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CAPÍTULO IV. Procriação Assistida e Aspetos Sucessórios

C. Sucessão nas técnicas de PMA heterólogas

No que toca à procriação heteróloga teremos de partir do estabelecimento da filiação para compreender de quem a criança será herdeira. Serão estudados os casos de recurso a dador e também de maternidade de substituição.

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1. Sucessão no caso de dador

No caso do dador, um elemento externo ao casal beneficiário, este não terá qualquer vínculo com a criança como vimos anteriormente. Conforme o artigo 10.º, n.º2, da Lei n.º 32/2006, “[o]s dadores não podem ser havidos como progenitores da criança que vai nascer” e, portanto, não será considerados para efeitos de sucessão legal.

A criança nunca terá o direito de herdar legalmente do dador que lhe conferiu o direito a nascer uma vez que, como determina a LPMA, as pessoas que nasçam através destes meios de manipulação da fertilidade apenas poderão obter as informações de natureza genética que lhe digam respeito excluindo a identificação do dador, segundo o artigo 15.º, da referida lei.

Em suma, o dador não adquire o estatuto de pai da criança, pelo que não existe qualquer vínculo e, portanto, não existirão direitos ou deveres “originados” pelo ato da doação. Desta forma, como não se estabelece a filiação em relação ao dador, não haverá lugar a sucessão legal.

No entanto, é necessário ter em conta os casos, meramente hipotéticos, em que o dador possa vir a conhecer a criança. Estes casos não darão lugar ao estabelecimento da filiação. Porém, poderão suscitar relações afetivas entre o dador e a criança. Na eventualidade de o dador pretender que esta criança venha a suceder-lhe, terá de lançar mão da sucessão voluntária testamentária porque, como referimos, a sucessão legal248 decorre apenas do

estabelecimento de filiação.

Posto isto, o dador será sempre considerado como um terceiro, alguém que não tem qualquer vínculo e, talvez, nenhum contacto com a criança oriunda da Conceção Medicamente Assistida na qual auxiliou. Não se pode então vislumbrar qualquer tipo de sucessão legal. Poderá, no entanto, haver lugar a sucessão voluntária testamentária se, no caso do n.º 3 ou n.º4 do artigo 15.º, a criança tiver acesso a informações sobre a identidade do dador e, nessas hipóteses, vir a desenvolver-se alguma relação entre dador e criança.

Na eventualidade de tal ocorrer, a criança poderia vir a ser herdeira do dador, sendo certo que apenas beneficiaria dos bens que não prejudicassem a legítima destinada aos herdeiros legitimários que vierem a suceder ao testador.

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Uma outra questão que poderá ser suscitada na sequência do que estudamos anteriormente aquando da filiação relaciona-se com o estabelecimento da filiação a favor do dador, como defendia Rafael Luís Vale e Reis249. Apesar de esta solução não nos parecer

inteiramente viável, pelas razões que exprimimos no capítulo anterior, no caso de o dador vir a consentir que lhe seja atribuída a paternidade, será a criança sua descendente e, portanto, sua herdeira legítima e legitimária.

Concluímos que o dador, sendo um elemento externo, não deverá ser tido em consideração em matéria de filiação ou sucessão. Defendemos que poderá vir a ser conhecido pela criança e, eventualmente, desse modo, possa esta vir a ser sua sucessora mediante testamento. A sucessão legal, reservada aos descendentes, depende do estabelecimento da filiação que, tendo em conta que nos referimos a uma doação de material genético, não deverá ter lugar250.

2. Sucessão no caso de maternidade de substituição

Atualmente, a maternidade de substituição é admitida no nosso ordenamento e o legislador determina que será mãe a mulher beneficiária do recurso a esta técnica. Assim sendo, não existem grandes obstáculos que impeçam que a criança suceda aos seus pretensos pais, pois que, para todos os efeitos, a mãe de substituição não será tida em consideração.

Diferentemente do que acontecia antes da entrada em vigor da Lei n.º 25/2016, reconhece-se que a mulher que suporta a gravidez não deve ser a mãe da criança até porque não faz parte do projeto parental. Somente os pretensos pais serão considerados para efeitos de filiação e sucessão.

Os negócios de gestação de substituição, admitidos pelo artigo 8.º, podem auxiliar na Conceção Medicamente Assistida, quer por casal heterossexual, quer por casal homossexual feminino e até por mulher solteira. Se a criança nascer no seio de uma família constituída por um pai e uma mãe será herdeira legítima e legitimária desse mesmo casal. No caso de ser filha de um casal composto por duas mães será herdeira legal de ambas, uma vez que é registada a

249 Cfr. Rafael Luís Vale e REIS, O direito ao conhecimento …, op. cit., p. 480.

250 Esta solução é a que apoiamos também nos casos em que estejamos perante uma dadora como, por exemplo,

na situação que mencionamos relativamente à criança nascida no Reino Unido com o material genético de duas mães. Trata-se de um caso evidente de doação, de mero auxílio à Conceção Medicamente Assistida.

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favor das duas mães. Na hipótese de a criança ter apenas uma mãe, será herdeira legal somente dessa mulher.

Em qualquer um dos casos possíveis, a mãe de “aluguer” é considerada com um elemento alheio ao casal, sendo que o seu tratamento, em termos de sucessão, será semelhante ao que referimos para o dador. Em princípio, a criança nunca conhecerá esta mulher, pelo que nenhum vínculo de filiação será originado e, portanto, não haverá lugar à sucessão legal. Se, por hipótese meramente académica, a mulher pretender fazer da criança sua sucessora, terá de recorrer à sucessão voluntária testamentária.

D. A Lei n.º 17/2016 de 20 de junho

1. Mulheres solteiras

Como vimos anteriormente, a criança que nasça de procedimentos de manipulação da fertilidade utilizados por mulher solteira, será considerada como filha dessa mulher e não verá nenhum outro vínculo ser estabelecido.

Referimos previamente autores251 que entendiam não haver impedimentos no

estabelecimento da paternidade em favor do dador, desde que este consentisse. Ora, no caso de tal se verificar, a criança poderá também herdar desse dador, pelo facto de, nesta perspetiva, se considerar que será sua filha e, pelo artigo 2133.º, do Código Civil, fará parte da classe de sucessíveis.

Tendo em conta a LPMA e as disposições civis gerais, a sucessão no caso de recurso à Reprodução Assistida por mulheres solteiras significará que a criança herda dessa mulher. Haverá sempre lugar à sucessão legal da mãe biológica por força do estabelecimento da maternidade a favor da mulher que concedeu a criança.

Naturalmente, o recurso à Reprodução Medicamente Assistida por mulher solteira terá de ser realizado através de dador. Reiterando o que expusemos anteriormente, quanto ao dador não existe sucessão legal e poderá, hipoteticamente, ocorrer a sucessão testamentária. Se o filho

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tiver sido concedido através de um homem “a pedido”252 a solução será idêntica, a menos que

este homem pretenda assumir a paternidade.

Neste último caso, a questão já não será de integrar no estudo do recurso a PMA por mulheres solteiras, dado que o filho será de ambos e, como tal, poderá ser herdeiro legal de ambos. Esta situação terá um tratamento semelhante ao que referimos anteriormente aquando da análise do recurso às técnicas homólogas.

2. Mulheres em relação homossexual

Se a criança nascer no seio de uma relação homossexual feminina, admitida pelo nosso ordenamento jurídico, será considerada filha da mulher que tenha ligação genética com a criança, assim como da mulher que tenha consentido nestas técnicas. Desta forma, podemos dizer que é estabelecida uma “segunda maternidade” e do registo constarão “duas mães”.

A solução legislativa agora em vigor entende que a criança será filha de duas mulheres. Deste modo, a criança sucederá legalmente a ambas as mulheres, consideradas mães da criança.

Nas relações homossexuais femininas a sucessão legal decorrerá dos vínculos biológicos estabelecidos entre a criança e a mulher que a concedeu e dos vínculos consentidos em relação à outra mulher do casal que consentiu na PMA tendo em conta que ambas serão consideradas mães à luz da legislação em vigor.