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B. A PESQUISA: O ANDAR METODOLÓGICO

1.2. O CAMPO DA EDUCAÇÃO SEXUAL

1.2.4. PREVENÇÃO

Contextualizando a educação sexual na escola, vislumbramos seus objetivos. No decorrer desse trabalho, mostramos várias vezes onde eles aparecem como nos objetivos dessa pesquisa, no objetivo dos PCN (2001a) ao orientar os/as professores/as no trabalho com a sexualidade e no histórico da educação sexual, no qual mostramos os objetivos de trabalhar o tema em vários momentos da nossa história. Entre uma infinidade de motivos que podemos encontrar para justificar o trabalho de educação sexual nos primeiros anos do Ensino Fundamental, destacamos a prevenção. Utilizamos vários atenuantes presentes no dia a dia das crianças que requerem uma atenção especial por parte dos/as adultos/as, dos/das professores/as e outros/as profissionais. A seguir, relacionamos exemplos suficientes para mostrar que a educação sexual pode prevenir situações de risco às crianças.

Apesar de Freud (2002) afirmar que as crianças entre 6 e 12 anos se encontram numa fase de sublimação dos impulsos sexuais, defrontamo-nos com um bombardeio de informações e imagens que fazem com que elas não consigam ignorar o que se passa à sua volta. Dentro desse contexto, encontramos a mídia num papel extremamente importante no que diz respeito à erotização das crianças. Questionamos se ela está ajudando a formar pessoas mais saudáveis e livres de preconceitos ou antecipando precocemente sua sexualidade, provavelmente distorcendo o encontro natural entre essa sexualidade e a maturidade. Ou seja, defrontam-se com a manifestação da sensualidade, do erotismo, do desejo antes mesmo de se encontrarem com maturidade suficiente para entender o que acontece com seus sentimentos.

Em 1990, a Escola de Comunicação da Universidade de São Paulo mostrou os resultados de uma pesquisa sobre quanto o sexo e a violência foram ao ar entre maio e junho daquele ano. A divulgação desses resultados levou o público a se posicionar. Enquanto uns

opinavam favoravelmente à convivência das crianças com uma sexualidade menos reprimida e até com a aprendizagem de lições de amor, consequentemente, melhorando a qualidade das relações entre as pessoas, um número ainda maior de pessoas condenava a erotização doentia que adentrava os lares, inclusive em horários considerados, até então, apropriados às crianças e adolescentes. Os entrevistados dessa pesquisa falavam em estímulo precoce ou transgressoramente da sexualidade nas crianças (SIMONETTI, 1993).

Falar de sexo é, certamente, positivo, mas é necessário tomar alguns cuidados. Simonetti (1993, p. 84-85) fala da padronização do que é ser menina e do que é ser menino. Segundo o autor, a mídia reproduz de maneira rígida a diferenciação entre homens e mulheres como, por exemplo,

a imagem das apresentadoras, esbanjando beleza, candura, alegria, sensualidade e outros elementos que facilitam a identificação das meninas com o papel feminino. Para os meninos, sua identificação com a virilidade se referencia nos desenhos, nas competições, para não falar da pitada de erotismo das apresentadoras. [...] E onde fica a sexualidade em tudo isso? O que se percebe é uma certa padronização, onde milhares de meninas brasileiras usam sapatinhos, vestidinhos, pulseirinhas e tiarinhas que transportam para as ruas a presença virtual dos ídolos femininos e sua corte. É o modelo de “menina feminina” imaginado pelas forças do mercado não só para as crianças, mas no lugar delas.

A televisão brasileira forma, informa e enforma (colocar numa forma) a sexualidade das crianças. Criticar, opor-se a essa exibição na mídia é salutar, mesmo sabendo que ainda não há força capaz de confrontá-la (SIMONETTI, 1993). Lembrando da epígrafe de Marcos Ribeiro (2009) que introduz o primeiro capítulo desta dissertação, percebemos que muitos programas, assim como muitos livros didáticos, ainda trazem os papéis sexuais deturpados. Meninas são sensíveis, meigas e usam rosa; meninos são durões, fortes e usam azul.

Outro fato a se considerar na questão da educação sexual é o abuso sexual. De acordo com Azevedo e Guerra (1995 apud AZEVEDO; GUERRA, [200?], p. 16), a violência sexual

configura-se como todo ato ou jogo sexual, relação hétero ou homossexual, entre um ou mais adultos (parentes de sangue ou afinidade e/ou responsáveis) e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente uma criança ou adolescente ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual sobre sua pessoa ou outra pessoa. Ressalte-se que em ocorrências desse tipo a criança é sempre vítima e não poderá ser transformada em ré.

Ferreira (2002, p. 35) acrescenta fatores interessantes no conceito de abuso sexual, como o caráter incestuoso em muitos casos e a não obrigatoriedade do coito propriamente dito nem de lesões físicas.

Abuso/Violência Sexual: geralmente praticada por adultos que gozam da confiança

da criança ou do adolescente, tendo também a característica de, em sua maioria, serem incestuosos. Nesse tipo de violência, o abusador pode utilizar-se da sedução ou da ameaça para atingir seus objetivos, não tendo que, necessariamente, praticar uma relação sexual genital para configurar o abuso, apesar de que ela acontece, com uma incidência bastante alta. Mas é comum a prática de atos libidinosos diferentes da conjunção carnal como toques, carícias, exibicionismo, etc., que podem não deixar marcas físicas, mas que nem por isso, deixam de ser abuso grave devido às conseqüências emocionais para suas vítimas.

Alguns autores utilizam o termo abuso sexual, como Gauderer (1993), Brino e Willians (2003), Maia (2005b), enquanto Azevedo e Guerra (1995 apud AZEVEDO; GUERRA, [200?]) usam violência sexual. Oliveira, Campos e Rodrigues (UNICEF, 2007) consideram o abuso sexual, juntamente com a exploração sexual, como tipos de violência sexual, enquanto Ferreira (2002, p. 3-36) utiliza as duas formas a seguir: “Violência/Abuso Sexual e Abuso/Violência Sexual.

Azevedo e Guerra foram as pioneiras na sistematização da pesquisa nessa área. Percebemos o empenho delas em unificar as terminologias, mas considerando, segundo os/as próprios/as autores/as citados/as no parágrafo anterior, que existe uma confusão dificultando muitas vezes a conceituação das diversas situações estudadas, optamos pelo termo abuso sexual, devido ao uso frequente nos trabalhos pesquisados e por ter sido esse o termo utilizado com os/as nossos/as entrevistados/as.

Brino e Williams (2003), em sua pesquisa sobre concepções de professoras sobre o abuso sexual infantil, entrevistaram 20 professoras da Pré-Escola das EMEIs (Escolas Municipais de Ensino Infantil) do município de São Carlos-SP. Elas perceberam que a maioria das professoras não tinha informações suficientes para lidar com esse tema. Tais professoras assumiram que agiam de maneira inadequada diante da constatação de casos de abuso sexual enfrentados por alguns/algumas de seus/suas alunos/as. Para as autoras, o número pequeno de participantes na pesquisa (menos de 50% das convidadas) pode ter sido em decorrência do desconforto provocado pelo tema. Apesar de as entrevistadas terem assinalado que tomariam algum tipo de procedimento em caso de abuso sexual, as pesquisadoras perceberam que a maioria nem sequer citou a opção “denúncia”. Portanto,

segundo as autoras, são necessários “estudos mais aprofundados, envolvendo a utilização da legislação como o ECA”, no sentido de que professores/as que trabalham com crianças possam adotar procedimentos adequados em casos de abuso sexual (Ibid., p. 126).

Quanto ao número de casos denunciados, Azevedo e Guerra (1995 apud AZEVEDO; GUERRA, [200?], p. 17) afirmam que é muito pequeno para a dimensão da realidade. Elas falam em um “complô de silêncio”, no qual envolvidos tais como “profissionais, vizinhos, parentes, familiares e até a própria vítima” silenciam e, por isso, muitos casos acabam ficando fora das estatísticas. As autoras veem como um fator dificultante o descompromisso da universidade com relação a essa questão, mas apontam que a existência de “iniciativas públicas e privadas de combate a esse mal deve contar com o fortalecimento de levantamentos de dados representativos e confiáveis, para assegurar sua ampliação e aprofundamento controlados” (Ibid., p. 25).

Furlani (2005b) afirma que a possibilidade de crianças sofrerem abuso sexual está sendo reconhecida pelas políticas públicas, especialmente pelos PCN, quando apontam a educação sexual como preventivo. Um trabalho de autoconhecimento, juntamente com informações corretas levará os/as alunos/as a refletirem sobre a sexualidade e a ampliarem a consciência sobre os cuidados a serem seguidos e, dessa forma, se prevenirem da violência sexual (BRASIL, 2001a).

Para o médico E. Christian Gauderer (1993), a criança deve saber que o corpo é dela e ninguém poderá tocá-lo, se ela não consentir. E que, inclusive, isso é válido para os dois gêneros. Esse médico diz que a educação sexual deve ser rotina em todas as instituições de ensino, como uma forma de prevenção contra o abuso sexual.

Na adolescência, a gravidez ocorre, geralmente, por conta de alguns fatores: desinformação, dificuldade de acesso a serviços de planejamento familiar, custo do método contraceptivo, necessidade de uso clandestino (as relações podem ser às escondidas e por isso sem deixar pistas do uso de preservativos); não cooperação do parceiro para tomar as devidas precauções; preconceitos como, por exemplo, o mito de que a pílula engorda e de que a camisinha diminui o prazer (VITIELLO, 1993). Isso nos leva a crer que a educação sexual para as crianças poderia minimizar esse problema. A partir do conhecimento recebido ao longo dos primeiros anos escolares é possível que, ao chegarem à adolescência, sejam capazes

de agir com mais segurança e responsabilidade, o que não significa dizer que terão de evitar as relações sexuais, por exemplo.

Bastos (2009) realizou uma pesquisa com oitenta alunos/as de um colégio privado de Aracaju-SE. Como resultado da questão sobre a iniciação sexual desses/as estudantes, verificou-se que 54% do total dos/as pesquisados/as iniciaram a vida sexual entre os treze e quinze anos de idade. Esse é mais um dado que justifica a inclusão do tema sexualidade nos anos iniciais da educação escolar, pois se eles/as já estiverem cientes das suas responsabilidades, poderão se prevenir e retardar uma possível gravidez e/ou evitar uma DST.

O/a adolescente precisa tomar ciência de seu corpo e de suas possibilidades para, inclusive, optar ou não pela gravidez, desde que com responsabilidade. A educação sexual está ainda incipiente e dada a sua importância na formação do sujeito é que se afirma a necessidade da escola trabalhar o tema sexualidade desde os anos iniciais, pois como diz Vitiello (1993), quando os/as adolescentes chegam aos consultórios, muitas vezes, já não há muito que fazer para ajudá-los/as. Ou o abuso já aconteceu, ou a gravidez já é um fato.

O Departamento de Política, Estratégia e Pesquisa da UNAIDS (1997) realizou uma revisão das pesquisas sobre intervenções de educação sobre saúde sexual. Dos 53 estudos avaliados, 27 relataram que essas intervenções não resultaram em aumento ou diminuição da atividade sexual nem, conseqüentemente, de gravidez; tampouco de doenças sexualmente transmissíveis entre os jovens. Outros 22 estudos citaram que devido à ocorrência de tais intervenções, houve atraso no início da atividade sexual, redução do número de parceiros sexuais, assim como do número de gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis. Somente três estudos mostraram um aumento desses fatores associados à educação sexual12.

Investir na educação sexual é uma forma de podermos formar adultos mais equilibrados, críticos, livres de tabus e preconceitos, que possam viver sua sexualidade sem culpas. Que sejam capazes de evitar o autoritarismo e a violência sexual e, dessa forma,

12 Texto original: To assess the effects of HIV/AIDS and sexual health education on young people’s sexual

behaviour, a comprehensive literature review was commissioned by the Department of Policy, Strategy, and Research of UNAIDS, the Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. Sixty-eight reports were reviewed. Of 53 studies that evaluated specific interventions, 27 reported that HIV/AIDS and sexual health education neither increased nor decreased sexual activity and attendant rates of pregnancy and STDs. Twenty-two reported that HIV and/or sexual health education either delayed the onset of sexual activity, reduced the number of sexual partners, or reduced unplanned pregnancy and STD rates. Only three studies found increases in sexual behaviour associated with sexual health education.

tenham maior capacidade de intervir positivamente nas mais diversas situações relacionadas à sexualidade. Como diz Figueiró (2006, p. 17):

Se pensarmos que a finalidade maior da educação sexual é contribuir para que o educando possa viver bem a sua sexualidade, de forma saudável e feliz, e, ao mesmo tempo, contribuir para que ele esteja apto a participar da transformação social, em todas as questões ligadas direta ou indiretamente à sexualidade, podemos concluir que o professor que ensina sobre sexualidade, de forma humanizadora, está sendo

um mediador de esperanças e de projetos de vida.

As crianças e os jovens permanecem muito tempo dentro da escola, vivenciam relações sociais e afetivas nesse ambiente. Desse modo, é oportuno lembrar a afirmação contida nos PCN (BRASIL, 2001a, p. 114) com relação à educação sexual no espaço escolar como uma maneira de contribuir para a prevenção de “problemas graves como o abuso sexual e a gravidez indesejada”. No entanto, mesmo que a gravidez na adolescência seja desejada, ela precisa ser vista com responsabilidade. Portanto, possibilitar às crianças e aos/às jovens a discussão e a reflexão sobre temáticas da educação sexual, tais como, a compreensão sobre de onde vêm os bebês, a gravidez, os métodos contraceptivos, o abuso sexual e etc, pode colaborar para o seu autoconhecimento, proporcionando o seu bem-estar “na vivência de sua sexualidade atual e futura” (BRASIL, 2001a, p. 115), bem como os habilitará a se prevenirem das adversidades que possam surgir no campo da sexualidade, tais como violência sexual e gravidez.