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3 “LOS MOZOS LA LEEN, LOS NIÑOS LA MANOSEAN” ESCOLARIZAÇÃO DO QUIXOTE

J. M Lucía Megías También los niños leen el Quijote.

3.2.1 Primeiros desafios: a seleção de uma adaptação

Distante da atual configuração, o projeto Don Quijote foi inicialmente desenvolvido no Colégio Bandeirantes, em 2002, durante as aulas de língua espanhola com seis turmas de 8o ano do Ensino Fundamental, com 35 alunos

cada uma. Por se tratar de um projeto ao redor da leitura de uma obra, a escolha desta ocupa um papel importante no desenvolvimento do projeto.

É importante destacar que durante esse período houve mudanças sensíveis na oferta de ensino de espanhol em nosso país, passando pela quase ausência da disciplina no currículo das escolas até a implantação da Lei 11.161/2005, que instituiu a obrigatoriedade da oferta de ensino da língua espanhola no Ensino Médio. Pode-se dizer que, a despeito da implantação dessa lei, a oferta do ensino variou bastante na última década. Vale destacar que no ano de 2016 houve a revogação dessa lei por meio da Medida Provisória no 746,

contribuindo para dificultar ainda mais a difusão da língua espanhola no ensino básico brasileiro.

A oferta de ensino de língua espanhola, no Colégio Bandeirantes, ocorre desde 1996 no ensino médio, tornando-se disciplina obrigatória no ensino fundamental a partir do ano 2000, quando foi implantada nos 6os e 7os anos. A

partir de 2001, a língua já era oferecida regularmente no 8o ano.

A seguir, destacamos as quatro adaptações do Quixote em língua espanhola adotadas ao longo de quinze anos de trabalho.

3.2.1.1 Don Quijote de la Mancha adaptado por Margarita Barberá Quiles (Editora Scipione)

Figura 8. Capa de Don Quijote de la Mancha (Ed. Scipione)

Fonte: Google Imagens (2016)

Nem sempre a palavra “seleção” pôde ser aplicada na adoção de uma adaptação do Quixote para o trabalho em sala de aula. Há catorze anos não havia, em nosso país, uma extensa oferta de edições do Quixote adaptado em língua espanhola, já que o ensino de língua espanhola ainda era pouco difundido.

Entre 2002 e 2005, nos primórdios do projeto, foi adotada uma adaptação do Quixote da editora brasileira Scipione (Figura ), empresa com uma extensa tradição na publicação livros escolares. O texto da adaptação, produzido da Espanha e escrito por Margarita Barberá Quiles, pertencia à Coleção “Leer y Aprender” direcionada a estudantes de língua. O mesmo texto foi, no mesmo período, publicado em outros países por outras editoras3.

Essa coleção era praticamente a única alternativa de livros paradidáticos para aulas de espanhol e não especificava a faixa etária para a qual estava indicada. Todavia, a julgar pela grande quantidade de ilustrações, é possível inferir que era destinada às últimas séries do Ensino Fundamental I, alcançando também a maior parte do Fundamental II. Essa coleção foi composta por diversos

clássicos da literatura hispânica, como “La Gitanilla” e El Zorro. Outras coleções de clássicos adaptados estavam disponíveis apenas por meio de importação e nem sempre em quantidades que atendiam à demanda de uma escola.

Essa adaptação apresentava um texto de fácil compreensão para os alunos, além de possuir uma estrutura enxuta na apresentação das aventuras que contemplava somente os episódios mais famosos da obra, com períodos curtos e capítulos bem delimitados. No entanto, tinha uma característica peculiar: a linguagem empregada buscava preservar um pouco da linguagem utilizada no Quixote do século XVII. Desse modo, apresentava arcaísmos típicos da língua do Século de Ouro, com grande quantidade de vocábulos e expressões antigas, (como por exemplo, “andar de la Ceca a la Meca”, passar os dias “de turbio en turbio” e nosso cavaleiro buscava “enderezar tuertos”). E, como “por el hilo se saca el ovillo”, logo percebemos que este aspecto da fidelidade ao original tornava alguns fragmentos da obra incompreensíveis para os estudantes. Como postulou Linda Hutcheon, nem sempre fidelidade extrema ao original é critério para avaliar como adequada uma obra em segundo grau.

Os resultados dos trabalhos realizados a partir da leitura dessa adaptação tinham pouca expressividade e nosso desejo de tornar a leitura do Quixote um evento mais expressivo fez com que recorrêssemos a trechos da obra original cervantina, adaptados pela equipe de professoras de língua espanhola, para, assim, propor atividades mais elaboradas e compor o projeto.

3.2.1.2 Don Quijote de la Mancha adaptado por Paula López Huertas (Editora Anaya)

Figura 9. Don Quijote de la Mancha (Ed. Anaya)

Fonte: Google Imagens (2016)

Em 2005, a oferta de adaptações do Quixote em língua espanhola já era um pouco maior, assim como nossa motivação de seguir aprofundando a difusão de sua leitura entre os alunos. A importação desses itens estava mais acessível ao púbico brasileiro, à medida que o ensino de língua espanhola nas escolas se ampliava. Nesse período, havia opções importadas da Espanha, como a das editoras Edelsa e Anaya.

A segunda adaptação escolhida foi a de Paula Lopez Huertas, publicada pela editora espanhola Anaya (Figura 9) que distribuía outros livros didáticos de E/LE (español lengua extranjera) em nosso país. O representante da editora nos trouxe uma adaptação que se diferenciava da anterior em diversos aspectos. O texto estava direcionado a jovens estudantes de 10 a 14 anos, com a linguagem em espanhol atual, adaptado a essa faixa etária. Pode-se dizer que esse livro tinha como público-alvo originalmente as crianças nativas, sendo muito utilizado na atualidade em diversos colégios da Espanha.

Ao avaliar o texto, ele nos pareceu adequado do ponto de vista da linguagem, que, por sua vez, é clara e precisa, sem perder a literariedade do texto. Além disso, possui belas ilustrações e um guia para o professor. Respeitosa com a obra original, essa adaptação preserva muito mais episódios que a anterior, o que nos pareceu positivo, pois proporciona ao aluno um conhecimento mais amplo da obra.

Aceito o desafio de trabalhar com uma obra escrita para nativos, tínhamos diante de nós um problema prático: a ausência de um glossário com a definição das palavras mais difíceis e um paratexto comum direcionado a estudantes de língua espanhola como língua estrangeira. O problema não nos desencorajou e a solução tomada foi a confecção de um vocabulário específico para nossos estudantes, que foi elaborado pelas professoras. Também foi construída uma lista com o léxico que apresentava maior dificuldade, elaborado durante as aulas em colaboração com alunos, o que de certo modo proporcionou uma experiência prolífica, embora não necessariamente focada no enredo da obra.

O resultado foi a elaboração de um glossário de aproximadamente dez páginas do qual extraímos o fragmento abaixo:

Figura 10. Vocabulário do livro Don Quijote de la Mancha (Ed. Anaya)

Fonte: elaboração pela equipe de professoras de língua espanhola do Colégio Bandeirantes, em colaboração com os alunos do 8º ano (2006)

Muito detalhado, esse glossário indicava o capítulo e a página onde estava localizada a palavra desconhecida. Quando havia alguma expressão, indicávamos também o parágrafo, para facilitar a contextualização.

Ao final do primeiro ano de leitura dessa adaptação, em 2006, aplicamos um questionário para avaliar o nível de dificuldade que os estudantes encontravam na leitura da obra e também para saber quais atividades haviam alcançado um melhor aproveitamento. Os resultados da aplicação da pesquisa nos incentivaram a realizar algumas mudanças no projeto como um todo. Não obstante, a edição fora mantida, pois os resultados referentes à adequação do nível de dificuldade na leitura foram positivos (parte A):

Figura 11. Questionário sobre a leitura da obra