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2. Análise das exceções verificadas na aplicação do duplo grau de jurisdição

2.4. Princípio do duplo grau de jurisdição e princípio da efetividade

Reputamos necessária a abordagem do princípio da efetividade por ser o duplo grau constantemente questionado à luz desse princípio, mais precisamente, em razão de o duplo grau ser fortemente criticado por supostamente inviabilizar a celeridade processual, um dos aspectos inerentes ao estudo da efetividade do processo.

Assim, compreenderemos o princípio da efetividade, objetivando demonstrar que o mesmo não necessariamente se contrapõe ao princípio do duplo grau de jurisdição.

Inicialmente, é imperioso destacar que ambos os princípios em foco decorrem do princípio processual maior, qual seja, o do acesso à justiça, insculpido no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, por sua vez, foi abordado anteriormente (capítulo 1: item 5.2 e capítulo 2: item 2.2.2), tendo sido destacada a sua importância na compreensão dos princípios processuais constitucionais e na atuação da jurisdição voltada à pacificação social, a partir da concessão de uma tutela jurisdicional justa e eficiente concedida com base num processo desenvolvido com as garantias do devido processo legal.

Cândido Rangel Dinamarco sintetiza a importância do princípio do acesso à justiça, quando afirma:

“Tudo quanto foi dito ao longo da obra volta-se a essa síntese muito generosa que na literatura moderna leva o nome de acesso à justiça. Falar em instrumentalidade do processo ou em sua efetividade significa, no contexto, falar dele como algo posto à disposição das pessoas com vistas a fazê-las mais felizes (ou menos infelizes), mediante a eliminação dos conflitos que as envolvem, com decisões justas. Mais do que um princípio, o acesso à justiça é a síntese de todos os princípios e garantias do processo, seja a nível constitucional ou infra- constitucional, seja em sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial. Chega-se à idéia do acesso à justiça, que é o pólo metodológico mais importante do sistema processual na atualidade, mediante o exame de todos e qualquer um dos grandes princípios”. 247

Atualmente, o princípio da efetividade pode ser extraído não apenas do inciso XXXV do art. 5º, da CF, mas também do inciso LXXVIII do mesmo artigo, inserido na Lei Maior pela Emenda Constitucional nº 45, que dispõe: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Embora a efetividade possa ser considerada sob diversos aspectos e com diferentes significados, ressalta Delosmar Mendonça Junior que existem, pelo menos, duas faces na apreciação de efetividade do processo: uma ampla, geral e multivalorativa, que leva a perspectiva da efetividade para além de sua finalidade jurídica, estendendo a discussão para as esferas política, social e institucional que digam respeito à realização do acesso à ordem jurídica justa. “São os efeitos produzidos por políticas de aparelhamento e fortalecimento do poder judiciário; de recursos econômicos para a atividade jurisdicional; na universalidade da tutela jurisdicional, instrumentos não jurisdicionais de composição e pacificação, as despesas no processo, etc.” 248

A outra face que nos leva a investigar o problema da efetividade em relação à otimização da técnica processual, objetivando a melhoria da atividade jurisdicional com a consecução de um processo que se revele justo e de resultados.

É justamente com base nessa segunda perspectiva – ainda que não se negue a importância dos mecanismos antes descritos para que essa se concretize - que a doutrina em geral vem explicando a efetividade do processo. Nessa toada, vem sendo considerado processo efetivo aquele que conduz, através da tutela jurisdicional, à realização do direito material afirmado em juízo e que, portanto, se revele como um processo de resultados. Nesse sentido, tem-se a clássica lição de Chiovenda, quanto aos fins do processo: Na medida do que for praticamente possível, o processo deve proporcionar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter.

A efetividade, sem dúvida, é concretizada quando o processo, enquanto instrumento, torna possível a efetiva proteção do direito material. Não basta, pois, a previsão pura e simples no ordenamento pátrio de instrumentos de solução de conflitos, é preciso que os mesmos se revelem úteis e adequados à efetiva proteção do direito material.249

Destaca, nesse sentido, José Roberto dos Santos Bedaque que a discussão em torno da independência e autonomia do processo foi superada pelo debate que se trava em torno de sua efetividade. Nessa perspectiva, afirma que o processo deve proporcionar a total proteção ao direito substancial, “isto é, somente se pode falar em efetividade do processo se o seu resultado for socialmente útil, proporcionando ao titular de um direito, em cada caso concreto, o acesso à ordem jurídica justa. Fala-se, hoje, em adequada proteção jurídica como um dos direitos inalienáveis da pessoa humana, incluindo-se nesse rol o direito a um processo

adequado e justo, que assegure ao titular do interesse protegido possibilidade de tutela efetiva”.250

Por esse aspecto, não se pode negar que o recurso, assegurado pelo duplo grau, pode representar um instrumento necessário à obtenção da justa e adequada tutela.

Quanto aos elementos do princípio da efetividade, destaca-se, na esteira de Delosmar Mendonça Junior, que são dois a serem considerados: (i) a produção de resultados, através da satisfação do direito material, com a eliminação do conflito e obtenção da pacificação social; (ii) a prestação da tutela jurisdicional, num lapso de tempo razoável. A partir desse segundo elemento, extrai-se a importância da tempestividade e da celeridade na compreensão da efetividade. Na análise do segundo elemento, afirma o autor que o princípio da celeridade processual é uma das manifestações do princípio da efetividade, determinante na fixação de prazos e tempo no procedimento. 251

Já há muito, preocupam-se os juristas com chamado dano marginal do processo, gerado pelo atraso na prestação da tutela jurisdicional, ao argumento, tantas vezes referido, de que justiça tardia não é justiça. É incontestável, então, a importância da tempestividade na obtenção da efetividade, porque a demora excessiva do processo compromete a prestação jurisdicional aguardada e, naturalmente, a proteção do próprio direito.

Ainda que seja questionável a assertiva de que a restrição ao duplo grau propicia maior celeridade processual, o fato é que aqui, segundo vêm reconhecendo os juristas pátrios, depara-se com uma hipótese que tem por ponto de tensão os valores da segurança jurídica, assegurada pelo duplo grau, e da efetividade, garantida, dentre outros, pela celeridade a ser alcançada através da limitação do multicitado duplo grau. Esse, como já se disse, é o grande dilema sobre o qual vêm se debruçando os processualistas de todo o mundo e que entendemos ser intransponível, embora se tente, às vezes com sucesso, amenizá-lo.

Não se pretende aqui, dada a complexidade do tema, traçar caminhos para solução da questão – a qual, aliás, cremos ser insuperável – ou supervalorizar um dos princípios, de modo a estabelecer algum nível de hierarquia entre eles, equivocadamente. É preciso que a onda da efetividade, tão em voga, não venha causar a submersão da segurança jurídica, um dos sustentáculos do Estado de Direito e um dos principais objetivos do Direito. É preciso que os princípios da segurança jurídica, com o respeito à garantia do duplo grau, e da efetividade, 249 Sustenta Cândido Rangel Dinamarco que são quatro os aspectos fundamentais que devem nortear a busca da efetividade: a) a admissão em juízo; b) o modo de ser do processo, c) a justiça das decisões e d) utilidade das decisões. (Cf. Instrumentalidade ..., ob.cit., p. 273)

250 Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, 2ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 56.

com vistas à celeridade, sejam harmonizados, ainda que em permanente tensão, e observados na busca da tutela jurisdicional adequada, justa e tempestiva.252

Tereza Arruda Alvim Wambier, ao tratar da questão em análise, destaca que ultimamente os povos contemporâneos têm optado por abrir mão da segurança, em troca de soluções que se revelem mais efetivas às suas necessidades, tendência que reconhece estar afinada com os novos tempos. Afirma, no entanto, com muita propriedade, que: “...gerar SEGURANÇA é finalidade indissociável da idéia de direito. À segurança jurídica liga-se a idéia de certeza jurídica, para a qual tende-se, sempre, na aplicação do direito. Certo grau de instabilidade na percepção e na aplicação do direito não é de nossos dias, senão que, há algumas décadas, esse fenômeno já era identificado, em comparação com períodos precedentemente mais estáveis. Hoje se entende que certa dose de instabilidade é inerente aos sistemas dinâmicos e que as noções de ordem e desordem podem perfeitamente conviver. Todavia, temos a convicção de que, embora possa conviver, certamente a ordem, e não a desordem, há de prevalecer e o direito deve desempenhar papel significativo nesse sentido.” 253

Assim, deve-se sempre procurar preservar a segurança jurídica, mesmo com a incessante busca da efetividade processual garantida, entre outros, pela celeridade do processo, sob pena de, ao se superdimensionar a importância desta, colocar-se em risco os próprios objetivos do Direito e até mesmo as estruturas do Estado.254

Na superação do conflito que pode surgir entre os princípios do duplo grau de jurisdição e da efetividade, existe a possibilidade de se aplicar o princípio da proporcionalidade, podendo haver o estabelecimento de limitações ao primeiro, desde que 251 Ob. cit., pp.73-75.

252 Segundo José Rogério Cruz e Tucci, “não se pode olvidar, nesse particular, a existência de dois postulados que, em princípio, são opostos: o da segurança jurídica, exigindo, como já salientado, um lapso temporal razoável para a tramitação do processo (“tempo fisiológico”), e o da efetividade deste, reclamando que o momento da decisão final não se procrastine mais do que o necessário (“tempo patológico”). Obtendo-se um equilíbrio desses dois regramentos – segurança/celeridade -, emergirão as melhores condições para garantir a justiça no caso concreto, sem que, assim, haja diminuição no grau de efetividade da tutela jurisdicional”. (Garantia do processo sem dilações indevidas, in Garantias constitucionais do processo civil, coordenador José Rogério Cruz e Tucci. São Paulo: RT, 1999, p. 237).

253 Controle das decisões..., ob.cit., pp. 97-98.

254 Leciona Plácido Fernández-Viagas Bartolomé que “efectivamente, el derecho que tratamos no puede ser

entendido como simplesmente dirigido a obtener la celeridad procesal pues, en ese caso, podrían vulnerarse el resto de las garantias que definen el proceso mismo. De lo que se trata, exclusivamente, es de evitar aquellas dilaciones que fueren indebidas, no razonables, injustificadas en definitiva. Lo que refuerza la idea de que se trata de un derecho eminentemente circunstancial que depende de los elementos en presencia en la contienda judicial. Es necesario subrayar la importancia de la sensatez en esta materia. La búsqueda incondicionada de la rapidez puede convertirse en una obsesión paradigmática que, a la larga, resultaría de consecuencias igualmente peligrosas aunque, es cierto, la situación vigente todavia em muchos países europeos podría justificar perfectamente la obsesión”. (El derecho a um proceso sin dilaciones indebidas. Madrid: Editorial Civitas, 1994,p. 78).

preservado o núcleo essencial dos mesmos. Tal possibilidade, como antes exposto, não é autorizada por se tratar o duplo grau de garantia constitucional implícita, como afirmam alguns juristas, ou por ser o mesmo elemento acidental – não essencial – do devido processo legal ou da ampla defesa, como compreendem outros, mas, sim, segundo cremos, pelo fato de não haver direito absoluto e, por conseguinte, princípio absoluto.

Assim, preenchidos os elementos que integram a proporcionalidade, preservada a proteção dos direitos fundamentais, especialmente o da dignidade humana, e protegido o núcleo essencial do princípio do duplo grau, será possível admitir-se a constitucionalidade de restrições a ele estabelecidas.

Com acerto, sustenta Ingo Wolfgang Salert: “A fixação de um valor da alçada ou qualquer outro meio de limitação ao acesso ao duplo grau de jurisdição ou mesmo à interposição de recursos para uma instância superior em geral, não conduz necessariamente à inconstitucionalidade, desde que respeitado o princípio da proporcionalidade, bem como resguardado o valor máximo da dignidade humana e o núcleo essencial dos direitos fundamentais em exame”. 255