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Ao lado dos relevantes princípios e valores, como o da igualdade, da dignidade humana, do bem-estar social e da justiça, o legislador constituinte destacou como uma das finalidades a serem atingidas pelo Estado Democrático de Direito, a segurança jurídica.

Diante de diversas e profundas modificações jurídicas, culturais e sociais pelo qual o ordenamento jurídico vem passando, é imperioso refletir acerca do princípio da segurança jurídica, imprescindível para compreender a atual normatização jurídica.

A segurança jurídica está consagrada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, no art. 2º62 e, também, está prevista na Constituição Federal de 1988, no caput, do art. 5º63.

Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. BRASIL, 2002.

59 ALIMENTOS – Prova de dedicação da mulher ao lar, em prejuízo da atividade profissional para a qual se formou – Direito à pensão por tempo razoável para sua recolocação no mercado de trabalho – Recurso parcialmente provido. TJ/SP. Apelação Cível n. 196.277-4, São Paulo, Quarta Câmara de Direito Privado, Relator Aguilar Cortez - 23/08/2001 - v.u.

60 Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. § 1o Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro. BRASIL, 2002.

61 TARTUCE, 2013a.

62 Art. 2º. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses direitos são a liberdade, a propriedade a segurança e a resistência à opressão. DECLARAÇÃO dos Direitos do Homem e do Cidadão. 1789. Disponível em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct /legis_intern/ddh_bib_inter_universal.Htm>. Acesso: 24 ago. 2013.

63 Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] § 1º - As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. BRASIL, 1998.

Entretanto, no âmbito do pensamento constitucional contemporâneo, mesmo que não haja menção expressa a um direito à segurança jurídica, a ideia de que um autêntico Estado de Direito é sempre um Estado da segurança jurídica já está enraizada, já que, do contrário, um “governo de leis” poderia resultar em despotismo e toda a sorte de iniquidades.

Assim, a doutrina contemporânea tem considerado a segurança jurídica como expressão inarredável do Estado de Direito, de modo que adquiriu o status de subprincípio concretizador do princípio fundamental e estruturante do Estado de Direito.64

Desta forma, a segurança jurídica constitui, ao mesmo tempo, princípio fundamental da ordem jurídica estatal e internacional, além de assumir a condição de direito fundamental da pessoa humana.65

Ao longo dos anos, a segurança jurídica foi desenvolvida doutrinária e jurisprudencialmente, designando um conjunto de ideias e teorias, o qual inclui a existência de instituições estatais dotadas de poderes e garantias, assim como, sujeitas ao princípio da legalidade; a confiança nos atos do Poder Público, que deverão reger-se pela boa-fé e pela razoabilidade; a estabilidade das relações jurídicas, manifestada na durabilidade das normas, na anterioridade das leis em relação aos fatos sobre os quais incidem e na conservação de direitos em face da lei nova; a previsibilidade dos comportamentos, tanto os que devem ser seguidos como os que devem ser suportados; a igualdade na lei e perante a lei, inclusive, com soluções isonômicas para situações idênticas ou próximas.66

No entanto, pode-se dizer que a segurança jurídica enfrenta uma crise de identidade, atualmente. Isso se dá pelas inúmeras mudanças, tanto econômicas, quanto tecnológicas e políticas, como, também, jurídicas. Assim, vem se perpetuando no tempo o debate acerca da segurança jurídica, em especial, no que tange aos efeitos da lei nova sobre a realidade existente quando da entrada em vigor da mesma.67

Em face desta instabilidade institucional, social e econômica, tanto nacional e internacionalmente, que resultou em uma busca reformista, nota-se que a eficácia, o

64 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição do retrocesso social no direito constitucional brasileiro. In.: Revista Eletrônica sobre a reforma do Estado. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/ rere-21-marco-2010-ingo-sarlet.pdf>. Acesso em: 06 ago. 2013b.

65 SARLET, 2013b.

66 BARROSO, Luís Roberto. Em algum lugar do passado: Segurança jurídica, direito intertemporal e o novo código civil. In: Constituição e Segurança jurídica: direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

reconhecimento, bem como a efetividade do direito à segurança jurídica, assume um lugar de destaque entre os princípios e direitos fundamentais.

Afora isso, o Estado Democrático de Direito considera o princípio da segurança jurídica como elemento constitutivo da própria noção de “Estado de Direito”.68

O referido princípio, em seu sentido mais amplo, exige a confiabilidade, a clareza, a razoabilidade e a transparência dos atos do poder, bem como, os indivíduos tem o direito de poder contar com o fato de que aos atos ou às decisões públicas concernentes por eles praticados a seus direitos, posições ou relações jurídicas fundadas sobre normas jurídicas válidas e em vigor, se vinculem os efeitos previstos e assinados por estas mesmas normas.69

Importante ressaltar algumas dentre as mais relevantes manifestações do princípio em tela, constantes no art. 5º, II70, XXXVI71, XXXIX72, XL73, XLV a XLVIII74, LI e LII75, LIV e LV76.

Diante disso, percebe-se que a segurança jurídica ocupa um lugar de destaque no ordenamento jurídico-constitucional brasileiro atual, ao lado da segurança social.77 Vale lembrar, também, que a segurança jurídica integra os elementos nucleares da noção de Estado de Direito, a qual está plasmada na Carta Magna de 1988 e desta sendo indissociável.

68 FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 1979. p. 3

69 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Portugal: Edições Almedida, 1941.

70

[...] II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; [...]. BRASIL, 1988.

71 [...] XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; [...]. BRASIL, 1988.

72

[...] XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; [...]. BRASIL, 1988.

73 [...] XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu; [...]. BRASIL, 1988.

74 [...] XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido; XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; [...]. BRASIL, 1988.

75 [...] LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião; [...]. BRASIL, 1988. 76 [...] LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV - aos litigantes,

em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...]. BRASIL, 1988.

77 A segurança social está igualmente consagrada de modo expresso no âmbito da ordem social e ligada diretamente aos direitos fundamentais à saúde, assistência e providência social. SARLET, 2013b.

Entretanto, nem o princípio da segurança jurídica, nem o complexo de direitos fundamentais empregados pelo legislador constituinte, esgotam as possibilidades de delimitar o âmbito de proteção de um direito à segurança jurídica, à luz da Constituição Brasileira.78

Assim, sabe-se que o ordenamento jurídico deve se atualizar e realizar as modificações necessárias para se adequar às exigências da sociedade atual, orientando o homem na busca do aprimoramento da vida social, de forma civilizada. No entanto, tais reformas sempre deverão observar as garantias, direitos e princípios constitucionais, não podendo, jamais, se descuidar da incidência da segurança jurídica e seus aspectos, como a clareza da lei, a previsibilidade dos efeitos, a confiabilidade dos destinatários nos agentes e aplicadores do direito, preservação da eficácia das relações já estabelecidas, compatibilização das regras novas com o sistema geral de organização normativa, entre outros.

Destarte, a modernização do ordenamento jurídico é imprescindível, mas o que não se pode admitir é o comprometimento e violação do princípio da segurança jurídica, considerado uma das regras fundamentais num Estado Democrático de Direito, cabendo, não somente ao legislador, como, também, a todos os poderes públicos, observá-lo e cumpri-lo.

Finalmente, destaca-se, dentre outras manifestações, a idéia de proibição do retrocesso social associado à impossibilidade da aplicação de leis novas que ofendam os critérios de razoabilidade e proporcionalidade, o que será explicitada a seguir.