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4 PROPRIEDADE

5.5 USUCAPIÃO FAMILIAR

5.5.2 Previsão legal, requisitos e configuração

A usucapião familiar está definida expressamente no art. 1.240-A do Código Civil, dispositivo esse acrescentado pela Lei 12.424, de 16 de junho de 2011, nos seguintes termos:

Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Inicialmente, considerando ser a lei um dos meios de perfectibilização do direito à moradia, assim como fruto da observância da funcionalidade do direito de propriedade, estabelecendo forma de acesso à mesma, a incidência de tal forma de aquisição somente se dará com a entrada em vigor daquele dispositivo legal, não se considerando o exercício prévio da posse do imóvel por apenas um dos cônjuges ou companheiro.

Esse é o entendimento deliberado na V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, por meio do seu enunciado n. 498: “A fluência do prazo de 2 (dois) anos previsto pelo art. 1.240-A para a nova modalidade de usucapião nele contemplada tem início com a entrada em vigor da Lei n. 12.424/2011”.

Feito tal esclarecimento inicial, da leitura do citado diploma legal observa-se que a usucapião familiar somente se perfectibilizará após o decurso do prazo de 02 (dois) anos, sem

interrupção ou oposição, cuja contagem somente passará a fluir com a entrada do dispositivo legal acima referido.

Ademais, exige-se a posse direta do bem que, conforme disposto no enunciado 502 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal145, não se confunde com a posse direita usada pelo Código Civil para distingui-la da posse indireta, uma vez que para fins de caracterização da usucapião, é imprescindível a posse direta e efetiva do cônjuge ou companheiro sobre o imóvel.

Em que pese tal entendimento seja prevalente, não se pode observar a funcionalidade da norma ao buscar resguardar aquele que resta abandonado à própria sorte, pois em assim não observando, em especial diante dos altos índices de violência doméstica no Brasil, não se pode coagir aquela pessoa a permanecer num imóvel juntamente com outrem que ameaça diuturnamente sua integridade física e moral, sob pena de se ver sequer sem o direito à moradia como elemento que lhe permite uma existência com dignidade.

Estabelecida, ainda, a metragem do imóvel e sua localização para que seja reconhecido o direito à usucapião familiar, elementos facilmente percebidos através da leitura do citado artigo.

Continuando, verifica-se que somente a propriedade que integre a comunhão do casal poderá ser objeto dessa específica usucapião, excluindo-se aquela que seja particular do cônjuge ou companheiro ausente, de acordo com o enunciado 500 da V Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal146.

Por sua vez, não se deve aplicar de forma restritiva a compreensão dada aos conceitos de cônjuge e companheiro, muito pelo contrário, sua compreensão deve albergar todas as formas de entidades familiares, dispõe aquele enunciado 500, bem como a referência a “ex” corresponde a uma situação fática e não à ocorrência de divórcio, questão também objeto de enunciado prolatado na V Jornada: “Enunciado 501: As expressões ‘ex-cônjuge’ e ‘ex- companheiro’, contidas no art. 1.240-A do Código Civil, correspondem à situação fática da separação, independentemente de divórcio”.

145 O conceito de posse direta referido no art. 1.240-A do Código Civil não coincide com a acepção empregada no art. 1.197 do mesmo Código.

146 A modalidade de usucapião prevista no art. 1.240-A do Código Civil pressupõe a propriedade comum do casal e compreende todas as formas de família ou entidades familiares, inclusive homoafetivas.

Por fim, vem a discussão ao tema correspondente ao que se deve entender por abandono.

De início, é válido destacar que apesar do abandono não ser mais fundamento para o divórcio, poderá resultar no reconhecimento da usucapião familiar em favor do cônjuge ou companheiro que permaneça no imóvel a eles pertencentes147.

Nesse sentido, o enunciado 595, da VII Jornada de Direito Civil, estabeleceu que o requisito “abandono do lar” deve ser interpretado na ótica do instituto da usucapião familiar como abandono voluntário da posse do imóvel somado à ausência da tutela da família, não importando a averiguação da culpa pelo fim do casamento ou união estável, revogando o enunciado 499.

Dessa forma, contra aquele que é compelido a se retirar de sua residência, ainda que por decisão judicial a que tenha dado causa, em razão do seu comportamento, não correrá o prazo previsto no art. 1.240-A do Código Civil por não ter sido decorrente de comportamento voluntário e unilateral148.

Neste ponto, relevante destacar que aquele que porventura venha a abandonar o lar em decorrência de ajuste entre os cônjuges ou companheiros ou, por outro lado, em decorrência de risco ou de efetiva violência familiar, contra ele não se perfectibiliza a usucapião familiar vez que tal conduta não se de forma unilateral e voluntária, muito pelo contrário, decorrente de consenso ou, no segundo caso, fruto de um comportamento de autodefesa o que exclui sua voluntariedade.

Válido ainda observar que a possibilidade da ocorrência de usucapião familiar em desfavor daquele que abandona o lar, nos termos acima expostos, não constitui mera punição ao ausente, muito pelo contrário, assegura ao coproprietário a segurança de que todos os seus esforços para manutenção do bem, assim como para proteção da família, que inclusive é merecedora de proteção do Estado (CF, art. 226), não estará à mercê do retorno do ausente que, decorrido vários anos, poderá retornar e alegar sua propriedade sobre o bem, não tendo muitas vezes aquele que permaneceu a possibilidade de demonstrar todos os esforços para manutenção do imóvel e da família, de modo a pleitear o seu direito de propriedade sobre o

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GAGLIANO, Pablo Stoze; RODOLFO, Pamplona Filho. Manual de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 1035.

bem, sob uma ótica meramente individualista, uma vez que não observada por ele a função social da propriedade.

Isso se deve ao fato de que a compreensão do abandono não se limita tão somente ao voluntário abandono da posse do imóvel, mas também ao abandono da tutela da família como qualificadoras do termo abandono.

A respeito, Calderon esclarece que:

Nas entrelinhas do enunciado é possível perceber as questões materiais atinentes ao cumprimento das responsabilidades (assistência material, sustento do lar), em consonância com o que se ora defende. Muito mais do que simplesmente vincular o abandono do lar a um requisito objetivo de uso do imóvel há que se edificar um sentido ético para a expressão, único passível de bem retratar a sua função.149

Continuando, é reconhecido expressamente que tal modalidade de aquisição da propriedade somente ocorrerá àquele que não seja proprietário de outro imóvel, seja urbano ou rural, bem como não será reconhecido por mais de uma vez ao mesmo pleiteante. Por fim, considerando a natureza do direito envolvido, questionável é a escolha do foro competente para julgar as ações relativas à usucapião familiar.

De fato, não se observa que tal discussão restou pacificada, em que pese seja observada uma prevalência quanto à escolha das varas especializadas de família em detrimento daquelas afeitas ao foro comum, em especial por considerar que a usucapião familiar é detentora de particularidades especiais, de caráter principalmente existencial, como decorrente de uma relação familiar que restou interrompida de forma voluntária e injustificada.