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Os mapas da alma não têm fronteiras Eduardo Galeano

3 OS DESENHOS DO CANTO DOS PÁSSAROS ONDE ME ACONCHEGO

5. FRAGMENTOS DE CADERNOS DE VIAGEM

5.1 PRIMEIRO CADERNO: A BUSCA

Em tudo quando olhei fiquei em parte. Com tudo quanto vi, se passa, passo. Nem distingue a memória. Do que vi do que fui 374

No princípio era o olhar. A inauguração de um olhar. Que se desdobra em pequenos pontos (di)versos para tentar dar conta do que pretendo expor. Escrever. Ser tomado por porções do mundo. Agenciamento com todos os que se encontram nesta escrita como o poeta-severino375, cruzando caminhos e passagens: um nascimento: humano, uma vida que se comunica com as árvores, os pássaros, as pedras, o barulho, as ruas, a chuva, o calor, os cães, e tantos outros signos puros de uma vida que aqui nascem.

Nesse sentido, a epígrafe já abre um ponto: uma perspectiva. Que poderia ser outra e outra e mais outra. Porque, em qualquer pesquisa, a presença do sujeito é quem outorga existência ao objeto – conta-lhe uma história que poderia ser outra, com outros contornos, outros tons, outras vozes, outros fragmentos, outros possíveis.

Com o fio na lançadeira escolho um ponto inicial. No outono de 2009, recebo a notícia de que meu doutorado sandwich poderia ser realizado em qualquer país do mundo. Então, não tive dúvidas e respondi: quero ir para qualquer país do Continente Africano!

Para entender essa história talvez seja preciso retornar a outra. A de um desejo:

PERTENCER

Era a primeira vez que entrava em uma sala de aula na principal Universidade de Moçambique. E se não fosse meu gravador digital a capturar o Seminário daquela tarde, até hoje não recordaria nada. Eu estava simplesmente paralisada. Olhava para os quatro cantos da sala de aula, eram quase cinquenta alunos negros e também o professor. Lembrei da Idamara376: “é muito bom ser negão no Senegal”377. Foi

374

Fernando Pessoa.

375

Lembrando João Cabral de Melo Neto.

376

Professora da Universidade Federal de Santa Catarina quando relata uma de suas experiências da primeira vez que esteve na África do Sul.

377

Referência a Chico César , compositor brasileiro, quando canta: “deve ser legal ser negão no Senegal”.

assim que tive a primeira sensação de pertencer, depois de tantos anos de procura.

Desde criança, tenho uma cisma por pertencer. Na verdade, só me dei conta dessa cisma quando cheguei à escola, mais precisamente na quinta série, quando todas as crianças das escolas da área rural vinham estudar na escola central do bairro onde eu estudava. Naquela época, o meio rural de Joinville era ocupado quase que integralmente por pessoas de origem alemã. Foi a primeira vez em minha vida que senti quando alguém não me aceitava pelo fato de ter a cor da pele diferente. E foi nessa época que as primeiras perguntas afloravam a minha mente de criança, junto com a primeira vontade de pertencer.

Se aquele foi o primeiro momento em que experimentei essa fome humana, não sabia que ela me acompanharia pela vida toda, como se fosse sina. A ponto de morrer de desejo de ter aqueles cabelos lisinhos e soltos das colegas de classe. Com os cabelos, porém, pensei que tivesse feito as pazes ainda na adolescência.

Mas voltando ao desejo de pertencimento, certamente por ser tão forte essa fome de fazer parte de algo ou de alguém é que me tornei tão desconfiada. Nunca arrisquei muito em confiar. Ainda morro de medo de falar em público (algo que me era tão fácil nos primeiros anos escolares!) e revelar o quanto desconfio do mundo. A única coisa que eu sempre pude fazer sem receio foi cantar. Cantando eu me pertencia a mim mesma. Era o único momento em que eu parecia me afirmar como alguém no mundo.

Se meu desejo mais distante talvez fosse o de pertencer, não estava preparada para a pior das crises de pertencimento: aquela que ainda na adolescência separou-me do meu primeiro amor – cabelos escorridos e brilhantes como o sol. Esqueci-me do que não me pertencia. Mas não me esqueci da promessa: preferir morrer solteira a casar com um branco!

Quase consigo sentir toda essa minha procura, toda essa minha necessidade durante toda a vida: de precisar pertencer.

Talvez tenha sido com esse sentimento que atravessei o mar e não sabia.

Conto esta história para, de um lado, pensar no sentido que podemos buscar nela e para, de outro, assumir, mais do que justificar o caráter subjetivo, pessoal e, por assim dizer, tão sofrido na minha passagem por nove meses como pesquisadora no país em que escolhi estagiar. Talvez seja por causa da e não apesar da proximidade com meu objeto que parte da pesquisa pôde se revestir de alguma

originalidade e, talvez, vir a se tornar interessante ao leitor, servir como um ponto para pensar, propor ou contrapor outros pontos.

Nesse sentido, os recortes de olhar e enunciações que se fazem, se constroem sempre a partir de uma perspectiva, de um olhar específico, de escolhas individuais, de opções que ora se encontram, ora desconsideram ou se opõem a outras.

No primeiro momento, minha intenção de pesquisa vinha motivada a compreender melhor a relação entre a voz humana e a voz midiática378 na atribuição de sentidos à cultura feita pela criança. Em tempos de imagens, sons e muitos outros meios provindos da cultura das mídias, pretendia investigar a relação entre a voz das mídias e a voz da tradição oral na escola.

Ao chegar a Moçambique, porém, a escola parecia não ser o lugar da pesquisa. Havia muitas outras possibilidades de falar da voz humana e de suas relação com as mídias. Aliás, Moçambique abria-me leques de possibilidades incríveis para o que eu pretendia. Ficar presa à escola, pelo contrário, empobreceria o trabalho por razões que nem necessito explicar aqui. Estava empolgada, desde os primeiros meses, com a ideia.

No entanto, de uma fase em diante da minha estadia no país veio a surpresa: os acontecimentos do dia a dia foram me fazendo perceber que eu estava à procura da minha própria voz. Só então compreendi o sentido da minha viagem, era como se o mar fosse uma passagem porque nas palavras de Mia Couto: “ninguém, em verdade, viaja para uma ilha. As ilhas existem dentro de nós, como um território sonhado como um pedaço do nosso passado que soltou do tempo.”379

Esse fantasma insular, em mim, estreou-se ainda em pequena quando meus pais fizeram-me conhecer a voz como sonoridade, na música da voz poética de meu pai, e a voz como silêncio, no jeito calado de estar da minha mãe que nunca compreendi.

É por isso que, agora, me soa estranho o contato que estabeleço com Moçambique, porque no meu imaginário e no imaginário brasileiro, em África está uma Paisagem Sonora380 representada pelo som da

378

Refere-se à voz que chega pelas máquinas que servem hoje em dia à comunicação. “[...] foram inventadas numa época relativamente recente e representam como tal um esforço da humanidade (depois de séculos em que toda cultura foi transmitida por formas de escrita) para reencontrar a autoridade da voz viva” (Zumthor, 2005. p. 70).

379

COUTO, Mia. Revista Indico julho/agosto, 2009.

380

Paisagem Sonora é um conceito criado pelo musicólogo, pedagogo e compositor canadense Murray Schafer. Em 1969, Murray Scharfer e um grupo

música, na voz do Griô, no bater do tambor, no barulho das cores e danças, mas não foi essa a Moçambique que encontrei. Fora o ruído do “progresso”, ela estava mais para algo imerso ao silêncio de sua contemplação. Aos poucos fui percebendo como o silêncio em Moçambique era um silêncio que em seus mistérios e segredos expressava, como diria Clarice Lispector, um mundo todo vivo. Uma vez que para ela: um mundo todo vivo tem a força de um inferno. 381

Era preciso, então, visitar uma ilha e os seus paraísos. No entanto, como no “Conto da Ilha Desconhecida”, de José Saramago, minha busca era a de uma ilha a qual não consta em nenhum mapa. Assim, devo confessar: decidir ir até a ilha foi difícil. Foram necessários meses de negociação. E a negociação, devo dizer, não foi fácil. Era preciso (re)aprender a escutar.

Foi num momento de conversa. Conversar: da união de duas raízes latinas: cum, que quer dizer com, e versare - "dar voltas com" o outro. Era uma manhã linda à beira do mar e acho que o ambiente foi escolhido a propósito. Era preciso que eu olhasse o mar, mas também o barco que me levaria à ilha ou as ilhas, porque um barco não deve chegar somente a uma ilha em sua navegação. E havia o vento. Isabel me convidou para uma viagem aos registros que eu havia feito. Pensei: essa não! Já não basta o Miguel?382 (ele vivia cutucando-me, lembrando- me do meu caderno). Eu não queria.

Foi assim que a amiga Isabel Noronha me provocou à visita “às ilhas” (ela sempre as nomeou no plural), o barco estava ali, mas era preciso que eu fosse a marinheira. Foi então que se levantou a primeira tempestade. Logo eu que morro de medo delas! Ainda sem sair da praia, ela me conduzia por uma viagem para a outra margem do mar,

de pesquisadores da Simon Fraser University no Canadá formaram a World Soundscape Project (wsp) – Projeto Paisagem Sonora Mundial – na tentativa de integrar arte e ciência para o desenvolvimento de uma interdisciplina chamada Projeto Acústico, cujo principal objetivo era realizar um estudo interdisciplinar sobre os ambientes acústicos e seus efeitos sobre o homem. A finalidade do projeto era descobrir os princípios estéticos que regiam o ambiente acústico e a influência dos sons na vida das pessoas. Sua postura era visionária e idealista de querer afinar o mundo, fazendo da paisagem uma grande composição musical, de higienismo com “limpeza dos ouvidos”. De seus estudos duas obras principais, mais conhecidas e traduzidas no Brasil, são: A afinação do Mundo e

O Ouvido Pensante.

381

A Paixão Segundo G.H.

382

contando-me como poderia ver a beleza de uma tempestade e me perguntou: “já olhaste nos olhos dela?”

Foi assim que parti. Trêmula. Conforme ia adentrando em meu caderno de viagem, percebia momentos de muita alegria, mas também de tristeza e dor na experiência da viagem. Nesse sentido, era preciso investigar o lugar pesquisado enquanto ressonância de muitas vozes, mas também era preciso problematizar o som como algo que influencia diretamente a vida. Assim parti para rever meus (des)encontros nessa “África” que idealizei . Aprendi a puxar e a declinar as velas, a andar à deriva, a rastrear o fundo dos recifes para encontrar tesouros em forma de poesia: testemunhos, acordar em mil portos: “um amor em cada porto”, estranhamentos e espantos para uma marinheira de primeira viagem.

Aos poucos fui revisitando Zumthor e compreendendo que a propriedade da voz que o autor perseguia não se reduzia à descrição física dos sons, mas à maneira como percebemos a realidade sonora e participamos dela. Porque, para o autor, a voz simplesmente soa não para falar, no sentido transitivo, mas em performance. Era preciso ampliar não apenas o campo auditivo, mas também o visual e do corpo. O autor se propunha ao não fechamento em uma área do conhecimento para o estudo da voz humana. Além de que seu grande diferencial nos estudos da voz, sua busca de uma singularidade em detrimento de uma identidade. Nesse sentido, fazia parte de seu procedimento colocar em cena os momentos da vida, as condições sociais, as ambições políticas, observações agudas sobre as pessoas e ambientes, captação sonora do ambiente em que se fazem também presentes ruídos e vozes, uma vez que “a forma como nos colocamos a escutar está diretamente vinculada à maneira como produzimos sons, como emitimos fontes sonoras, sejam elas máquinas motores, alto-falantes, celulares, cachorros, cascatas artificiais em shoppings, etc.”383

porque são as formas como nos relacionamos no mundo por sons que configuram modos de escutas.

Mas como então capturar a voz no contexto da minha pesquisa? Ao revisitar meus registros, encontro questões que me faziam pensar que era preciso não desconsiderar as transformações da paisagem sonora. Só assim podia perceber o estado de escuta como algo socialmente constituído, que necessita ser pensado como um ato político de produção e de delimitações de territórios. Sendo assim perguntei: o

383

que o território sonoro384 de Moçambique definia para a minha escuta? Que espaço de escuta ele pré-configurava? Que situações ele me propunha?

Foi com essas perguntas que optei por traçar385 as cenas que organizam os discursos pronunciados em todos os tipos de registros no caderno de viagem, selecionando fragmentos, montando quadros.386 Alguns quadros constituem verdadeiros “tesouros nacionais”387

. Deles saem os dramas para além dos significados de cada voz. Substituí, pois, a descrição do discurso viajante por sua simulação, em fragmentos de cadernos de viagem: viagem de formação,388 e devolvi a esse discurso

384

Esse conceito é o desdobramento de um pensamento musical que se desenvolveu no século XX a respeito da escuta e da atitude humana em relação ao som. A música se relaciona diretamente com os sons do ambiente e com o território onde é produzida. Território sonoro explicita as condições de sujeição da escuta, as relações de poder, delimitação de território, fabricação de subjetividades, dentre outras. (OBICI, 2006, p. 50/51).

385

Traçar dar traços. Traço é, originalmente, ação de “marcar” com lápis ou qualquer objeto numa superfície. Traço também pode ser designado como linhas de rosto: pessoas de traços finos, parecença, semelhança: traços de família ou ainda um terceiro sentido: vestígio, rastro (DICIONÁRIO LARROUSSE DA LÍNGUA PORTUGUESA, 1992). Traçar uma linha traz aqui uma escritura como tentativa de um desenho não sombreado uma tentativa de escrever, a partir de uma pergunta de Derrida: quem ou o que escreve traça?

386

O quadro foi a maneira de ex-por o desenho das cenas. Para ler o quadro, maneira pela qual o espaço do quadro é articulado onde figuras saltam do desenho traçado, em imagens/palavras. Essas figuras estão dispostas em uma seqüência e ensinam que o quadro deve ser visto baseado em duas leituras básicas : a da nominação – lugar da palavra e os discursos que cada nome suscita. Os títulos são frases retiradas de episódios. Todo episódio do contexto da viagem pode ser dotado de um sentido: ele nasce em algum momento por alguma razão e desenvolve-se num caminho sustentado por discursos, segundo uma casualidade ou uma finalidade.

387

Designação de algumas obras de arte lembradas por Leyla Perrone-Moisés: no Japão, algumas obras de arte são classificadas e veneradas como “tesouros nacionais”. Mas não são apenas os objetos que entram nessa categoria. Algumas pessoas vivas e mestres das artes tradicionais, depositários de um saber e de um fazer milenares” (PERRONE-MOYSÉS, 2005, p.13). Ampliando esse

pensamento, poderíamos dizer que algumas das pessoas cuja voz este texto evoca podem ser consideradas “tesouros internacionais”.

388

À maneria de Jorge Larrosa (2004), Romances de Formação como os de Joyce e Proust, mas também Saramago, Clarice Lispector, Barghout, Calvino, dentre outros, foram alguns dos textos selecionados à tentativa de perceber a importância do romance para este trabalho. Os Romances de Formação evocam

sua pessoa fundamental, que é o eu, a fim de pôr em cena, à maneira de Barthes, uma enunciação, não uma análise.389

Maputo, 15 de março... UM SONHO

“O verdadeiro sonhador, dizia Proust, é o que vai verificar alguma coisa...”390

A ausência de lugar, longe do chão, acima das nuvens fez-me recordar do sonho. Foi um sonho ainda menina. Mas um sonho tão forte, tão forte que quando abri os olhos estava na escada do Voo AS 01425 da African air Line de braços abertos olhando para cima, em lágrimas, a dizer: “Sim, tu és fiel, Senhor!”

Não entendia de sonhos. Mas esse parecia um profundo desejo de refazer um percurso.

Um dia, parte da minha família saiu de algum país do continente africano para um novo lugar.

A diferença é que em vez de lágrima escorria sangue.

a viagem como uma ocasião para o aprendizado. Um aprendizado via experiência, via contato com as coisas do mundo: “Trata-se da formação como uma experiência estética, a relação com a matéria de estudo é de tal natureza que, nela, alguém se volta para si mesmo, alguém é levado para si mesmo. E isso não é feito por imitação, mas por algo assim como por ressonância.”388

(LARROSA, 2003, p.52). A viagem de formação é diferente de outro tipo de viagem, principalmente porque se caracteriza como uma aventura, aquela em que não se inicia com um trajeto formado. Sussekind (1990) argumenta que na aventura “é o próprio sujeito que emerge no seu percurso, o sentimento do mundo sintoniza-se ao autoconhecimento, o aprendizado é sempre também de si mesmo. Assim como os deslocamentos no espaço, as paisagens por que se passa estão impregnadas de tempo, história. E o itinerário geográfico desses sujeitos- em-formação converte-se em geral numa espécie de inventário do tempo também.” ( p. 110)

389

Barthes (2003).

390

Maputo, 16 de março... PELA CIDADE

Figura 8 - Vista para a Avenida 24 de julho, Maputo

Passeio a pé

Cidade das Acácias – uma das designações à cidade de Maputo. No mapa, um lugar. Um lugar à beira-mar. Saio para passear, porém, não sei como será esse passeio.

Um relato sobre um passeio, em Maputo, sobre as distintas formas de passear, se ainda é possível passear. Um relato sobre o passeio, sobre o devaneio no passeio, sobre o que ocorre com o devaneio no passeio.

Nesse passeio pode haver uma possibilidade de ler a realidade das cidades. Este passeio será uma leitura. Uma leitura de um lugar que poderia ser qualquer outro.

Na mão, às vezes, a máquina fotográfica, a filmadora outras, as mãos abanando ou ainda caderno e lápis.

O caderno onde vejo as pessoas, os prédios, a paisagem. Caderno onde me vejo, o caderno onde escrevo e me inscrevo. A cidade pode ser um lugar-estação, lugar da passagem:

Tem gente que chega para ficar, tem gente que vai pra nunca mais tem gente que veio só olhar tem gente a sorrir e a chorar. 1- Trilhar

Trilhar para deixar marcas.

Trilhar por caminhos desbravados pelos pés. Trilhar devagar pelo caminho longo. Parar parando para contemplar o vento. Parar parando para degustar o mundo Parar parando para contemplar a vida.

Trilhar sem saber o que se encontrará em cada linha Em cada volta

Em cada lida Distraída. 2- Olhar

Essa ambiguidade primordial.

Olhar que nos permite sermos estrangeiros sem pedir acolhimento,

sem pedir hospedagem.

Olhar que qualifica relações – sem palavras

Que nos permite ler e sermos lidos tanto de frente para trás como de trás para frente

De perto e a distância

Olhar atento ao desconhecido

como se procura decididamente um outro mundo Olhar e jogar conversa fora

Olhar que nos faz lembrar de que muitas vezes é preciso calar para ser ouvido.

encontrar o olho do outro – olho no olho – a confiança do diálogo:

Silêncio. O PALCO

Desde à tarde o palco está morto e deserto. E uma caixa de som que se atreveu a soltar sua voz tamanha foi advertida severamente a baixar o tom e ficou assim, baixinha, quase fanha. O Palco é o que suscita pensar a paisagem. Moçambique é a primeira terra estrangeira

pela qual passo, mas o que de fato impressiona é que lugares que desde a adolescência tinham me provocado tanta curiosidade e alegria soam- me, agora, um pouco estranhos. Em Maputo, minha primeira parada, reconheci a paisagem e a predominância de pessoas negras que compõem essa paisagem e percebi o meu interesse. Mas é como se de algum modo não estivesse na terra que um dia me fora apresentada. As cores e o barulho me faltavam. Era uma “sensação de não estar de todo.” A mudança não se operara na paisagem que contornava meu íntimo. A maioria das referências que o imaginário brasileiro me dera em relação aos africanos já não estava lá. E parecia não se desenhar nessa Moçambique de 2010. É assim que, como uma personagem-em- trânsito, volto-me a mim mesma – seriam por acaso, as imagens que meu país ajuda a construir, nos afrodescendentes as responsáveis por essa ilusão de ótica? Sugiro-me, já, nesta primeira parada, o movimento

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