• Nenhum resultado encontrado

2. Fundamento constitucional do princípio do duplo grau de jurisdição

2.2. Princípio do duplo grau de jurisdição e garantias constitucionais processuais: análise

Divergem os doutrinadores pátrios quanto ao tratamento conferido ao princípio do duplo grau, sob o enfoque constitucional, havendo, por um lado, quem compreenda não se tratar de princípio constitucional e, por outro, quem defenda sua natureza constitucional, admitindo estar o mesmo implicitamente previsto na Carta Magna, com base em diferentes fundamentos.

Assim, sustenta José Frederico Marques que tal princípio se trata de “postulado não consagrado constitucionalmente, pelo que o legislador ordinário poderá derrogá-lo em hipóteses especiais”.147

Orestes Nestor de Souza Laspro, da mesma forma, acredita que o princípio do duplo grau não está inserto no devido processo legal - tratando-se, com efeito, de elemento acidental desse -, nem é garantido expressamente pela Constituição Federal, podendo sofrer restrições pelo legislador ordinário.148

Nesse sentido, afirma Luiz Guilherme Marinoni: “o duplo grau, que não é garantido constitucionalmente, não pode mais ser visto como um princípio fundamental de justiça, já que não é racional – quando se está consciente da necessidade de garantir ao autor uma maior tempestividade da tutela jurisdicional – admitir a sua presença em todas as causas, principalmente naquelas de ‘maior simplicidade’ e que são beneficiadas pela oralidade”.149

Por outro lado, os doutrinadores, que sustentam a constitucionalidade do princípio em tela e crêem estar o mesmo implicitamente previsto na Constituição Federal, utilizam argumentos distintos, mas nem tanto, uma vez que afirmam que ele decorreria não apenas da própria estrutura da organização judiciária prevista na Constituição – a qual estabelece o julgamento de recursos pelos tribunais nacionais -, mas também de alguns dos princípios constitucionais expressos, tais como o princípio da ação, do devido processo legal, da ampla defesa e do próprio Estado Democrático de Direito, dentre outros, conforme explicaremos a seguir.

147 Manual de direito processual civil, vol. I, n. 60, p. 126. 148 Ob. cit., p. 177.

Como se disse, um dos argumentos utilizados para se explicar a base constitucional do princípio encontra-se no fato de haver na Constituição Federal regras que disciplinam a estrutura da organização judiciária com a previsão de tribunais com competência para processamento e julgamento de recursos, em particular o recurso ordinário de competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, o qual permite o inteiro reexame de decisões finais proferidas em alguns poucos processos, normalmente, iniciados nos tribunais estaduais e federais (vide arts. 102, II, e 105, II, da Constituição Federal, e art. 539, do CPC).

Djanira Maria Radamés de Sá, admitindo que o princípio não se encontra previsto expressamente, adverte que “é a própria Carta Magna de 1988 que se encarrega de demonstrar, à evidência, que o duplo grau erige-se em garantia constitucional. Primeiramente, porque a Constituição adota não só a dualidade de graus de jurisdição, como sua pluralidade, indicando a existência de competência recursal dos tribunais como característica da existência do direito de recorrer”. 150

Para José Cretella Neto, “a lei não contém expressões ou vocábulos inúteis, máxime em se tratando de nossa Constituição Federal. Porque preveria ela complexa estrutura e hierarquia judiciárias se não fosse assegurado o duplo grau de jurisdição? Qual a razão de existirem vários Tribunais, com atribuições específicas, estipuladas para reapreciar questões de fato e/ou de direito, se não assegurasse aos litigantes o acesso a eles? Os sempre lembrados casos de competência originária dos Tribunais Superiores constituem-se em raras exceções, e não a regra geral”.151

Pode-se fazer referência, ainda, a um terceiro argumento, que tem por base o disposto no art. 5º, § 2º, da Constituição Federal, do qual se extrai que os direitos fundamentais não se encontram taxativamente previstos naquele diploma, podendo-se admitir outros que se mostrem coerentes com as garantias expressamente previstas e que permitam a concretização dos valores e direitos protegidos na Constituição.

A análise do duplo grau, enquanto princípio constitucional implícito, a partir da compreensão da organização judiciária e dos recursos previstos no ordenamento pátrio, será mais bem desenvolvida no próximo capítulo. Quanto às assertivas de que o princípio seria decorrente de outros princípios constitucionais, passaremos em seguida a examiná-las.

150 Ob.cit., p. 104

2.2.1. Princípio do duplo grau de jurisdição e Estado de Direito

Tereza Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier e José Miguel Garcia Medina entendem que o princípio do duplo grau não se encontra disposto expressamente na Constituição Federal, embora nela esteja prevista a estrutura do Poder Judiciário, com referência expressa a tribunais cuja função preponderante é a de julgar recursos. Sustentam os autores que o fato de tal princípio não se encontrar previsto explicitamente na Carta Magna não impede que ele seja considerado de natureza constitucional, assim como também não elimina a possibilidade de criação, por lei ordinária, de exceções ao referido princípio.

Consideram os autores o princípio do duplo grau de jurisdição um “princípio constitucional por estar incindivelmente ligado à noção que hoje temos de Estado de Direito”.152

Segundo os ilustres autores, para se conceber um Estado de Direito é preciso que haja o controle das atividades estatais pela sociedade, o qual pode ser realizado pela efetivação do duplo grau, a ser compreendido em seu duplo sentido. Assim, num primeiro plano, haveria um controle interno, isto porque a sociedade, representada pelas partes, procede ao controle dos atos estatais por meio dos recursos; num segundo plano, através dos recursos, os órgãos ‘hierarquicamente’ superiores ‘controlam’ as decisões dos órgãos inferiores, sem que haja, contudo, entre eles qualquer poder de mando ou hierarquia propriamente dita.153

Ademais, afirmam que o princípio constitucional não poderia ser inteiramente suprimido do ordenamento jurídico, uma vez que “os Tribunais, criados pela Constituição Federal, nada teriam a fazer, dado que o grosso do que fazem é julgar recursos”.154

Para uma melhor análise do entendimento em tela, faz-se mister o exame das lições de Ruy Samuel Spíndola sobre o princípio do Estado Democrático de Direito. De forma clara e precisa, sustenta o autor que: “o princípio do Estado Democrático de Direito proscreve, como já dito, o segredo, o ‘oculto’ da Administração Pública, condena a arcana imperii; exige uma atuação imparcial dos gestores públicos; exige transparência, publicidade, respeito ao

devido processo legal, tanto em sua dimensão substantiva quanto adjetiva; exige o

respeito aos padrões de juridicidade dimanados das Constituições (Federal, Estadual e Municipal), das leis e dos contratos e demais atos normativos reconhecidos pela ordem jurídica como válidos e vinculantes. Acima de tudo, este princípio fundamental, este princípio estruturante, impõe a inteligência dos princípios administrativos como princípios que devem

152 Breves comentários à nova sistemática processual civil, 3ª edição. São Paulo: RT, 2005, p. 267. 153 Cf. ob. cit., p. 268.

orientar a ação da Administração na perseguição de fins públicos matizados por elevados valores constitucionais democráticos: dignidade da pessoa humana, pluralismo ético, político, étnico, cultural, filosófico, tolerância, não-discriminação, publicidade, igualdade de oportunidades, isonomia, etc.

Além disso, esse princípio quer garantir a segurança de expectativas das pessoas; exige segurança, a segurança das integridades física e moral dos cidadãos, mais também a segurança de suas posições jurídicas, de seus direitos e interesses no âmbito de uma ordem democrática; exige que todas as instituições, sejam as verticais (federal, estadual e municipal), sejam as horizontais (Executivo, Legislativo e Judiciário), se contenham na ordem do Direito”.155 (grifamos)

Prestigiosas, também, as lições de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, quando afirma que “a própria noção de Estado Democrático de Direito, erigida a princípio fundamental da Constituição Brasileira (art. 1º, caput), constitui substrato capital para a segurança jurídica, na medida em que salvaguarda a supremacia da Constituição e dos direitos fundamentais, garantindo o cidadão contra o arbítrio estatal, assegurando ao mesmo tempo elementos fundantes imprescindíveis a qualquer sociedade realmente democrática, como o princípio democrático, o da justiça, o da igualdade, o da divisão de poderes e o da legalidade”.156

Acrescenta Gregório Assagra de Almeida que os princípios do Estado Democrático de Direito apontados pela doutrina são os seguintes: “a) constitucionalidade, que se expressa pela vinculação do Estado a uma Constituição; b) organização democrática da sociedade, consistente na preservação da liberdade de participação social e política dos cidadãos e das entidades sociais emergentes; c) sistema garantista de direitos fundamentais individuais e coletivos; d) justiça social; e) igualdade, não apenas formal, mas, necessariamente, material; f) divisão de poderes ou de funções; g) legalidade, especialmente para a exclusão do arbítrio e da prepotência; h) segurança e certeza jurídicas. Pode, ainda, ser acrescentado: i) o princípio da máxima prioridade na proteção e efetivação dos direitos transindividuais, no sentido de que o Estado, em todos os seus níveis, deve dar prioridade aos direitos sociais fundamentais da sociedade, como os relacionados ao meio ambiente, ao patrimônio público, cultural, cuja

154 Idem, p. 268.

155 Princípios constitucionais e atividade jurídico-administrativa, in Dos princípios constitucionais:

considerações em torno das normas principiológicas da Constituição, org. George Salomão Leite. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, pp. 265/266.

156 O processo civil na perspectiva dos direitos fundamentais. Revista de Processo. São Paulo: RT, janeiro- fevereiro 2004, n. 113, p. 20.

violação e falta de proteção, pelas conseqüências sociais produzidas, retiram o verdadeiro valor substancial da democracia e deslegitima, pela omissão, a atuação estatal”. 157

A compreensão do tema, em suma, à luz do Estado Democrático de Direito talvez seja o ponto de partida para se entender a dimensão da importância que o duplo grau de jurisdição possui para a sociedade. Se o Estado Democrático de Direito é o Estado promotor e garantidor da justiça social, que é informado pelo princípio da segurança jurídica e pelo sistema de direitos fundamentais, nada mais razoável do que se compreender o princípio do duplo grau de jurisdição como sendo também uma das bases para a viabilização do referido Estado, na medida em que possibilita uma tutela jurisdicional mais segura e, possivelmente, mais acertada, garantindo a concretização de direitos fundamentais, como o direito de acesso à ordem jurídica justa.

2.2.2. Princípio do duplo grau de jurisdição e princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional

Como exposto em linhas anteriores, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou princípio da ação ou do acesso à justiça vem estatuído no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que assim prevê: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Trata-se o direito de ação de um direito fundamental, público, subjetivo, de natureza constitucional, abstrato, autônomo, que permite, uma vez exercitado e preenchidas as condições da ação, a atuação da função jurisdicional, com vistas à solução dos conflitos, independentemente da existência ou não do direito afirmado em juízo.

É a partir do exercício do direito de ação que ocorre a instauração do processo, instrumento de atuação da função jurisdicional, o qual permitirá a efetivação do acesso à ordem jurídica justa, desde que respeitadas as garantias decorrentes do devido processo legal. Os institutos da ação e do processo são estudados, especialmente, sob sua perspectiva instrumental, já que possibilitam, através de seu exercício, a proteção de direitos individuais ou coletivos, o que resulta na sua compreensão como verdadeiras garantias fundamentais.

Daí também mostrar-se correto afirmar que o ‘direito de ação’, assegurado no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, seria a garantia das garantias constitucionais, em virtude de permitir, através do seu exercício, a instauração do processo, que é efetivamente o

157 Direito processual coletivo brasileiro: um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva, 2003, pp.57- 58.

instrumento capaz de viabilizar proteção do direito da parte contra ameaças ou lesões sofridas.158159

Destacam Tucci e Tucci que “essa garantia de acesso aos juízos e tribunais consiste, por vez, num direito público subjetivo, universalmente consagrado e decorrente da assunção, pelo Estado, do monopólio da administração da Justiça: é conferida ao membro da comunhão social (inclusive, à evidência, ao próprio Estado), em contrapartida, o direito de invocar a prestação jurisdicional, relativamente a determinado interesse em conflito com o de outrem”. 160

Dada a importância do direito-garantia em análise, encontra-se o mesmo assegurado em diferentes diplomas internacionais, como verificado anteriormente.

A correspondência que a doutrina geralmente estabelece entre o princípio da ação e o princípio do duplo grau funda-se em dois distintos argumentos. Primeiramente, partindo-se do pressuposto de que o recurso é uma extensão do direito de ação ou de defesa, tem-se que o recurso de apelação e o recurso ordinário, que ensejam a ampla consecução do duplo grau, seriam também determinados pelo princípio da ação.161 Por outro lado, quando se faz referência ao acesso à ordem jurídica justa, com a prestação da tutela jurisdicional adequada num prazo razoável, refere-se ao duplo grau – concretizado no reexame da causa por um órgão hierarquicamente superior – como verdadeiro obstáculo à eficiente prestação da tutela, autorizando-se sua mitigação para que o direito de ação e, por conseguinte o direito material através dela tutelado seja efetivamente protegido.162163

Da mesma forma que não se pode afirmar que as decisões serão mais justas em razão do duplo grau, também não se pode afirmar que os recursos sejam os grandes vilões para uma célere prestação jurisdicional, na medida em que o procedimento em primeiro grau pode se

158 Cf. Francisco Gérson Marques de Lima. Fundamentos constitucionais do processo (sob a perspectiva da

eficácia dos direitos e garantias fundamentais). São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 36.

159 Alerta Paulo Bonavides que nos ordenamentos constitucionais contemporâneos vem crescendo a importância da garantia constitucional, que repercute não apenas no campo do direito constitucional, mas que se estende à esfera do direito processual, atraindo-o, no tocante à tutela jurisdicional da liberdade e dos direitos fundamentais. (in Curso..., ob. cit., p. 533)

160 Rogério Lauria Tucci, José Rogério Cruz e Tucci. Constituição de 1988 e processo: regramentos e garantias

constitucionais do processo. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 10.

161 Sustenta Nelson Nery Junior que o recurso é o prolongamento do direito de ação dentro do mesmo processo (in Teoria geral...ob. cit., p. 199.). Barbosa Moreira afirma que os doutrinadores preferem conceituar o poder de recorrer como “simples aspecto, elemento, modalidade ou extensão do próprio direito de ação exercido no processo. Não obsta a esse entendimento a interponibilidade de recurso pelo réu: tenha-se em mente o caráter bilateral da ação” (in Comentários..., ob. cit., p. 234).

162 Vide as lições antes referidas de Luiz Guilherme Marinoni, no item 2.2 desse trabalho.

163 Merece destaque a regra constante do art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, introduzida pela Emenda Constitucional nº 45, de 08 de dezembro de 2004, que preceitua: “a todos, no âmbito judicial e

administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

revelar muito mais moroso e ineficiente do que aquele a ser desenvolvido em segundo grau. Indubitável, no entanto, é o reconhecimento de que o recurso é uma extensão do direito de ação e do direito de defesa, de forma a permitir que a parte, através dele, tente obter uma melhor prestação jurisdicional, mais justa e correta. Isso pode ocorrer não propriamente em razão de os magistrados de segundo grau serem mais experientes e talvez até mais preparados, mas em função de a causa ser reexaminada, ensejando seu aprofundamento o que, de fato, poderá resultar num julgamento mais detido e acertado. (vide 1.3. deste capítulo)

Segundo Silvânio Covas, “a moderna processualística abandona a tutela jurisdicional meramente formal para perseguir a tutela jurisdicional pacificadora do conflito social, não admitindo decisões que, ao contrário de pacificar, produzem uma nova violação do ordenamento jurídico, imprimindo, destarte, prejuízo na esfera jurídica da parte”. Para o autor, “o grande sentido do duplo grau de jurisdição está no acesso a uma ordem jurídica justa”.164

2.2.3. Princípio do duplo grau de jurisdição e devido processo legal

A fim de que o acesso à justiça não viabilize apenas o ingresso em juízo e possa representar, efetivamente, na feliz expressão de Kazuo Watanabe, “acesso à ordem jurídica justa”, com a prestação da tutela jurisdicional, a quem tenha o direito afirmado, de forma adequada e num prazo razoável, é preciso que o processo se desenvolva com base no devido processo legal, com todas as garantias que lhe são inerentes.

Muitos juristas, ao analisarem o devido processo, sob o aspecto procedimental, e investigarem quais seriam as garantias dele decorrentes, fazem alusão ao princípio do duplo grau de jurisdição, ressaltando que esse seria decorrente daquele, assim como outras tantas garantias: juiz natural, motivação das decisões judiciais, igualdade processual, proibição das provas ilícitas, ampla defesa, contraditório e etc.165

Nesse sentido, pode-se fazer referência ao pensamento do mestre Humberto Theodoro Júnior que defende: “a garantia constitucional de direito ao processo (direito à tutela jurisdicional) só será efetiva na medida em que se assegurar o recurso ao devido processo legal, ou seja, aquele traçado previamente pelas leis processuais, sem discriminação de parte,

164 Duplo grau de jurisdição. In: Alvim, Eduardo Pellegrini de Arruda; Nery Junior, Nelson; Wambier, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos. São Paulo: RT, 2000, p. 615.

165 Francisco Gérson Marques de Lima sustenta que: “por si só, o devido processo legal conglomera as garantias do direito de ação, do contraditório, do amplo direito de defesa, da prova ilícita, da recursividade, da imparcialidade do juiz, do juiz natural etc.” (in ob.cit., p. 177). Da mesma forma, sustenta Guilherme Peña de Moraes que “o duplo grau de jurisdição é garantido implicitamente na Constituição, como corolário do princípio do devido processo legal.” (Direito constitucional – teoria da constituição, 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen

e com garantia de defesa, instrução contraditória, duplo grau de jurisdição, publicidade dos atos, etc.”. 166167

No mesmo diapasão, sustenta Ada Pellegrini Grinover, quando afirma: “O duplo grau de jurisdição, ainda que não configure – ad argumentandum – garantia constitucional autônoma, faz parte, sem dúvida alguma, daquele conjunto de garantias que configuram o ‘devido processo legal’”.168

Da mesma forma, assevera Djanira Maria Radamés de Sá que “o devido processo legal é uma garantia constitucional fundamental e característica do Estado de Direito que, contra qualquer forma de arbítrio, assegura os direitos fundamentais consagrados pela Constituição sob dois prismas: o da regularidade e justiça da elaboração legislativa e o da regularidade e justiça da elaboração judicial”. Prossegue, afirmando que se trata de garantia das garantias constitucionais, que visa à proteção da vida, liberdade e propriedade, ou melhor, dos bens em sua mais ampla acepção. Assim, conclui: “não é absurdo, destarte, incluir nessa categoria a decisão judicial favorável como um bem da vida desejado por qualquer dos contendores”, do que se extrai que o duplo grau é imprescindível na compreensão do devido processo, sendo, pois, dele decorrente, porque permite a pacificação social com justiça e segurança.169

É esse também o pensamento do Prof. Nelson Nery Junior quando diz que “é exigência do due process of law, como conseqüência, a existência do princípio do duplo grau de jurisdição”. 170

Defendem, ainda, Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol que o princípio do duplo grau não se encontra expressamente previsto na Constituição, mas decorre do devido processo legal. Além disso, advertem que pelo fato de o princípio constar implicitamente da Carta Magna, em razão da menção à existência de tribunais, a quem conferiu competência recursal, “a aplicação desse princípio não é ilimitada, ou seja, pode o legislador infraconstitucional restringir o cabimento dos recursos e suas hipóteses de incidência”.171

Esse posicionamento, contudo, é rechaçado por outros tantos ilustres juristas, como se viu das referências feitas aos entendimentos de Luiz Guilherme Marinoni e de Orestes Nestor

166 Princípios gerais do direito processual civil, in Revista de processo, v. 23. São Paulo: RT, 1981.

167 O ilustre autor, ao comentar a inovação trazida pela Lei 10.352/01 ao efeito devolutivo da apelação, que resultou na introdução do § 3º ao art. 515, CPC, parece ter mudado de opinião, passando a sustentar que, em tal inovação, “não há ofensa à garantia do duplo grau de jurisdição, mesmo porque tal garantia não é absoluta nem figura expressamente entre as que a Constituição considera inerentes ao devido processo legal”. (Curso de

Direito Processual Civil, 41ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 533).

168 Os princípios constitucionais e o Código de Processo Civil. São Paulo: Bushatsky Editor, 1975, p. 143. 169 Ob. cit., pp. 99/100.

170 Teoria geral dos recursos, ob.cit., p. 39.