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Primeiro fio: a família como lugar de segurança, apesar de tudo!

2 A JUVENTUDE E SUAS MÚLTIPLAS FORMAS DE SER E DE SE SENTIR

2.2 Em busca dos fios que fazem a juventude da Escola Maria Melo

2.2.1 Primeiro fio: a família como lugar de segurança, apesar de tudo!

Sobre a família é importante informar que, dos 71 jovens, 33 moram com o pai, mãe e irmãos, 16 com a mãe e irmãos; 2 moram com os avós e tios e os outros 20 com mãe e padrasto ou pai e madrasta, observando-se, assim, que menos da metade dos jovens pertence ao modelo tradicional de família nuclear, constituída de pai, mãe e irmãos e que a maioria encontra-se distribuída entre outros modelos (mãe e filhos; mãe, filhos e avós; mãe/pai, filhos, padrasto/madrasta). Sobre isso, Matos (2002, p. 36), baseando-se em Bourdieu (1996), lembra que o “que chamamos de família nuclear, [...], praticamente inexiste”, sendo cada vez mais comum o aparecimento de novas formas de organização familiar. Não obstante este fato, ficou evidenciado que a família permanece como a referência principal na vida desses jovens, o que significa dizer que a família, “seja qual for sua composição e sua organização, é o filtro através do qual se começa a ver e a significar o mundo” (SARTI, 2004, p. 120).

Os achados de Matos (2003) em sua tese de Doutorado apontam nessa mesma direção. Assim como os jovens da Escola Maria Melo, os jovens que fizeram parte da sua pesquisa também consideram a família muito importante. Mais do que a segurança material, o que eles ressaltam é a segurança afetiva, o apoio e a proteção, o que pode ser comprovado pelos fragmentos das falas de Carinho24 quando diz: “Eu amo minha família. Eu sei que é

com ela que eu posso contar em todas as horas. As pessoas da rua são assim: qualquer coisa vira as costas e a família não. Está sempre ali com você!” e de Amor que complementa dizendo: “Ah, eu também penso assim. Família é a coisa mais importante que a gente tem na vida”. A confiança na família também foi ressaltada em pesquisa coordenada por Abramovay (2005) realizada com o objetivo de inventariar as violências que ocorrem no cotidiano da escola25. No estudo, os alunos afirmaram que seus familiares são seus verdadeiros amigos, pois são eles que os ajudam em qualquer situação. Tal compreensão encontra suporte no pensamento de Berger e Luckmann (2008) que traz a família como a estrutura social objetiva

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Foi sugerido, espontaneamente, pelos jovens do grupo que seus nomes não fossem revelados no trabalho e que cada um atribuísse outro nome para si. O grupo, então ficou constituído por: Carinho, Sinceridade, Vida,

Esperança, Paixão, Felicidade, Verdade, Amizade, Amor, Alegria, Calma, Bondade e Riso. A justificativa

para colocar estes nomes é que se referem à qualidades que admiram porque são necessárias na vida das pessoas.

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O estudo foi realizado no ano de 2005 nas seguintes capitais brasileiras: Belém, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Distrito Federal.

dentro da qual o ser humano, ao nascer, encontra os outros significativos26, que se encarregam de sua socialização (primária), estabelecendo a mediação do mundo social, que deverá ser internalizado como “o mundo”, o único existente e concebível. A inevitabilidade da relação do ser humano com os outros significativos que lhes são impostos, dá a esse primeiro mundo interiorizado uma peculiar solidez, o que faz com que ele se torne fortemente enraizado na consciência.

É importante realçar que, na família, o papel da mãe é destacado pelos jovens. Há o reconhecimento do esforço e da dedicação delas no sentido de dar-lhes o melhor. Por isso, os jovens acreditam que precisam retribuir, de algum modo, como por exemplo, realizando tarefas domésticas, embora seja algo do que não gostam, mas inevitável, tendo em vista que muitas mães saem pela manhã e só retornam à noite. As palavras de Carinho talvez sintetizem as falas dos outros jovens sobre esse sentimento em relação às mães. Ela diz: “Minha mãe é uma lutadora, é uma guerreira, passa o dia todo trabalhando pra sustentar a gente. Eu tenho muito medo dela não aguentar a barra e adoecer. Quando penso nisso, faço as coisas de casa, prá ajudar, mesmo não gostando”.

Sarti (2004) e Berger e Luckmann (2008) asseveram que como lugar de afetividade, a família é palco de muitos conflitos. Acrescento que também de muitos dramas e dilemas. A assimetria e o caráter hierárquico que caracterizam as relações no interior da família, como revelados no fragmento do discurso de Calma ao dizer que “mesmo quando o pai ou a mãe briga com a gente é porque querem o nosso bem”, por si, são denotativos do que acabei de afirmar. Paixão, ao falar de sua família, diz que seus pais brigavam muito até que um dia resolveram se separar. Sua mãe, agora está com outra pessoa, com quem também briga, mas acha que, apesar disso, eles se gostam e diz: “o mais importante é ver minha mãe feliz!”.

Esperança acrescenta à fala da colega: “pois é na minha casa também era assim, briga todo

dia, a diferença é que a minha mãe adoeceu e faleceu de câncer. Daí, eu fiquei com minhas tias e meu irmão ficou com o meu pai que já está com outra mulher. Sonho em ter tudo de novo, eu, meu irmão, meu pai e minha mãe juntos, mesmo que fosse brigando, mas eu sei que isso não vai acontecer”.

A partir desses discursos infere-se que há uma tendência, por parte dos jovens, para naturalizar esses fatos o que faz com que pareçam “normais” e assim sejam justificados. Como afirma Verdade, “família é assim mesmo, a gente briga, mas depois fica tudo bem”, o

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Por outros significativos Berger e Luckmann (2008) designam os membros da família, na qual o indivíduo nasce, em especial, o pai e a mãe. Tendo em vista que a existência da família precede o nascimento, os outros significativos são impostos ao indivíduo, sem que este tenha opção de escolha, havendo com isso uma “identificação” automática.

que me leva a concluir que, apesar de tudo, a família se mantém como eixo de referência para esses jovens. Um porto seguro!