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CAPÍTULO 3 A Educação Sexual nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental

3.1. CONCEPÇÕES DOS/AS PROFESSORES/AS SOBRE SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO SEXUAL

3.1.1. SOBRE SEXUALIDADE

Ao se referiram à sexualidade, os/as professores/as a relacionam ao sexo, à relação sexual e também ao corpo biológico. Eles/as afirmam ter conhecimento sobre o assunto, mesmo assim, sentem-se temerosos ao abordá-lo em sala de aula.

Durante muito tempo, falar a respeito da sexualidade na escola era considerado desnecessário e, muitas vezes, até censurado. Segundo Werebe (1998, p. 162), até mesmo com a presença de doenças sexualmente transmissíveis como a sífilis (muito disseminada no começo do século XX), a educação sexual sistemática era temida. Ainda segundo a autora, “o medo das possíveis consequências desta informação sobre o comportamento dos jovens era ainda maior do que o daquelas moléstias”. Apesar disso, desde o século XVIII, a educação sexual é utilizada com o pretexto de resolver problemas ligados à vida sexual como, por exemplo, a prevenção de doenças venéreas, abortos e nascimentos de filhos provindos de relacionamentos extraconjugais ou de mulheres com o estado civil de solteira.

Percebe-se, desde esse século, a relação entre educação e atividade sexual. Durante as aulas de educação sexual pregava-se o sexo como algo exclusivo para a reprodução e para o matrimônio. Além disso, utilizava-se a ciência para amedrontar os jovens quanto à masturbação (BARROSO; BRUSCHINI, 1982).

Nos dias atuais, observamos em nossa pesquisa que os/as educadores/as ao invés de incitar o conhecimento, que resulta em prevenção - visto que estamos tratando de crianças – dão maior ênfase ao tema relação sexual, como pode ser visto na transcrição da fala do/a entrevistado/a:

[...] sexualidade, na verdade, é a libido que existe em nós [...] (Juraci)18.

Outro/a professor/a também se refere à sexualidade como algo ligado a relação sexual, como verificamos:

[...] falar sobre sexualidade porque nossas crianças estão transando cada dia mais cedo e sem saber, muitas vezes, o que estão fazendo... Esses adolescentes, essas crianças, eles acham que sabem tudo sobre sexo e quando aquela professora vai trabalhar de um tema em sexualidade meio que ela é assim... Ah! Professora! A gente já sabe disso, a gente já entende isso [...] (Itamar).

Apesar de confiarem no conhecimento que têm sobre o tema, acreditarem que sabem trabalhar as questões da sexualidade com seus/suas alunos/as, percebemos que os/as entrevistados/as ainda veem a sexualidade como algo constrangedor. E, por isso, na fala de alguns/algumas deles/as o mistério ainda está presente. Percebemos isso nas omissões de termos relacionados à sexualidade e nas reticências dos depoimentos a seguir:

[...] é uma comunidade muito complicada e a sexualidade aqui é ... assim ... é muito em alta, é ... assim ... (Djair).

[...] ela pode crescer sabendo sobre ... , não é? (Cacá). [...] quando você fala você desperta, né? (Itamar).

Ribeiro (1990, p. 15-16) afirma que antigamente não se podia falar em sexo porque era pecado, vergonhoso e sujo, mas, segundo ele, ainda hoje é “um assunto que não se fala naturalmente como qualquer outro; os risos, as gozações e as reprimendas normalmente

acompanham a maioria das manifestações verbais envolvendo sexo”. Carregamos, ainda, uma herança repressora que nos impede de falar livremente sobre a sexualidade. Isso vem repercutindo na atitude do/a professor/a diante da sua prática pedagógica no que concerne à sexualidade. Inibidos e temerosos, muitos não realizam sua tarefa de educar sexualmente.

Um ponto marcante entre alguns/algumas dos/as pesquisados/as é a ênfase que é dada ao corpo biológico sem, muitas vezes, se preocuparem com os aspectos emocionais envolvidos nesse contexto. Um exemplo desse fato é o que o/a professor/a Josimar afirma:

[...] desde quando a criança nasce ela tem sexualidade, ela tem os órgãos e aí é uma coisa muito natural (Josimar).

Resumir a sexualidade ao corpo, segundo Louro (2000, p. 6), é pensar num corpo naturalmente formado e vivido igual a todos os outros. Dessa forma, esquecemos “que a sexualidade envolve rituais, linguagens, fantasias, representações, símbolos, convenções... Processos profundamente culturais e plurais”. O corpo é o locus de todos os aspectos citados, portanto, não é possível desvinculá-lo da sexualidade. No entanto, é um equívoco resumir exclusivamente nele toda expressão da sexualidade. Como afirma Weeks (2000, p. 25), “embora o corpo biológico seja o local da sexualidade, estabelecendo os limites daquilo que é sexualmente possível, a sexualidade é mais do que simplesmente o corpo”. O/A entrevistado/a Alvaci, apesar de manter-se na esfera do corpo biológico, mostra a idéia de que a educação sexual é amedrontar, é falar de riscos:

[...] trabalharia o próprio corpo e as consequências da pedofilia, da gravidez indesejada, das doenças venéreas, tudo isso porque ele vai levar pra vida toda (Alvaci).

Mesmo sabendo que é no corpo onde a sexualidade se manifesta, que o ato sexual é muito importante e que não devemos desmerecer a sua importância na vida das pessoas, assim como tudo que estiver relacionado a ele, devemos ter o cuidado de não supervalorizá-lo ao falar com as crianças, conforme podemos perceber na fala do/a professor/a Cacá:

O professor quando for começar a falar em sexualidade, tem que saber como falar, como começar a falar sobre o sexo com as crianças (Cacá).

É importante ter em mente que trabalhar a sexualidade com as crianças não significa, necessariamente, ter que falar de sexo, de relação sexual. Pode-se falar, por exemplo, do

cuidado com o corpo e a relação com o bem estar físico e emocional, das relações de gêneros, do respeito às diversidades sexuais e etc. É fundamental o papel do/a professor/a na aquisição de novos conhecimentos pelos/as alunos/as. Sendo assim, a abordagem da sexualidade deve acontecer adequando ao nível de entendimento dos/as educandos/as. Falar sobre relações sexuais para crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental é possível. No entanto, é necessário atentar aos limites de entendimento para cada faixa etária. Esse limite será vislumbrado após um contato mínimo com a turma e através da sondagem dos seus conhecimentos prévios. Segundo os PCN (BRASIL, 2001a), a fala deve estar relacionada a questões próprias do seu desenvolvimento e, também, àquelas ligadas ao seu meio.