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3.2 Princípios Fundamentais do Processo Administrativo e sua Aplicação ao Processo

3.2.5 Princípio da Impessoalidade

Inicialmente, cumpre registrar que os doutrinadores divergem acerca do conceito e o alcance do princípio da impessoalidade, havendo quem lhe atribua tão somente um enfoque, outros, porém, lhe conferem duplo sentido.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello102, o princípio da impessoalidade estaria diretamente relacionado com a isonomia ou igualdade previsto nos arts. 5º e 37, caput, da Constituição Federal. Pelo referido princípio, a Administração Pública deve tratar todos os administrados sem discriminações, sejam elas benéficas ou detrimentosas.

Adepto também desse entendimento, Juarez Freitas dispõe que:

No tocante ao princípio da impessoalidade, derivado do princípio geral da igualdade, mister traduzi-lo como vedação constitucional de qualquer

100 Conforme elucidado, a nova redação do art.69, § 4º, da Lei n. 8.212/91, dada pela Lei n. 10.887/04,

buscou compatibilizar o princípio da legalidade, que permite a revisão da concessão e manutenção dos benéficos, com a garantia do devido processo legal e suas manifestações: contraditório e ampla defesa.

101 Nesse sentido, também se posiciona Marco Aurélio Serau Junior, esclarecendo que em tal hipótese

poderá o segurado valer-se de Mandado de Segurança (SERAU JÚNIOR, Marco Aurélio. Curso de

Processo Judicial Previdenciário, p. 321).

discriminação ilícita e atentatória à dignidade da pessoa humana. Ainda segundo este princípio, a Administração Pública precisa dispensar um objetivo isonômico a todos os administrados, sem discriminá-los com privilégios espúrios, tampouco os malferindo persecutoriamente, uma vez que iguais perante o sistema. Quer-se através da implementação do referido princípio, a instauração, acima de sinuosos personalismos, do soberano governo dos princípios, em lugar de idiossincráticos projetos de cunho personalista e antagônicos à consecução do bem de todos. (....) A dizer de outro modo, o princípio da impessoalidade determina que o agente público proceda com desprendimento, atuando desinteressada e desapegadamente, com isenção, sem perseguir nem favorecer, jamais movido por interesses subalternos. Mais: postula-se o primado das idéias e dos projetos marcados pela solidariedade em substituição aos efêmeros cultivadores do poder como hipnose fácil e encantatória. Semelhante princípio guarda derivação frontal, inextirpável e, não raro, desafiadora com o princípio da igualdade de todos, sem distinção de qualquer natureza (CF, art. 5º, caput), salvo aquelas impostas pelo próprio sistema constitucional103.

José Afonso da Silva104, por seu turno, entende que o princípio da impessoalidade significa que os atos e provimentos administrativos realizados não são imputáveis ao funcionário que os pratica, mas, sim, ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário. O servidor público seria tão-somente um agente da Administração Pública, de sorte que não é ele o autor institucional do ato, apenas o órgão que formalmente manifesta a vontade do Estado.

Há, ainda, quem entenda de forma diversa, como Hely Lopes Meirelles105. Para ele, o princípio da impessoalidade seria, na realidade, o próprio princípio da finalidade, que determina que o administrado somente pratique o ato em razão de sua finalidade legal. Nesse sentido, o fim legal seria apenas aquele que a norma de direito indica como objetivo do ato, de forma unipessoal. E toda e qualquer finalidade sempre buscará alcançar o interesse público. A conduta da Administração, por conseguinte, deve ser impessoal, pois o objetivo final, em qualquer hipótese, é sempre atender ao interesse público, o que não impede que em determinadas hipóteses, o interesse particular coincida com o público. Todo ato que se afaste desse objetivo se sujeita à invalidação por desvio de finalidade.

103 FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos e os Princípios Fundamentais, pp. 64-65. 104 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 615.

Partindo dessa concepção, Carmem Lúcia Rocha106 esclarece que o conteúdo do princípio da impessoalidade pode ser classificado em positivo e negativo. Seria positivo, pois através dele tem-se assegurado a neutralidade e a objetividade que devem prevalecer em todos os comportamentos da Administração Pública. Por outro lado, seria portador de conteúdo negativo quando funciona como indicativo de limites definidos à atuação administrativa. Por ele, não se podem praticar atos que tenham motivos ou finalidade despojada daquelas características.

Ademais, o princípio da impessoalidade teria como condão não apenas assegurar o tratamento igualitário entre as partes, mas, também, operaria como óbice à adoção de comportamento administrativo motivado pelo partidarismo.

Enfim, a impessoalidade garantiria que a entidade estatal sempre realizasse os fins a que se destina como previsto no ordenamento legal.

Nesse sentido, o atuar da Administração no processo administrativo previdenciário deve sempre visar ao interesse público previsto em lei. Por tal razão exige-se neutralidade do administrador, que não deve ter qualquer tipo de interesse pessoal em sua conduta.

Em respeito ao princípio em análise, a legislação previdenciária é clara ao prever o impedimento da autoridade julgadora ou conselheiro quando haja interesses destes na causa, como se observa no art. 40 da Portaria MPS n. 323/2007:

Art. 40. As partes poderão oferecer exceção de impedimento de qualquer Conselheiro até o momento da apresentação de memoriais ou na sustentação oral.

§ 1º O Conselheiro estará impedido de participar do julgamento quando: I - participou do julgamento em 1ª instância;

II - interveio como procurador da parte, como perito ou serviu como testemunha;

III - no processo estiver postulando, como procurador ou advogado da parte, o seu cônjuge ou companheiro ou companheira, ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta ou na linha colateral, até o segundo grau;

IV - seja cônjuge, companheiro ou companheira, parente, consangüíneo ou afim da parte interessada, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau; V - for amigo íntimo ou notório inimigo da parte interessada;

VI - tiver auferido vantagem ou proveito de qualquer natureza antes ou depois de iniciado o processo administrativo, em razão de aconselhamento acerca do objeto da causa; e

VII - tiver interesse, direta ou indiretamente, no julgamento do recurso em favor de uma das partes.

§ 2º O impedimento será declarado pelo próprio Conselheiro ou suscitado por qualquer interessado, cabendo ao argüido pronunciar-se por escrito sobre a alegação que, se não for por ele reconhecida, será submetida à deliberação do Presidente do CRPS.

§ 3º O Conselheiro que deixar de declarar ou reconhecer seu impedimento, nas hipóteses previstas no § 1º deste artigo, e for considerado impedido por decisão do Presidente do CRPS, poderá ser enquadrado na prática de falta disciplinar grave, sujeitando-se à penalidade de perda do mandato, observado o disposto no art. 10 deste Regimento, sem prejuízo das demais cominações legais.

§ 4º Se o impedimento for do Presidente da Câmara ou da Junta, assumirá a presidência dos trabalhos o seu substituto.

§ 5º No caso de impedimento do Conselheiro relator, o processo será redistribuído a outro Conselheiro da mesma Câmara ou Junta.

Caso o ato seja praticado objetivando favorecimento próprio ou de qualquer uma das partes, haverá ofensa ao princípio da impessoalidade e, consequentemente, o ato administrativo expedido deve ser tido como nulo.

Ainda discorrendo sobre o conteúdo e alcance da impessoalidade, há doutrinadores como Odete Medauar107, Maria Sylvia Zanella di Pietro108 e Alexandre de Morais109, que atribuem dupla significação ao princípio em comento.

Para estes três autores, ao princípio da impessoalidade podem ser atribuídos dois sentidos – tanto em relação aos administrados, como à própria Administração.

Em um primeiro enfoque, o princípio estaria relacionado com a própria finalidade pública que deve sempre pautar a atuação da Administração Pública. Assim, o administrador

107 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, pp. 89-90. 108 PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo, p. 71.

não deve atuar objetivando beneficiar ou prejudicar determinadas pessoas, nem atingir objetivos pessoais, pois seu comportamento deve sempre ser norteado pelo interesse público.

Por outro lado, aludido princípio significa que os atos administrativos devem ser imputados ao órgão ou entidade administrativa e não ao funcionário que os pratica, como se observa na lição a seguir transcrita:

Esse princípio completa a idéia já estudada de que o administrador é um executor do ato, que serve de veículo de manifestação. Da vontade estatal e, portanto, as realizações administrativo-governamentais não são do agente político, mas sim da entidade pública em nome do qual atuou110.

Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, este princípio estaria implicitamente previsto na Lei n. 9.784/99, em seu parágrafo único, inciso III, nos dois sentidos elencados, pois a lei exige objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades.

Finalmente, temos o pensamento de José dos Santos Carvalho Filho111. Assim como os três autores supra referidos, também atribui dois sentidos à impessoalidade. O primeiro se confundiria com a própria isonomia, devendo a Administração conceder tratamento igual aos administrados que se encontrem em situação jurídica igual. Sob outro enfoque, a Administração deve sempre voltar-se para o interesse público e não o privado, refletindo, desta forma, a aplicação do princípio da finalidade.

Por fim, cumpre ressaltar que o princípio da impessoalidade deve ser compreendido, assim como os demais princípios, como dever do Estado e direito do cidadão, dirigindo-se não apenas ao administrador público, mas também ao legislador.