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Feito, prévia e oportunamente, um revolvimento histórico acerca dos direitos fundamentais e da relevância destes, é hora de voltar o olhar, efetivamente, para o núcleo deste trabalho. A presunção de inocência assume importância determinante para a garantia da condição de sujeito de direitos que os seres humanos possuem em nosso ordenamento jurídico atual20 , de forma que é indispensável ao Estado Democrático de Direito.

Afinal, segundo Santos (2019, p. 01-02), a presunção de inocência é garantia política da sociedade contra o poder punitivo estatal, enquanto a efetividade da jurisdição constitui interesse pragmático do Estado no que tange ao controle social. A sua definição, na Constituição, não explicita o termo presunção de inocência, mas insere o conteúdo empírico do juízo de culpa na forma jurídica da condenação penal transitada em julgado. Logo, o inciso LVII, do artigo 5º, da CRFB/88 demonstra que o conteúdo do juízo de culpa ou existe na forma de sentença transitada em julgado ou não pode existir de nenhuma forma.

A discussão da presunção de inocência não é restritiva, não se esgotando em si mesma, visto que este é um direito da sociedade. Ora, este direito é fundamental não só para aqueles que ainda estão sendo investigados ou para aqueles que já sentem o peso de um processo penal em seus ombros, mas também para os demais cidadãos, os quais, em algum dia, em um futuro distante ou próximo, poderão sentir, em seu desfavor, a sobrecarga de qualquer processo ou mesmo de uma injustiça.

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Barbagalo (2015, p. 49), a fim de estudar a estruturação e o alcance do princípio no Brasil, constrói um tracejo histórico da fórmula da presunção de inocência na CRFB/88. Após a ditadura militar, com o retorno de um presidente civil ao poder, em 1985, foi editada a Emenda Constitucional nº 25, que convocava o Congresso Nacional para elaborar um novo texto constitucional, mediante uma assembleia constituída pela maioria dos parlamentares eleitos nas eleições de 1986 e por senadores biônicos. Consequentemente, seguiu-se a elaboração de vários projetos de textos constitucionais, dentre os quais se destacou, inicialmente, o Projeto Afonso Arinos, que previu expressamente a presunção de inocência em seu artigo 47, cujo texto estabelecia: “presume-se inocente todo acusado até que haja declaração judicial e sua culpa”. A despeito de ter sido arquivado posteriormente pelo Ministério da Justiça, o Projeto serviu de base para muitos dos outros textos anteriores à CRFB/88. Ganhou relevância, no entanto, a Emenda nº 1P11998-7, elaborada especificamente sobre o tema pelo então senador José Ignácio Ferreira, que sugeriu, pela primeira vez na história constitucional do Brasil, a adoção do princípio da presunção de inocência, nos moldes da fórmula da não culpabilidade. Antes disso, seguiram-se outros trabalhos que, em geral, reproduziam a regra da presunção de inocência, embora com nuances variadas, mas foi a fórmula introduzida pelo ex-senador que ganhou destaque e foi aprovada para, posteriormente, figurar no texto da CRFB/88.

Da forma como é concebida hoje21, a presunção da inocência, assim como a liberdade de expressão, originou-se de uma importante luta social, traçada ainda na Revolução Francesa, o berço da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 178922. Encabeçada com o lema “Liberté, Egualité e Fraternité”, o documento mencionado acima foi indispensável, como já aduzido, para as transformações do nosso ordenamento jurídico, sobretudo do sistema processual penal acusatório.

A positivação do princípio não poderia ser mais circunstanciada. Tratava-se da consagração de valores racionalistas estabelecidos pelo Iluminismo setecentista, cujos maiores representantes eram Rousseau, Voltaire, Montesquieu e, em matéria penal, o Marquês de Beccaria. Considerar o acusado presumidamente inocente significava contrapor-se a elementos integrantes do Ancien Régime, caracterizado pelos julgamentos eivados de inquisitoriedade, pelas prisões sumárias e pelas provas taxadas com valor legal.

Significava, além disso, conter o poder punitivo estatal, em defesa da liberdade do indivíduo, mesmo quando acusado de um delito. Mais adiante, em decorrência dos graves episódios ocorridos durante a Segunda Guerra Mundial, foi editada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, reafirmando bases ideológicas já fixadas na Revolução Francesa, mas que podem ter sido esquecidas pelo mundo devastado após as duas grandes guerras.

A suprareferida declaração aprovada e proclamada pela 183ª Assembleia da Organização das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, assegurou, de forma explícita, em seu artigo 11, a presunção da inocência até que a culpabilidade do acusado restasse legalmente provada no decurso processual23, em um julgamento no qual todas as garantias necessárias para a defesa fossem asseguradas.

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A despeito de remontar ao direito romano, a presunção de inocência foi ofuscada ou, segundo Ferrajoli (2010, p. 506), invertida completamente, em razão das práticas inquisitórias desenvolvidas na Baixa Idade Média. Isso porque, ante a insuficiência de prova, conquanto subsistisse um mero resquício de culpabilidade, equivalia a uma semiprova, que comportava um juízo de semiculpabilidade e a uma

semicondenação. Somente, na Idade Moderna, portanto, é que tal princípio foi reafirmado com

firmeza. Por isso, quando referido, neste trabalho, que a origem da presunção de inocência remonta ao final da Revolução Francesa, estar-se-á falando nesse sentido, da sua reafirmação no cenário mundial. 22

No artigo 9º da referida declaração, já se estabelecia que “Todo o acusado se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor não necessários à guarda da sua pessoa, deverá ser severamente reprimido pela Lei”.

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No original: “XI.1 Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa”.

No âmbito das organizações regionais, a Convenção Europeia de Direitos Humanos, subscrita em Roma, em 4 de novembro de 1950, em seu artigo 6.2, ao assegurar o direito ao processo equitativo, estabeleceu, nitidamente, a garantia de o acusado presumir-se inocente “enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada”.

Em outra escala, emergiu o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado e aberto à assinatura pela Resolução 2.200-A pela XXI Assembleia Geral da ONU, em 16 de dezembro de 1966, entrando em vigor quase 10 (dez) anos depois. O artigo 14 do Pacto faz menção à presunção de inocência como direito24 e a coloca juntamente com outros que, para Batisti (2009, p. 40), configuram princípios ou regras do devido processo legal. No Brasil, foi incorporado pelo Decreto 592, de 06 de julho de 1992, ampliando direitos fundamentais e conferindo contornos mais efetivos a vários direitos enunciados.

Na mesma linha, é importante que nos reportemos à Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969, o conhecido Pacto de San José da Costa Rica. No Brasil25, a Convenção foi promulgada pelo Decreto 678, de 06 de novembro 1992. Ao tratar das garantias judiciais, o artigo 8º, nº 02, 1ª parte, já dispunha que quem for acusado da suposta prática de um delito tem direito a que se presuma sua inocência “enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.

Em uma rápida análise, percebe-se que o Pacto de San José da Costa Rica, o qual assume caráter supralegal26 em nosso ordenamento jurídico, trata a presunção de

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“Artigo 14, §2º - Qualquer pessoa acusada de infracção penal é de direito presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido legalmente estabelecida”.

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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm. Acesso em: 02 out. 2019. 26

Vide BRASIL. STF, Pleno, Rext. nº 466.343/SP, rel. Min. Cezar Peluso, j. 22.11.2006. Destaque-se, ainda, que, posteriormente, em outros julgados, o STF reconheceu a que os tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal: STF, Segunda Turma, HC nº 90.172/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 05.06.2007, v.u. Nesse sentido, Lopes Júnior e Badaró (2016, p. 05-06) explicam o tratamente supralegal conferido. Vejamos: “No referido recurso, decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, após o voto do Relator, Ministro Cezar Peluso, que negava provimento ao recurso, sem adotar uma posição expressa quanto à questão da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos, votou o Ministro Gilmar Mendes, que acompanhou o voto do relator, acrescentando aos seus fundamentos que os tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal, o que torna inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitantes, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica. Esse relevantíssimo precedente significou uma mudança no posicionamento do Supremo Tribunal Federal, que passou a entender que a Convenção Americana de Direitos Humanos tem natureza supra legal (posição do Min. Gilmar Mendes) ou materialmente constitucional (posição do Min. Celso de Mello). De qualquer forma, e este é o ponto relevante, as leis ordinárias, anteriores ou posteriores à CADH, que com ela colidirem, não

inocência como uma garantia processual. Portanto, a presunção de inocência assumiu um status universal definitivo, de modo que, nas Cartas, nos Pactos, nos Tratados ou nas Convenções – de caráter universal ou regional -, passou a garantir novos tons ao contexto processual.

Em terrae brasilis, como é cediço, a presunção de inocência veio a ser inserida, efetiva e explicitamente, em âmbito constitucional, com o advento da atual Constituição, especificamente com o inciso LVII, do artigo 5º, o qual apregoa, ipsis verbis, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

Com uma redação enxuta e forte, tem-se, pela primeira vez na história do nosso País, um enunciado normativo cujas normas dele extraídas representam uma das mais importantes garantias de todos os cidadãos no âmbito processual penal. O supramencionado inciso constitucional, cuja base normativa é principiológica, traz importantes reflexos para a esfera do cidadão e para as relações por ele traçadas.

Como princípio que é, nos dizeres de Batisti (2009, p. 111), a presunção de inocência assume uma dimensão abstrata, não podendo ser entendido como incidindo, exclusivamente, sobre o processo. Diante da grande abrangência e salutar importância, tal princípio constitui garantia que, como tal, pende sobre os direitos material e processual, em que pese seja mais fácil compreendê-la sob a ótica deste último.

Tourinho Filho (2007, p. 28-29), reconhecendo a importância do princípio enquanto corolário maior do due process of law, ressalta sua origem no direito natural, por ser relacionado ao estado original de inocência de todos os indivíduos, a reclamar pelo culto à liberdade e à dignidade da pessoa humana. Embora admita não ser devida uma interpretação ao pé da letra do princípio, assevera que seu significado real garante a impossibilidade de tratamento do indivíduo como culpado até que seja provada a culpa ou até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Segundo Lopes Júnior e Badaró (2016, p. 7), não é exagero considerar a presunção de inocência como pressuposto de todas as outras garantias do processo, visto se tratar de uma marco quanto à posição do acusado como sujeito de direitos no processo penal. O legislador brasileiro positivou que todo cidadão, submetido ou não à terão eficácia jurídica. Em termos práticos, qualquer norma infraconstitucional, que conflite com a garantia da imparcialidade do juiz, assegurada expressamente na Convenção Americana de Direitos Humanos e no Pacto internacional de Direitos Civis e Políticos, anterior ou posterior à promulgação de tais tratados, não mais poderá ter aplicação”.

persecução penal, deve gozar de um estado de inocência – ou de não culpabilidade, como consta expressamente, no texto constitucional - que só pode ser afastado depois do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória.

Nesse momento, o nosso constituinte busca afastar qualquer forma de condenação antecipada e, de fato, não poderia ter agido mais acertadamente ante as influências recebidas pelo mundo afora e os novos caminhos que nosso País haveria de tomar rumo a um cenário garantista, tendo o homem como sujeito de direitos em seu centro.

Em atenção a esta condição, o homem precisa estar protegido frente a eventuais abusos cometidos pelos seus semelhantes ou pelo próprio poderio do Estado, frutos de uma mentalidade punitivista e inquisitória, resquício de um passado não muito longínquo. Por isso que se instituiu a presunção de inocência, em caráter constitucional, como garantia essencial ao Estado Democrático de Direito.

Afinal, se o que está positivado em lei não é respeitado em um Estado de Direito, estamos diante de uma realidade preocupante. Se assim fosse, o próprio Estado Democrático de Direito, com seus preceitos e valores, vai mal e corre sério risco se os líderes dos poderes da República – em atenção especial ao Judiciário que tem dimensão contramajoritária27 - optem por atender ao clamor popular em detrimento da lei.

Assim sendo, em que momento da história estamos de fato? Corremos o risco de retornar aos horrendos e reprováveis julgamentos romanos28 sem qualquer garantia para aquele que está sendo julgado? Não é razoável permitir tamanho retrocesso. O direito é balança, mas também é espada, de forma que nada nos foi dado, mas tudo foi conquistado. Atingimos um ponto do nosso amadurecimento jurídico, a despeito de não ser o ideal, que a presunção de inocência não pode – nem deve – mais ser dissociada da nossa realidade.

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Embora a sensação de impunidade que acomete algumas camadas da sociedade seja “algo muito agressivo”, o Judiciário não tem nada a fazer além de seguir o que está escrito na Constituição. Especialmente quando o texto constitucional é claro e não dá margem a interpretações, como ao permitir o cumprimento da pena só depois do trânsito em julgado. É o que defende o Ministro Maia Filho (2016), do STJ. Ele reconhece que a justiça, por vezes, demora demais para dar soluções a casos rumorosos, e que isso é um problema que deve ser combatido. “Mas não é com a antecipação da prisão que isso vai se resolver”. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2016-set-18/entrevista-napoleao- nunes-maia-filho-vice-decano-stj. Acesso em: 30 set. 2019.

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Nos dizeres de Fernandes (2017, p. 248), “A título de exemplo, têm-se os entretenimentos que ocorriam no Império Romano, em que o público lotava o Coliseu para assistir e vibrar quando os acusados, dos mais diversos tipos de crimes, eram jogados aos leões, que lhes destroçavam os corpos”.

O princípio da presunção de inocência coaduna-se com a função garantista do Direito Processual Penal, estando prevista nas constituições dos países e nos códigos processuais penais por influência das revoluções liberais. Os escopos processuais penais, possivelmente, restariam inatingíveis ao se prescindir de considerar o acusado como presumidamente inocente até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

De fato, a importância da presunção de inocência em um Estado Democrático de Direito é peculiar, razão pela qual está inserida no Título II da nossa Constituição, inerente aos “Direitos e Garantias Fundamentais”. Ora, fundamental é aquilo considerado indispensável, sem o qual o todo não funciona e, ainda que funcione, não funciona bem.

É, portanto, uma condição sine qua non, de forma que, sem a presunção de inocência, o processo penal e todo o sistema não funcionam a contento, dissonante ao sentimento de justiça inerente a um Estado Democrático de Direito. Por isso, as tranformações sociais diárias merecem tanta atenção. Mais que uma garantia posta em nossa Constituição, a presunção de inocência precisa sair – ainda mais – do papel e povoar os mais diversos momentos anteriores e durante o processo até que a culpa do acusado seja legalmente provada.

3.1 Aspectos a orientar a gênese e a influência anglo-saxônica do princípio da presunção de inocência: a desconstituição do beyond reasonable doubt

De início, é importante lembrar que a presunção de inocência é uma conquista, de certa forma, recente na história da humanidade, pois foi reafirmada em 1789 com a Déclaration de Droits de l’Homme et du Citoyen. Durante a Idade Média, o indivíduo poderia ser castigado por motivos indignos de uma punição com privação da sua liberdade, como ter má fama ou conduzir a vida de forma inadequada aos padrões morais da época, de modo que, não raro, era enxergado como suspeito de cometer delitos.

Assim sendo, aqueles entregues à ociosidade eram considerados delinquentes prováveis, estado de periculosidade presumido elevado o suficiente para carrear a imposição de uma pena arbitrária. Não muito diferente, o estado absolutista foi omisso ao reconhecer o estado presumidamente inocente de um acusado. Segundo

Foucault (2002, p. 37), a culpa era constituída por cada elemento que permitia reconhecer um culpado.

Dessa forma, uma meia-prova não tornava o suspeito inocente enquanto a prova não restasse consolidada, mas fazia dele um meio-culpado. Pior que isso: um indício leve de um crime grave já era o bastante para taxar alguém como um pouco delinquente. De forma análoga, a Santa Inquisição desconsiderava, veementemente, o princípio da presunção de inocência, de modo que Eymerich (1993, p. 124), ao tratar do interrogatório conduzido pelos inquisidores, disciplinava que deveria ser feito “com calma, sem irritação, e considerando sempre o acusado como culpado”.

Uma realidade totalmente repugnante e diferente dos moldes atuais, portanto. Como já visto anteriormente, com a ascensão da burguesia e o advento do Iluminismo, as ideias liberais ganharam envergadura, e o homem como sujeito de direitos viu-se no centro da nova perspectiva, destacando-se obras de grande repercussão, como “Dos Delitos e das Penas”, de Beccaria29.

A partir disso, a presunção de inocência foi arraigando-se nos sistemas processuais das nações – em que pese os positivistas seguidores de Ferri, conforme ressalta Silva Júnior (2015, p. 75), não terem aceitado a presunção de inocência de forma absoluta, pois, ao passo em que é concebida como uma verdade relativa, torna-se possível de ser eliminada. No direito anglo-saxão, a presunção de inocência (not guilty) apresenta-se como derivada do due process of law, extraída do direito de permanecer calado para não se autoincriminar (right to stay mute). Mas nem sempre foi assim.

Anteriormente à segunda metade do século XVIII30, quando foram editadas as declarações de direitos norte-americana e francesa contendo a presunção de inocência, o grau de tortura era tamanho que, muitas vezes, acusados eram mortos caso insistissem em permanecer calados ou se se recusassem a serem julgados. Ou seja, o que hoje é considerado como um direito fundamental, informado pelo magistrado logo

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Atribui-se a Beccaria, com a escrita da referida obra, o pontapé inicial, do ponto de vista jurídico penal, das ideias iluministas que caracterizaram a escola clássica. Inaugurou, portanto, a fase filosófica da escola clássica, de afirmação teórica das novas concepções, com ênfase para a teoria do contrato social. Para Beccaria (2013, p. 27), a referida teoria apregoa que “leis são condições sob as quais homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de conservá-la”.

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Segundo Ferreira (2013, p. 45), somente na segunda metade do século XVIII, convencionou-se que, quando um indivíduo acusado de um crime se recusava a responder as acusações que lhe eram imputadas, uma afirmativa de “não culpabilidade” (not guilty) deveria ser exarada por um terceiro em seu favor. Tal ato tem o mesmo efeito que se o acusado o tivesse feito, firmando-se a regra nos moldes em que prevalece até o momento presente na jurisdição dos Estados Unidos da América e do Canadá. Em virtude disso, no direito anglo-saxão, o processo se instaura pela presunção de inocência.

no início do interrogatório do acusado – o direito ao silêncio, bem como a vedação a não autoincriminação -, já cerceou a liberdade de muitos em tempos anteriores.

Ainda, no sistema anglo-saxão de forte componente jurisprudencial, encontrando-se a presunção de inocência estabelecida doutrinariamente como elemento da Common Law – a qual resulta expressamente do texto legal fundamental da constituição norte-americana -, veio a ser designada como princípio fundamental do processo penal pela jurisprudência, pela primeira vez, respectivamente, nos Estados Unidos e no Reino Unido pelos acórdãos Coffin v. US e Woolmington v. DPP31.

Em linhas gerais, ambos os acórdãos fazem menção à apreciação do princípio da presunção de inocência, à análise dos indícios em contraposição com o

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