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3 O Direito Canônico e o ressurgimento do Direito Romano

3.1 As primeiras universidades européias

A partir dos séculos XII e XIII os países da Europa Ocidental vivenciaram, pouco a pouco, uma verdadeira revolução nos campos político, social e jurídico, fruto da mudança de concepção preponderantemente irracional (mitológica ou teológica) para a racional, que por sua vez, podemos atribuir como um dos fatos geradores o nascimento das universidades por toda a Europa, especialmente na Itália do século XII (GILISSEN, 2001, p. 205).

Além disso, deve se considerar a revolução causada pelo advento da nova classe, representada pela burguesia, que historicamente não dispunha de qualquer sustentáculo jurídico discursivo apto a legitimar o seu surgimento. De tal modo, todas as mudanças concernentes à racionalidade da época podem ser consideradas em maior ou menor escala vinculadas a racionalidade burguesa.

Um olhar mais atento lançado à história da Idade Média dificilmente poderia ainda reforçar a caracterização simplista de “Idade das Trevas”. Se não há como negar o paradoxo de desumanidade em nome do cristianismo, promovido pela Inquisição do século XIII ao século XVII, foi também neste período que se presenciou um dos momentos de maior fecundidade do pensamento filosófico,

político e econômico, e sem dúvida, o mais expressivo no campo das reflexões teológicas, sem esquecer o estabelecimento das bases do moderno conhecimento científico. Aliás, quanto as relações entre as bases econômicas e políticas do pensamento teológico em função do poder secular de ordem feudal ou burguesa considere-se o que foi mencionado em momentos anteriores. Cabe agora voltar as análises para um breve detalhamento do perfil das instituições de ensino da Idade Média, pois o desenvolvimento do espírito e da racionalidade nas esferas aludidas, provavelmente não teria sido possível sem a presença de um conjunto de instituições, difusoras e consolidadoras dos conhecimentos adquiridos e daqueles ainda em estado germinal, tendo sido este o papel das escolas e das universidades medievais.

Primeiramente vieram as escolas que, segundo os ensinamentos de Reinholdo Aloysio Ulmann (2000, p. 36), podem ser compreendidas em monacais, presbiteriais,

episcopais e palatinas.

Da classificação e análise proposta pelo autor depreende-se que as escolas

monacais, nascidas na quarta centúria, primavam pela formação de jovens noviços

que viriam posteriormente a engrossar as fileiras das ordens monacais. Ao dispor de difusores do quilate de São Bento e Santo Agostinho, as escolas lograram a difusão do cristianismo, do conhecimento bíblico e da consciência de pertença ao império cristão em franco processo de crescimento.

No caso das escolas presbiteriais, primava-se pela formação de jovens, futuros herdeiros do ministério paroquial, cujo trabalho de docência estendeu-se progressivamente também aos jovens sem vocação para o sacerdócio.

As escolas episcopais tomaram vulto quando do ocaso das escolas monacais (geralmente distanciadas dos grandes aglomerados humanos) a partir do

renascimento urbano do século XII. Destinadas à formação de padres, mas também a permitir o ingresso de leigos, a ampliação do currículo, admitiu a inclusão da filosofia e do direito canônico ao lado das tradicionais disciplinas do trivium e do

quadrivium. Reputa-se a tais escolas, mais do que a quaisquer outras, a origem das

universidades medievais.

Some-se à lista, as escolas palatinas ou do palácio, instaladas próximas às cortes, para em que acorriam os filhos dos nobres (ULLMAN, 2000, p. 32-45).

A primeira universidade em que foram feitos estudos do direito foi a Escola de Bolonha, na Itália do século XII (GILISSEN, 2001, p. 341). Harold Berman defende ser provável que essa Escola tenha sido fundada basicamente com o propósito de estudar o Digesto, volumosa coleção de material jurídico compilada nos tempos do imperador romano Justiniano, havia mais de cinco séculos e recém descoberta, numa biblioteca da Itália, nos fins do século XI. A obra de Justiniano consistia em quatro partes: o Código, as Novelas, a Instituta e o Digesto. Somente após a fundação das universidades estes quatro livros passaram a se chamar Corpus Iuris

Civilis.

Mas, conhecer, dominar o direito romano justinianeu era empresa muito difícil. Difícil, pela vastidão do Corpus Iuris Civilis; difícil, pelo conteúdo e técnica da compilação – leges e iura, com freqüência, contraditórios; difícil, ainda, por se encontrar escrito num latim que seria acessível a letrados, leigos ou eclesiásticos, mas não a muitos dos que tinham de lidar com os problemas da justiça. (CASTRO, 2003, p. 134).

De acordo com Berman, na Europa Ocidental do século XII, logo após a descoberta na Itália da obra do Imperador Justiniano, o direito romano como tal (como sistema) tinha uma validez muito limitada. As instituições jurídicas predominantes eram na maioria germânicas e francas (Cf. 1996, p. 137).

Vale ressaltar que diante de tradições jurídicas na qual o comércio desfrutava na melhor das hipóteses de um papel secundário face ao direito romano, a

dificuldade implicada em seu estudo e sistematização representava um bom investimento dos recursos empregados pelos financiadores da Faculdade de Bolonha, além de atender aos objetivos do Papa.

Berman afirma que o surgimento dos modernos sistemas jurídicos ocidentais a partir de fins do século XI e durante o século XII esteve diretamente relacionado com o nascimento das primeiras universidades européias. Nesse período, pela primeira vez na Europa Ocidental o direito foi ensinado como um conjunto distinto e sistematizado de conhecimento, em que as regras e as aplicações jurídicas em particular eram estudadas objetivamente e explicadas em função de princípios gerais e de verdades básicas que orientavam todo esse sistema. Surgia então o que para muitos historiadores seria o estudo científico do direito.

Duas questões permitem, a partir de suas respostas, fundamentar o caráter científico que nesse período adquiriu o ensino e o estudo do direito ocidental. A primeira dessas questões diz respeito ao que ensinavam os primeiros professores de direito. E a outra, versa sobre possibilidades e condições do ensino do direito quando as leis e instituições legais prevalecentes eram na maior parte locais e consuetudinárias.