• Nenhum resultado encontrado

2 A JUVENTUDE E SUAS MÚLTIPLAS FORMAS DE SER E DE SE SENTIR

2.2 Em busca dos fios que fazem a juventude da Escola Maria Melo

2.2.2 Segundo fio: tempo livre e lazer

Falar de tempo livre nos faz pensar em tempo de trabalho, em oposição. Desse ponto de vista, é pertinente falar de um tempo livre em relação aos jovens que ainda não trabalham? Penso que sim. Compreendo que os jovens da Escola Maria Melo, mesmo não estando ligados ao mundo do trabalho, de alguma maneira possuem “ocupações” tanto no ambiente familiar (ajudar nas tarefas domésticas, fazer tarefas escolares, resolver “pequenos” problemas como pagamentos, compras) quanto na escola (cumprimento de horários, de tarefas). Além disso, superando a representação ideológica do lazer que o vê apenas com a função de servir como um alívio das tensões cotidianas, principalmente do trabalho, o lazer é compreendido, conforme Carrano (2003, p. 139), como “campo potencial de liberdade”. Relacionado ao tempo livre27, o lazer é muito destacado pelos jovens e representa, sobretudo, “não ir à escola, nem precisar fazer tarefas escolares” (Verdade). É o tempo dedicado à diversão, a fazer as coisas de que gosta, sem preocupação, nem cobranças. Ou como diz Paixão, é tempo “de ficar de pernas prá o ar”!

O lazer pode ser encontrado dentro de casa, mas, principalmente fora dela. Em casa, “não há muita coisa pra fazer” (Alegria), por isso, assistir à televisão é apontado por grande parte dos jovens pesquisados (27) como a atividade preferida, com destaque para o seriado Malhação e as novelas (escolha das mulheres), os jogos de futebol e os programas de esportes (escolha dos homens). Ouvir música é também uma alternativa. Como se pode perceber, o modo como esses jovens vivem o lazer, principalmente em casa, apresenta diferenças sutis que indicam particularismos de gênero e as preferências pelos programas de televisão mostram bem isso. Além do mais, as condições sócioeconômicas precárias parecem afetar mais diretamente as mulheres do que os homens em relação a esse aspecto. Todas as jovens que fizeram parte da pesquisa ajudam na realização de tarefas domésticas, ao contrário dos jovens que são liberados “desse sofrimento”, como diz Vida. “Eles são uns folgados!”. Para elas, é “muito chato ficar fazendo este tipo de coisa” resume Bondade que é imediatamente apoiada por Vida que diz: “eu odeio serviço de casa, principalmente lavar roupa e varrer

27

Para Carrano (2003, p. 139) “Todas as atividades de lazer são atividades de tempo livre, mas nem todas as de tempo livre podem ser consideradas como sendo de lazer”.

casa, mas fazer o que! Se eu não fizer minha mãe fica uma fera”. Elas disseram que ouvir música (no celular, mp3 e derivados) serve para suavizar a realização destas tarefas.

Por sua vez, fora de casa as possibilidades de lazer se ampliam e aparecem na sua característica de “suspensão das rotinas da vida cotidiana” (CARRANO, 2003, p. 140) sendo vivido intensamente pelos jovens como a oportunidade de afrouxamento das tensões impostas pelos processos de regulação e controle dos adultos. O jogo de bola, o vídeo game, sair pra dançar ou simplesmente sair para conversar com os amigos ou namorar são indicados como as principais alternativas. O estudo realizado por Souza (2003) com jovens do ensino médio da cidade de São Paulo também apontou que o convívio com os amigos e com namorados é o componente principal não apenas do lazer, mas da “vida juvenil’. Ou seja, o lazer predileto é sempre aquele que envolve a companhia dos pares. Porém, ao contrário dos jovens pesquisados por Matos (2003) na cidade de Fortaleza, no estudo que realizei a ida ao shopping não foi indicada como opção de lazer, embora existam dois nas imediações do bairro onde moram. Nesse sentido Vida diz: “Aqui no bairro não tem muito prá onde a gente sair não. Às vezes a gente vai pra casa de uma amiga, coloca música e fica dançando. Às vezes fica só conversando. É legal!”. Esperança lembra que “dia de sábado geralmente tem pagode, mas nem sempre meu pai me deixa ir”. Calma que é evangélica afirma que prefere ir à Igreja, pois “lá tem um grupo de jovens bem legal”. Nesse caso, vale a criatividade e imaginação para criar espaços e tempos de lazer.

A internet também é apontada pelos jovens como uma forma de lazer mas, apenas dois dos 71 jovens, possuem computador em casa. O restante disse gostar de freqüentar LAN house28 próximas de casa, mas que nem sempre isto é possível devido ao preço que têm de pagar (R$ 1,50 por uma hora de acesso). “O que eu gosto mais na internet, é do facebook e de conversar pelo msn, mas é difícil eu ir na LAN house, porque minha mãe nem sempre tem dinheiro prá me dar”, fala Amor. Já para Alegria, o melhor da internet é “procurar as coisas no Google, lá tem tudo que você quiser saber”.

Concordo com Matos (2003, p.47-48) quando afirma que, apesar de apontarem diversos modos de lazer, “há limitação para a grande maioria, provocada pela impossibilidade da posse, o que indica que a diversão para os jovens pesquisados não é uma prática democrática, nem vivida com a intensidade com que eles gostariam”. Diante disso, me inclino

28

LAN house é um estabelecimento comercial onde as pessoas podem pagar para utilizar um computador com acesso à Internet e a uma rede local, com o principal fim de acesso à informação rápida pela rede e entretenimento através dos jogos em rede ou online.

a afirmar que os jovens pobres, de modo geral, e de modo particular, os que fizeram parte desta pesquisa, são profundamente afetados pela falta de uma infra-estrutura que lhes permita viver atividades de lazer na comunidade onde moram. Ademais, segundo Groppo (2000), como um tempo e espaço cada vez mais reconhecido pela sociedade e cada vez mais importante para os hábitos de consumo no mundo contemporâneo, a relação juventude-lazer pode se tornar problemática, tendo em vista que o lazer é a esfera de atividades, por excelência, em que é exercido o consumo moderno. Em alguns casos, a impossibilidade de acesso a determinadas práticas de lazer, imposta pela precariedade das condições econômicas, pode gerar nos jovens sentimentos de revolta e frustração, bem como levá-los à busca de atividades alternativas.