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Por ser de fundamental importância para nosso estudo, necessário fixar bem o que se entende por presunção e a sua diferença em relação à ficção, termos jurídicos com acepções próprias, que não se confundem. A presunção divide-se em absoluta, relativa e mista. A presunção adota uma situação jurídica até certo ponto possível a partir de uma premissa correspondente a um episódio. Já a ficção traz para o mundo jurídico consequencia que sabidamente não advém do acontecido no mundo fático. Por isso, Miranda (2000, p. 497) professa:

A ficção enche de artificial o suporte fático; a presunção legal apenas tem como acontecido, ou não acontecido, o que talvez não aconteceu, ou aconteceu. A ficção tem no suporte fático elemento de que não se poderia induzir a situação que ela prevê. Daí, nada se presume, quando se elabora ficção. Se A, então B; e não se A, então AA.

[...]

A ficção abstrai de toda consideração de probabilidade: o legislador mesmo prescindiu de toda exploração do real; parece-lhe melhor criar o elemento ou os elementos do suporte fático e impô-los, como se fossem reais, ao mundo jurídico.

Ávila (2005b, p. 278-279) trilha na mesma linha ao afirmar que as ficções são utilizadas pelo Poder Legislativo com a finalidade de tornar verdadeiro algo que – pouco importa – é ou não é verdadeiro e cita, como exemplo, a condição de bens imóveis atribuída aos navios, bens móveis por excelência, para efeitos hipotecários.

Lima (1989, p. 57) sustenta que as ficções constituem meio de igualar relações de índoles diversas, de introduzir princípios desejáveis, mas de maneira a não perturbar a harmonia existente no sistema. Não podem ser introduzidas disposições contraditórias ou anômalas. Ficção não torna verdadeiro o que não é, mas produz consequências como se fosse.

As três formas de presunção diferenciam-se pela possibilidade ou não de prova em contrário e, também, quando possível, qual a prova admitida. Assim, a presunção absoluta, ou iures et de iure, não admite prova em contrário; a presunção relativa, ou iures tantum, admite prova em contrário , qualquer que seja ela; e a presunção mista, que se aproxima da absoluta quando de sua formulação, admite apenas as provas legal e especificamente previstas. Brito (2005, p. 103) esclarece muito bem a distinção, verbis:

Absoluta é jure et de jure porque ao ser formulada o legislador não admite prova em contrário. É jures tantum a relativa, porque admite prova em contrário, qualquer que seja ela. A mista é assim chamada porque, inicialmente, a descrição da situação não admite prova em contrário, aproximando-as da absoluta; porém, ao desenvolver-se essa descrição indica uma espécie específica de prova que poderá ser produzida em contrário, circunstância que se assemelha à relativa.

Importante referir que na presunção iures et de iure nenhuma prova em contrário é admitida, inclusive a notoriedade do fato, ou seja, todo o sistema de provas é afastado, que fica exaurido já no nascimento da norma e, por isso, são raras. Miranda (2000, p. 496) esquematiza a diferença entre ficção e as diversas espécies de presunção da seguinte forma, verbis:

Na ficção, tem-se A, que não é, como se fosse. Na presunção legal absoluta, tem-se A, que pode não ser, como se fosse, ou A, que pode ser, como se não fosse. Na presunção legal relativa, tem-se A, que pode não ser, como se fosse, ou A, que pode ser, como se não fosse, admitindo-se prova em contrário. A presunção legal mista é a presunção legal relativa, se contra ela só se admite a prova contrária a, ou a ou b. O magistério de Ávila (2005b, p. 279) aponta que as “presunções são utilizadas pelos Poderes Legislativo e Executivo como instrumento para se chegar, mediante a análise de alguns fatos ou atos conhecidos, a conclusões relativamente a outros fatos ou atos desconhecidos.” De um ato ou fato conhecido, o aplicador tira conclusões a respeito de outros atos ou fatos desconhecidos, mas altamente prováveis. Dá como exemplo que a partir da

mantença de depósitos bancários incompatíveis com os rendimentos declarados pode-se concluir que houve omissão de rendimentos à tributação.

Lima (1989, p. 57) afirma que a presunção baseia-se no que pode ter sido provável. Pode até ser contrária ao que na realidade aconteceu, mas não se mostra irracional. Cita exemplos de presunção a prescrição, coisa julgada e conhecimento obrigatório da lei.

No caso em estudo, substituição tributária progressiva, o texto constitucional (§ 7º do art. 150 da Constituição Federal) trata claramente de presunção quando refere no final do dispositivo “fato gerador presumido”, não sendo admitada a hipótese de se tratar de ficção, haja vista a conformação admitida para o fato gerador a partir de disposições legais. Trata-se de presunção não porque simplesmente existe o vocábulo no texto constitucional, mas porque a ele estão ligadas outras conformações legais que impedem tratar-se de mera ficção. Assim, sem razão Martins (2008, p. 348) que refere a substituição tributária como “fato gerador fictício” e a equipara a um verdadeiro empréstimo compulsório, só admissível nos termos do art. 148 da Constituição Federal. Por oportuno, imperioso distinguir o fato gerador presumido relacionado com a substituição tributária progressiva das antigas “pautas de valores” que atribuíam valores determinados para a base de cálculo das mercadorias nelas previstas. A respeito delas, Sousa (1970, p. 25) considerava exemplo de ficção legal, inadmissível no direito tributário, segundo seu entendimento. Porém, diversa a situação, pois, apesar de também ser aplicada a base presumida independentemente do valor atribuído às operações, não havia o mesmo critério e amparo legal existente para a substituição tributária, que, ao contrário, possui arcabouço jurídico sólido com lastro constitucional e, cujos valores são determinados a partir de pesquisas que apuram o preço médio, conforme determinação legal.

Do exposto, não resta dúvida que o fato gerador previsto no dispositivo constitucional é um claro exemplo de presunção relativa, que admite prova em contrário, mas cuja abrangência foi delimitada pelo STF a sua real e efetiva não ocorrência, estando descartada a hipótese de alegação relacionada com o valor efetivo do negócio realizado pelo substituído. Jamais se poderia cogitar de uma ficção, pois não está tornando verdadeiro algo que – pouco importa – é ou não é verdadeiro. Pelo contrário, a presunção de que ocorrerá um negócio com o consumidor final decorre da lógica aquisição de mercadoria e sua consequente alienação, ciclo econômico usual e perfeitamente previsível. Da mesma forma, as bases presumidas estão em estrita relação com os valores praticados, ou seja, de um ato ou fato conhecido o aplicador tira conclusões a respeito de outros atos ou fatos desconhecidos, mas altamente prováveis. Entretanto, se as bases presumidas estiverem desgarradas da realidade dos negócios efetuados, não se trata de ficção, mas de inadequada aplicação do instituto, que

merece correção não só de operacionalização como, talvez, de desenvolvimento de novas técnicas de trato das informações colhidas do mercado. São pontos muito relevantes e que serão analisados posteriormente. Mas, antes deles, cabe incursão na estrutura da norma tributária porque nela encontramos a definição de base de cálculo, aspecto material intimamente ligado ao instituto da substituição tributária.