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CAPÍTULO III. Procriação Assistida e Estabelecimento da Filiação

C. Presunção da parentalidade

A inseminação com recurso a um terceiro elemento estranho ao casal poderá ocorrer quando não se demonstre ser possível a obtenção de uma gravidez de outra forma, de acordo com o artigo 19.º, n.º1, da LPMA.

Quer isto dizer que a Conceção Medicamente Assistida heteróloga poderá, no caso de casais heterossexuais, ter lugar quando não seja possível obter gravidez com recurso ao material genético do marido ou daquele que viva em comunhão de facto com a mulher a inseminar ou, no caso de mulheres, quando a realização do seu projeto parental dependa do recurso a estas técnicas (artigo 6.º).

Há quem entenda que a presunção resultante da norma especial vigora mesmo que o nascimento da criança ocorra depois de uma eventual rutura da relação entre beneficiários. Será considerado pai da criança o indivíduo que prestou o seu consentimento mesmo que a mulher, após o nascimento da criança, já não se encontre casada ou unida de facto. Além desta hipótese, num eventual confronto entre a presunção e o consentimento, entende-se que deverá prevalecer o consentimento prestado. Ou seja, se a mulher, no momento da inseminação se encontrar numa relação que acabou por terminar e, entretanto, antes de a criança nascer, se case novamente, deverá prevalecer o estabelecimento da paternidade em relação ao indivíduo

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que prestou consentimento (afastando-se a presunção de paternidade pelo casamento ou união de facto da disposição civil)219.

Se a mulher for casada com um homem, será presumida a paternidade a favor do marido, de acordo com o n.º1 do artigo 20.º. Todavia, esta presunção poderá ser impugnada no caso de o consentimento não ter sido prestado de forma válida, seja porque não foi validamente prestado ou porque o foi mas para ato diferente daquele que originou o novo ser, conforme determina o n.º5.

Também assim sucederá no caso em que a mulher se encontre numa união de facto com uma pessoa do sexo masculino. Nestes termos, a presunção da paternidade será a favor do seu companheiro nos termos do, anteriormente mencionado, n.º1. A possibilidade de ser impugnado resultará do referido n.º5.

Na interpretação de Jorge Duarte Pinheiro, para o caso da união de facto, tratando-se de uma relação para familiar, a presunção será atípica e será necessária a perfilhação (nos casos em que reconheça a paternidade conforme o artigo 1853.º), um documento de prestação de consentimento (presume-se a paternidade do companheiro se for exigido no ato do registo do nascimento o documento comprovativo do respetivo consentimento nos termos dos artigos 14.º e 20.º, n.os 1 a 3, da LPMA) ou reconhecimento judicial (no qual o autor da ação poderá lançar

mão das presunções legais dos artigos 1816.º, n.º1, e 1871.º, n.º1 ou provar a dupla intenção do consentimento prestado para o ato e consequente vínculo). Aqueles primeiros poderão ser impugnados segundo o n.º5220.

No caso de o consentimento não ter sido validamente prestado ou tenha sido prestado para ato diverso do qual foi originada a criança, este pode ser impugnado. O consentimento, sendo impugnado, não produzirá o estabelecimento da filiação em relação ao pretenso beneficiário, que não consentiu, e à criança.

No caso de transferência de embriões excedentários para um casal diverso do casal original, a filiação ficará estabelecida quanto ao novo casal quando este seja heterossexual. Na hipótese de o casal ser constituído por dois elementos do mesmo sexo, Jorge Duarte Pinheiro considera que a filiação deverá ser estabelecida apenas em relação à pessoa implantada com o

219 Neste sentido, Rafael Luís Vale e REIS, O direito ao conhecimento …, op. cit., p. 448.

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embrião, quer nos casos de se tratar de uma mulher solteira, quer nos casos em que se trate de uma mulher que componha um casal homossexual221.

No nosso entender, será considerado pai da criança o elemento masculino do casal que tenha prestado o seu consentimento. Será mãe da criança o elemento feminino que, por um lado, tenha concebido a criança e, por outro lado, tenha consentido nas técnicas de PMA.

Uma vez que presentemente se consagra a possibilidade de as mulheres solteiras ou que estejam numa relação homossexual recorrerem a estes procedimentos, o nosso sistema jurídico considerou que a anterior regra de estabelecimento da paternidade (a favor do companheiro da mulher beneficiária de PMA que tivesse consentido) poderia ser harmonizada por forma a abranger também estas novas situações.

Estamos em crer que esta norma pretende englobar todas e quaisquer relações homossexuais femininas dado que permitiu, desde logo, que mulheres solteiras recorressem a estes procedimentos. A parentalidade será, então, estabelecida a favor da pessoa que, unida de facto ou casada com a beneficiária, tenha consentido validamente na Conceção Medicamente Assistida, quer se trate de um casal heterossexual ou homossexual feminino.

No que respeita ao casal homossexual, será a parentalidade atribuída quer à mãe biológica quer, no caso desta se encontrar numa relação homossexual, à mãe que tenha prestado o seu consentimento. Nos casos em que exista apenas a mulher solteira, a parentalidade será estabelecida somente quanto a si.

No que concerne ao estabelecimento da parentalidade em relação a duas mães, o artigo 20.º permite que a criança seja registada a favor da pessoa beneficiária e da pessoa que esteja casada ou unida de facto com ela e que prestou o seu consentimento. O bebé que vier a nascer será registado com o nome das duas mães.

Presentemente no Reino Unido concretizou-se o nascimento de uma criança através da intervenção genética de três pessoas: o pai beneficiário, a mãe beneficiária e a dadora. Trata-se de um técnica de fertilização que permite que o DNA mitocondrial da mãe beneficiária seja substituído pelo material genético da dadora. Neste caso, a mãe beneficiária apresentava uma

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doença do foro genético e esta técnica permitiu que tal mutação não fosse transmitida ao bebé222. O primeiro caso de utilização deste método foi noticiado em setembro de 2016223.

Também aqui é colocada a questão do anonimato da dadora224, que em momento algum

será identificada. Na verdade, tal como acontece nos demais casos de recurso a dador, não haverá estabelecimento da filiação a favor da dadora, mas apenas a favor dos pais beneficiários. Como já referimos, neste processo, a dadora só intervém com uma parte do seu DNA que será apenas o suficiente para que a doença da mãe beneficiária não se transmita para a criança que vier a nascer.