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Terceiro fio: a escola como lugar de sociabilidade

2 A JUVENTUDE E SUAS MÚLTIPLAS FORMAS DE SER E DE SE SENTIR

2.2 Em busca dos fios que fazem a juventude da Escola Maria Melo

2.2.3 Terceiro fio: a escola como lugar de sociabilidade

De acordo com Dayrell e Carrano (s/d) e Carrano (2003), uma das dimensões mais valorizadas pelos jovens na manifestação de sua condição juvenil é a sociabilidade. Ela se desenvolve, preferencialmente, em espaços de lazer e diversão, mas também está presente em outros espaços como a escola e o trabalho. Para os jovens pobres é, particularmente na escola, que a dimensão da sociabilidade adquire maior evidência, tendo em vista que a ausência de equipamentos públicos e de lazer nos bairros onde moram faz com que as expectativas de estabelecer relações entre os pares sejam deslocadas para este ambiente. Nesse universo, procurando romper os laços que o prendem ao mundo infantil, o jovem passa a ver o grupo de amigos como importante referência no processo de constituição da sua identidade, por isso, a “sociabilidade para os jovens parece responder às suas necessidades de comunicação, de solidariedade, de democracia, de autonomia, de trocas afetivas e, principalmente, de identidade” (DAYRELL e CARRANO, s/d, p. 11).

A centralidade dessa dimensão para os jovens ficou evidenciada quando procurei saber o que eles gostam de fazer na escola. Embora 36 jovens tenham apontado que gostam de estudar, fazer as tarefas, assistir as aulas e aprender, principalmente “coisas diferentes, novas e legais!” (Riso), é o encontro e a conversa com os amigos o que mais agrada. Essa mesma informação foi dada, quando solicitei que fizessem um desenho no qual eles pudessem representar o que mais gostam na escola. Em todos os desenhos a figura do amigo está presente, como é possível ver nos exemplos que seguem.

Desenhos 01 e 02 - Grupo Focal/Arquivo particular da pesquisadora

Amizade revela que fica ansiosa para ir à escola, porque sabe que lá vai encontrar as

amigas. Segundo ela, é hora de contar e saber das novidades, do “papo solto” sobre tudo. Quando pergunto qual a hora da conversa, Vida imediatamente me responde: “qualquer hora, às vezes a gente deixa até de lanchar prá ficar conversando. Mas o intervalo é curto e não dá prá conversar muito, então a gente conversa mais um pouco na saída ou então manda bilhetinho na aula, sem o professor ver”.

É o que Dayrell e Carrano (s/d, p. 11) chama de “invenção de espaços e tempos intersticiais” no fluxo cotidiano no qual a sociabilidade tende a ocorrer. De fato, a amizade é um aspecto bastante ressaltado e valorizado pelos jovens. Para eles, os amigos representam segurança e, principalmente, o sentimento de aceitação pelo que são e como são. Como afirma Matos (2003, p. 51), a amizade, para o jovem, é

[...] uma das dimensões mais significativas na sua vida e indicam que os amigos são importantes por diversos aspectos: são companhias que os tiram da solidão; companheiros para contar e confiar em todos os momentos; pessoas que contribuem para o seu crescimento e amadurecimento; são os que ajudam nos momentos mais difíceis, ‘levantando o astral’; os que compreendem e partilham alegrias e tristezas, e aqueles que, por vezes, tomam até o lugar dos familiares.

Esses sentimentos dos jovens em relação aos amigos são facilmente percebidos porque se manifestam “abertamente” em expressões de carinhos, troca de abraços e beijinhos, além dos olhares de cumplicidade que são trocados. Registrei algumas dessas manifestações29.

Fotos 01, 02, 03, 04, 05, 06 – Oficinas temáticas/Arquivo particular da pesquisadora

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É possível observar que na sociabilidade há certa simetria e certo equilíbrio entre os pares, o que faz com que a relação se torne democrática. Cada um oferece o melhor de si e o compromisso e a confiança são a base da relação, tendo em vista que os amigos são frutos de uma escolha e não de uma imposição. Mas existem regras que, quando são rompidas, levam ao distanciamento dos pares e à formação de outras relações. Foi o que vi acontecer nas relações que os jovens da Escola Maria Melo estabelecem com seus grupos de pares.

Para ilustrar essa assertiva vou lembrar o que aconteceu entre Vida e Paixão. As duas estudavam na mesma turma e demonstravam grande amizade uma pela outra. Estavam sempre juntas e conversavam o tempo todo. Durante a realização de uma oficina, percebi que as duas sentaram distantes e, quando sugeri que fizessem uma atividade juntas, Vida se recusou. Não insisti, mas depois que concluímos a oficina, chamei Vida e lhe perguntei o que havia acontecido. Ela então começou a chorar e contou que a amiga havia lhe traído, pois contara para uma colega em comum, um “segredo” que havia lhe confiado e que, por essa razão, não poderiam ser mais amigas.

Essa dinâmica de relações presentes na sociabilidade, que se dá num movimento constante de afastamentos e aproximações, é comentada por Dayrell e Carrano (s/d) que a compara ao ir-e-vir constante de um jogo. Sobre Vida e Paixão, decorridos alguns dias, depois de inúmeros pedidos de desculpas e da intervenção de amigos e, inclusive, desta pesquisadora, as duas fizeram as pazes e voltaram a circular, juntas, pelo pátio da escola.

Desse modo, concordo com a afirmação de Dayrell e Carrano (s/d) a respeito da dificuldade que os jovens apresentam na relação que estabelecem com o universo escolar, especialmente no que se refere à construção do seu estatuto de aluno, que equivocadamente, segundo a escola, deve ocorrer separada da sua condição juvenil, o que contribui para que se crie uma tensão entre os atores sociais ali presentes. Entretanto, não se pode esquecer, como também diz Dayrell e Carrano (s/d, p. 24) que “os jovens não vão simplesmente à escola: apropriam-se dela, atribuem-lhe sentidos e são influenciados por ela”. E é exatamente na dimensão da sociabilidade que a condição juvenil se manifesta com toda a intensidade no espaço escolar e é através dela que a escola parece adquirir sentido para os jovens, pois como diz Esperança: “Eu gosto da escola porque lá eu encontro meus amigos”.