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Primeiras práticas escolares no Brasil 55 

3.3 A perspectiva no ensino escolar 55 

3.3.1 Primeiras práticas escolares no Brasil 55 

Valente (2007b) inicia seu livro Uma história da matemática escolar no Brasil (1730-1930)” questionando-se a respeito das primeiras práticas escolares brasileiras: se, de fato, a origem da escolarização das ciências, incluindo a matemática, é vinculada aos colégios jesuítas,       

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Esta edição da obra de Chaput foi atualizada pelo professor Tenente Dr. Waldemar Pereira Cotta (professor da Escola Técnica do Exército, que conservou a preciosidade didática do original.

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como é geralmente reportado pela história da educação. Posteriormente, o autor afirma que tudo leva a crer que o colégio jesuíta não foi a matriz que constituiu a matemática escolar. Além disso, destaca entre algumas justificativas a carência de formação de professores de matemática e a posição desfavorável das ciências, se comparadas ao latim do currículo desses colégios, afirmando que esta compreensão – da gênese da matemática escolar no Brasil – está diretamente relacionada com o surgimento das Aulas de Artilharia e Fortificações.

Portugal, com o objetivo de obter a sua independência depois de algumas décadas sob o domínio da Espanha, teve a tarefa impreterível de reestruturar a sua força militar. E para isso era preciso tomar conhecimento dos avanços da “arte da guerra”: a evolução das armas leves usadas para a cavalaria e das pesadas para a artilharia, as novas formas de arquitetura das fortificações com o rebaixamento das muralhas e com a criação de obstáculos para dificultar a aproximação dos inimigos, entre outras mudanças. Essa reestruturação demandou uma mão de obra especializada, levando D. João IV a criar, em 1647, a Aula de Fortificação e Arquitetura Militar, contratando estrangeiros especializados no assunto.

Por motivo semelhante, com o intuito de defender seus domínios ultramarinos em terras brasileiras e a sua intensa exploração de ouro, a Coroa Portuguesa consegue,

por ordem da Carta Régia de 19 de agosto de 1738, um curso que se tornará o embrião da escolaridade militar para onde irão os filhos de militares e dos nobres em busca da carreira das armas em que futuramente a instituição do Cadete irá lhes proporcionar regalias e futuro: a Aula de

Artilharia e Fortificações do Rio de Janeiro.

(VALENTE, 2007b, p. 44).

Este curso já havia sido fundado desde 1699, mas enfrentou diversos problemas para que suas aulas se iniciassem, sendo uma das maiores dificuldades a falta de material didático, especialmente livros didáticos, pois se tratava de um “curso [...], inédito até então no Brasil”

57 (VALENTE, 2007b, p. 44). Em 1738, José Fernandes Pinto Alpoim44, um dos primeiros engenheiros militares a atuar no Brasil, foi nomeado professor responsável por ministrar essas aulas, as quais se tornaram obrigatórias para todos os oficiais. Em seguida, Alpoim, em virtude de sua experiência pedagógica em Portugal e com a intenção de facilitar o estudo dos novos soldados e artilheiros do batalhão, escreveu dois livros “que se tornariam os primeiros livros didáticos escritos no Brasil: o Exame de Artilheiros, em 1744, e o Exame de Bombeiros, em 1748” (VALENTE, 2007b, p. 47). Desse modo, Alpoim destaca-se como alguém muito importante para a educação brasileira.

Valente afirma que ambos os livros de Alpoim tinham finalidades especificamente militares e que foram elaborados e sistematizados no formato de perguntas e respostas – “a escrita [...] é feita como se o aluno fizesse as perguntas e o professor elaborasse as respostas” (VALENTE, 2007b, p. 51), o que demonstra a preocupação de Alpoim com questões didático-pedagógicas.

Comparando-se com o conteúdo matemático atual, o livro Exame de Artilheiros continha ensinamentos primários, e o livro Exame de Bombeiros reunia conteúdos hoje lecionados no ensino médio. O primeiro era composto de três tratados: (1) aritmética, (2) geometria e (3) artilharia, e de quatro apêndices: (1) algumas perguntas interessantes, (2) método de contar balas e bombas nas pilhas, (3) baterias e (4) fogos artificiais. O segundo era formado por dez tratados: (1) Geometria, (2) nova trigonometria, (3) Longemetria, (4) Altimetria, (5) morteiros, (6) pedreiros, (7) obus, (8) petardos, (9) baterias dos morteiros e (10) pyrobolia (ou fogos artificiais da guerra).

Estas duas obras, constituídas por uma síntese de diversos tratados, não possuíam uma teoria escolar, ou seja, não eram estruturadas em uma ordem de conteúdos matemáticos, com exemplos, generalização e exercícios, mas possuíam informações do que e de como executar as atividades militares de artilheiros e bombeiros. Tais obras são enfim “testemunhas do renascimento dos estudos de matemática e engenharia em Portugal e reflexo desse movimento no Brasil” (VALENTE, 2007b, p. 60) e que, portanto, são consideradas como “a fonte mais remota para investigação das origens da matemática escolar no Brasil” (VALENTE, 2007b, p. 60).

      

44 Alpoim nasceu em Portugal, em 1700, e foi lente substituto da Academia Militar de Viana do Castelo. Ministrou aulas no Brasil de 1738 até 1765, quando faleceu (VALENTE, 2007a).

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Vale ressaltar a presença da ideia intuitiva de ponto de fuga (elemento característico de desenhos perspectivos) no livro Exame de Artilheiros, quando Alpoim faz uso de diversos conceitos de geometria, noções de triângulos e divisão de um segmento em partes iguais para ensinar os três elementos fundamentais da artilharia: (1) graduar uma esquadra, (2) construir um nível e (3) construir um petipé45. A noção de ponto de fuga presente neste livro pode ser observada na Ilustração 3 a seguir.

Ilustração 3 - Noção de triângulos.

Fonte: Alpoim (1744, p. 58).

      

45 Nível: 1.instrumento que mostra se uma superfície está exatamente na horizontal ou não. 2. Grau de elevação, relativamente a um plano horizontal, de uma linha ou de um plano paralelos ao plano; altura. Esquadra: dispositivo usado pelos artilheiros para graduar as peças. Petipé: 1. Tipo de régua com divisões, usado por arquitetos. 2. Termo da marinha: escala de redução nas cartas de navegação. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br>. Acesso em: 11 jun. 2009.

59 Observa-se, portanto, um uso voltado ao ensino institucionalizado dessa técnica.