enumeradores das estrelas, chamam de sábios aqueles que parecem ler nas mãos os vaticínios humanos, e leem nas estrelas os costumes dos homens. Deus me criou dotado de livre-arbítrio. Se pequei, fui eu que pequei, de modo que não somente confessarei minha iniquidade ao Senhor, mas confessarei contra mim mesmo, e não contra ele. “Eu disse, Senhor, tem piedade de mim”: assim clama o doente ao médico, “Eu disse”. Por que: “Eu disse?” Bastaria: “disse”. Acrescenta: “Eu”, enfaticamente. “Eu”, eu mesmo, não o destino, não a sorte, não o diabo. Não foi ele que me forçou, mas eu mesmo que consenti em sua persuasão. “Eu disse: Senhor, tem piedade de mim, cura a minha alma, porque pequei contra ti” (Sl 40,5). Igualmente aqui decidiu e propôs-se. “Disse: Confessarei contra mim mesmo ao Senhor a minha injustiça, e perdoaste a impiedade de meu coração”.

17 6 “Por isso, todo santo há de te implorar na ocasião oportuna”. Em que ocasião? “Por causa

disso”. Por causa de quê? Da impiedade. A fim de quê? Para obter a remissão dos pecados. “Por isso, todo santo há de te implorar na ocasião oportuna”. Todo santo há de te suplicar, porque

perdoaste os pecados. Pois, se não perdoasses os pecados, não haveria santo para te suplicar. “Por isso, todo santo há de te implorar na ocasião oportuna”. Tempo oportuno será quando se manifestar o Novo Testamento, quando se manifestar a graça de Cristo. “Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus seu Filho, nascido de mulher” (Gl 4,4.5), isto é, de uma jovem. Assim falavam os antigos, sem fazer distinções. “Nascido sob a Lei, para remir os que estavam sob a Lei”. De que os redimiria? Do diabo, da perdição, de seus pecados, daquele ao qual os homens haviam se vendido. “Para remir os que estavam sob a Lei”. Estavam sob a Lei, porque a Lei os oprimia. Sua condição os oprimia, convencendo-os de culpa, não salvando. De fato, a Lei proibia o mal; mas como eles não possuíam forças para justificar-se a si mesmos, deviam clamar ao Senhor, como clamava aquele que se achava cativo sob a lei do pecado: “Infeliz de mim! Quem me libertará deste corpo de, morte” (Rm 7,23-24)? Todos eles estavam sob a Lei; dentro da Lei. Lei deprimente, que convencia de pecado; efetivamente, a Lei revelou o pecado. Ela cravou o espinho, fez o coração se compungir, admoestou a que se reconhecesse cada um como réu, e clamasse a Deus por perdão. “Por isso, todo santo há de te implorar na ocasião oportuna”. Dizia, portanto, acerca da ocasião oportuna: “Quando, porém, chegou a plenitude do tempo, enviou Deus o seu Filho”. Ainda diz o Apóstolo: “No tempo favorável, eu te ouvi. E no dia da salvação vim em teu auxílio”. E como o profeta fizera esta predição acerca de todos os cristãos, acrescentou o Apóstolo: “Eis agora o tempo favorável, eis agora o dia da salvação” (2Cor 6,2). “Por isso, todo santo há de te implorar na ocasião oportuna”.

18 “Quando as águas diluvianas transbordarem, jamais o atingirão”. A quem? A Deus. O salmista

costuma mudar de pessoa, conforme fez no salmo: “Do Senhor vem a salvação. Sobre o teu povo, a tua bênção” (Sl 3,9). Não disse: “Do Senhor vem a salvação”. Sobre seu povo, a sua bênção. Ou então: Senhor, de ti vem a salvação. Sobre teu povo, a tua bênção, mas tendo começado assim: “Do Senhor vem a salvação”, não se dirige a ele, mas fala a respeito dele. Depois, volta-se para ele, dizendo: “Sobre o teu povo, a tua bênção”. O mesmo acontece com o presente salmo; ouvindo dizer primeiro: “a ti”, e em seguida: “a ele”, não penses tratar-se de outro. “Por isso, todo santo há de te