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O principio da dignidade da pessoa humana foi inserido como valor e princípio fundamental no art. 1º25, do texto constitucional, e representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, uma vez que irradia efeitos sobre todo o ordenamento jurídico, não apenas no que tange aos atos e às situações envolvendo a esfera pública dos atos estatais, mas, também, todo o conjunto das relações privadas verificadas no âmbito da sociedade.26

A dignidade da pessoa humana é tutelada quando se encontra vinculada aos direitos fundamentais, por meio de duas funções diferentes; a da proteção à pessoa humana, no sentido de defendê-la de qualquer ato degradante ou de cunho desumano, contra o Estado e a comunidade em geral; e, a de promoção da participação ativa da pessoa humana nos destinos da própria existência e da vida comunitária, proporcionando condições mínimas para tal convivência.27

Desta forma, ressalta-se a noção de dignidade da pessoa humana, a qual envolve o núcleo existencial, que se apresenta essencialmente comum a todos os seres humanos como pertencentes ao gênero humano, impondo, em relação à dimensão pessoal da dignidade, um dever geral de respeito, de proteção e de intocabilidade, não se admitindo qualquer comportamento ou atividade que diminua a pessoa humana.28

24 BRANT, 2011.

25 Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana [...]. BRASIL, 1988.

26

SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000. p. 60.

27 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios Constitucionais de direito de família: guarda compartilhada à luz da lei nº 11.698/08: família, criança, adolescente e idoso. São Paulo: Atlas, 2008. p. 69. 28 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. In: FARIAS, Cristiano Chaves de (Org.).

Assim, a dignidade da pessoa humana precisa ser analisada e acompanhada da necessidade de que as outras pessoas e a própria comunidade respeitem a liberdade e direitos de cada cidadão, de modo a permitir a proteção e a promoção dos bens indispensáveis ao desenvolvimento da personalidade humana.

Diante disso, houve uma supervalorização da pessoa humana, tendo deixado de lado a impessoalidade, impondo ao Estado o dever de abster-se de praticar atos contrários ao referido princípio, assim como, o de promover a aplicação do mesmo, com o intuito de garantir o mínimo existencial para cada indivíduo.29

Ademais, por meio do referido princípio objetiva-se assegurar um espaço de integridade moral para todas as pessoas, relacionado com a liberdade, com os valores de espírito, bem como, com as condições materiais de subsistência, tendo como núcleo o mínimo existencial, incluindo ali os direitos à saúde, à renda mínima, à educação fundamental e o acesso à justiça.30

Por essas razões, considera-se o princípio da dignidade humana a base para aplicação de outras normas, sendo ele o mais universal de todos os princípios, uma vez que é dele que emanam os demais, como o da igualdade, o da cidadania, o da liberdade, entre outros.31

Contudo, vale salientar que uma das áreas que mais se percebe os reflexos da aplicação do princípio da dignidade humana é o Direito de Família, uma vez que atinge diretamente as relações familiares, o que será visto a seguir.

2.2.1 Princípio da Dignidade Humana nas relações familiares

No âmbito do direito de família, o princípio em tela deve ser aplicado no sentido de garantir o exercício desse direito pelos familiares, assim como incumbi-los de promover o respeito e a igual consideração de todos os demais familiares, de modo a propiciar uma existência digna para todos e de uma vida em comunhão para cada familiar com os demais.32

29

SARMENTO, 2000, p.71.

30 BARCELLOS. Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. O princípio da dignidade da pessoa humana. 2002. p. 247 e ss.

31

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para organização jurídica da família. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 68.

No período de família patriarcal, a dignidade era apenas reconhecida ao marido e pai, considerado o chefe da sociedade conjugal, e somente a ele eram proporcionadas determinadas situações jurídicas que, por sua vez, eram negadas aos outros membros da família. Naquela época, o espaço privado familiar estava vedado à intervenção pública, admitindo-se a subjugação e os abusos contra os mais fracos.33

Entretanto, atualmente, a dignidade da pessoa humana atua com o fim de assegurar o pleno desenvolvimento da dignidade e da personalidade de todas as pessoas que compõe a entidade familiar, consequência trazida pela Constituição Federal de 1988, no aludido art. 1º, inciso III34 e no parágrafo 7º, do art. 22635.

Diante do reconhecido do macroprincípio da proteção da pessoa humana passou-se a sustentar a ideia de personalização, repersonalização e despatrimonialização do Direito Privado, de modo que o patrimônio perde a importância e a pessoa é supervalorizada.36 Portanto, considera-se fundamental e imprescindível à aplicação e atuação do referido princípio no ramo do Direito de Família.

Nesse sentido, importante ressaltar alguns exemplos de aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana nas relações familiares, por meio da atual jurisprudência nacional. Primeiro, pode-se citar a impenhorabilidade do imóvel em que reside a pessoa solteira, sendo considerado um bem de família, protegido pela Lei n. 8.009/90, entendimento este comum do Superior Tribunal de Justiça. Aqui, percebe-se a intenção de proteger a pessoa em si, e não mais de um grupo específico, bem como o direito constitucional à moradia, já elucidado anteriormente.37

Ainda, a aplicação do princípio da dignidade humana aparece na relativização da culpa nas ações de separação judicial.38 Nesse sentido, sustenta-se que, como a cláusula geral

33 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. In: FARIAS, 2009. p. 32.

34 Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana [...]. BRASIL, 1988.

35 Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. §7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. [...]. BRASIL, 1988.

36 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 255-294. 37 TARTUCE, Flávio. Novos princípios do Direito de Família. Disponível em: <http://professorallan.com.br/

UserFiles/Arquivo/Artigo/artigo_novos_principios_do_direito_de_familia_tartuce.pdf>. Acesso: 08 ago. 2013a.

38 SEPARAÇÃO JUDICIAL – PEDIDO INTENTADO COM BASE NA CULPA EXCLUSIVA DO CÔNJUGE MULHER – DECISÃO QUE ACOLHE A PRETENSÃO EM FACE DA INSUPORTABILIDADE DA VIDA EM COMUM, INDEPENDENTEMENTE DA VERIFICAÇÃO DA CULPA EM RELAÇÃO A AMBOS OS LITIGANTES – ADMISSIBILIDADE. A despeito de o pedido inicial atribuir culpa exclusiva à ré e de inexistir reconvenção, ainda que não comprovada tal culpabilidade, é possível ao Julgador levar em

de proteção da personalidade humana promove a dignidade humana, não há dúvida de que se é direito da pessoa humana constituir núcleo familiar, também é direito daquela pessoa não manter a entidade formada, sob pena de comprometer-lhe a existência digna.39

Por fim, pode-se verificar a proteção da dignidade da pessoa humana no que tange ao abandono paterno-filial. A referida tese foi aplicada em diversos julgados40, os quais condenaram pais ao pagamento de indenização civil aos filhos, em razão do abandono afetivo, sustentando expressamente a dignidade humana.41

Diante disso, observa-se que o princípio da proteção da dignidade humana apresenta- se como a base do novo Direito de Família, sendo ponto de partida para este e objeto de discussão central no âmbito das relações familiares, sendo utilizado constantemente na resolução dos conflitos que envolvem o Direito de Família.