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2.1 OS PRIMEIROS PASSOS DA MOTIVAÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO, COMO CATALIZADORES PARA O SURGIMENTO DO MST NO NORTE CAPIXABA

SEM TERRA (MST), NO NORTE DO ESPÍRITO SANTO: HISTÓRIA, LUTAS E CONQUISTAS

2.1 OS PRIMEIROS PASSOS DA MOTIVAÇÃO E CONSCIENTIZAÇÃO, COMO CATALIZADORES PARA O SURGIMENTO DO MST NO NORTE CAPIXABA

Discorreremos nas linhas seguintes, sobre a gênese do MST no norte do Estado do Espírito Santo, e, sobre a atmosfera sócio política presente no entorno do surgimento desse movimento social. Veremos ainda, como foi construída a conscientização do homem do campo quanto a sua condição de sujeito de direito.

Diante desse clima de descaso político, de violência e exclusão presente nos anos oitenta (regime militar), para fortalecer e apoiar a luta contra a força opressora do Estado, “a única saída seria desencadear no campesinato uma consciência rebelde face à nova realidade de expropriação e espoliação que estava avançando no campo (SOUZA et al., 2005).

Inicialmente, os trabalhos de conscientização e motivação dos grupos de Sem Terra foram desenvolvidos pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEB)12. Como particularidade, registrava-se a possibilidade de compartilhamento dos problemas e renovação das esperanças em prol da conquista da terra, já que as CEB era o ponto de encontro das comunidades pobres, durante o período do regime militar. A partir dos anos sessenta, As Comunidades Eclesiais de Base (CEBs)foram,

lugares sociais onde se constituíram os espaços de reflexão sobre a realidade e, onde se desenvolveram as experiências para a organização dos trabalhadores rurais contra a política agrária em questão. Assim as CEBs representaram, nesses anos, os espaços de confronto, de ponto de partida para a luta organizada contra a política de desenvolvimento agropecuário implantada. É desses espaços que vão surgir os novos sujeitos que se politizam e começam um processo de construção de novas formas de organização social (FERNANDES, acesso em 20 mai. 2018).

Juntamente com este trabalho coletivo de conscientização sócio política, estava também os acontecimentos atrelados a evolução do desenvolvimento dos projetos capitalistas no campo, como por exemplo a modernização da agricultura e o incentivo

12 A Igreja Católica também não compartilha dessa política de exclusão do homem do campo, apoiava a organização do MST e seus pleitos pelo direito à reforma agrária e à educação.

As Comunidades Eclesiais de Base (CEB), são comunidades de inclusão social ligadas principalmente à Igreja Católica que, incentivadas pela Teologia da Libertação após o Concílio Vaticano II, se espalharam principalmente nos anos 1970 e 80 no Brasil e na América Latina. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/igreja.html. Acesso em: 06 nov. 2018.

governamental a implementação dos grandes cultivos da monocultura do eucalipto e da cana de açúcar, que transformou os pequenos agricultores e os meeiros em famílias de periferia das cidades, sem perspectivas de trabalho e renda.

Souza e outros (2005), citam números do êxodo rural de 1981, esclarendo-nos que nos anos setenta, foram expulsos do campo do Espírito Santo cerca de 146.930 trabalhadores, e ainda que, nessa mesma década, cerca de 11.294 pequenas propriedades passaram a não mais existir. Com isso, aumentou a concentração de terra, ao mesmo tempo que as cidades tiveram um ganho populacional de 79,15%.

Em paralelo a tudo isso, os grupos de oposições, nos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais (STR) capixabas, começaram a conquistar os espaços estratégicos de tomada de decisões e passaram a dar publicidade e assumir a bandeira da luta pela terra. Essa organização e todas essas articulações tinham a influência das Comissões Pastorais da Terra (CPT), refletido inclusive no lema da bandeira que era, “Terra de Deus, terra de irmãos, terra de todos ou, ainda terra para quem nela trabalha” (SOUZA et al.,2005, p. 76).

Assim, os novos sindicalistas expandiram seus contatos, de forma que começaram a participar dos Congressos Nacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG) e também da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Esse intercâmbio com lideranças de Sem Terra, trouxe o aprendizado de organização e de condução da luta em prol da terra.

Destaca ainda, Souza e outros (2005), que esses sindicalistas do Norte do Espirito Santo, fizeram, em sua maioria, a escolha da manutenção das negociações, em detrimento das marchas e ocupações, pelo fato de que o governo, considerado de oposição e que tinha ainda o apoio amplo de setores da sociedade (professores, profissionais liberais, estudantes, a igreja...), apresentava vontade política para o diálogo. A propósito dessa disposição governamental, encontrava-se em trâmite na Assembleia Legislativa do Estado o Projeto de Lei nº 95/84, que visava regulamentar a distribuição dos recursos fundiários e criava o Fundo fundiário com o objetivo de investir em assentamentos.

Fruto de todo esse envolvimento e negociações, foi criado em 1984 o primeiro assentamento no Espírito Santo, denominado de Assentamento Córrego da Areia, no

Município de Jaguaré, composto por quarenta famílias. Ao final deste mesmo ano, também no Município de Jaguaré, o segundo grupo de Sem Terras conquistaram a terra, denominando-a de Assentamento São Roque.

A conscientização em defesa e conquista da terra passou, desde cedo, a ser utilizada e valorizada como um instrumento de luta contra as distorções produzidas pela hegemonia do capital no espaço do campo. Além disso, ao se apropriar do domínio do conhecimento de suas próprias realidades, esses cidadãos do campo transformaram-se em produtores de suas sínteses sócio cultural. Para Freire (2013, p.13), significa dizer que o aprendizado e a elevação da consciência política como “[...] a educação reproduz, assim, em seu plano próprio, a estrutura dinâmica e o movimento dialético do processo histórico de produção do homem [...]”.

Com essa formação de identidade coletiva, que transportou-os da condição de sujeitos fora do processo, para a condição de sujeitos do processo fundiário nacional, podemos dizer que as conquistas até então alcançadas pelo MST, foram resultantes de dois aspectos, em especial, um relacionado as condições objetivas e diretas de concentração de terra do norte do Estado do Espírito Santo, e outra associada as formações de lideranças, como os estudos, os encontros e os intercâmbios, que de fato desenvolveram um legado de percepções nesses sujeitos.

É nesse cenário que é estabelecido, em 1985, o Movimento dos Trabalhadores rurais Sem Terra (MST), no Estado do Espírito Santo, na leitura de Souza e outros (2005). E, para o recém estabelecido MST (1999, p.11), surge a tarefa de “[...] formar seres humanos que têm consciência de seus direitos humanos, de sua dignidade [...]”. Com esse estabelecimento do MST no norte do Espírito Santo as demandas de enfrentamento direto passam a ser experimentadas, e é sobre essa temática que discorreremos no próximo subitem.