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Princípio da supremacia da constituição

A Constituição de um Estado é a sua lei fundamental, onde todo o ordenamento jurídico encontra os seus limites. Não apenas isso, mas todos os atos estatais encontram nela os seus delineamentos e finalidades. Localizada no topo da hierarquia do ordenamento jurídico, portanto, a lei máxima de um Estado, traz em si os princípios, garantias, direitos e deveres com os quais todo o ordenamento infraconstitucional deverá guardar harmonia.

22 BORGES, Tarcísio Barros. A relativização da coisa julgada e o art. 741, parágrafo único, do CPC. REVISTA ESMAFE: Escola de Magistratura Federal da 5ª Região. Recife: TRF 5ª Região, n° 8. Dez. 2004. p. 86.

A idéia de pirâmide normativa e do escalonamento das normas foi idealizada por Hans Kelsen ao escrever:

Como, dado o caráter dinâmico do Direito, uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida por determinada maneira, isto é, pela maneira determinada por uma outra norma, esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a norma que regula a produção de uma outra e a norma assim regularmente produzida pode ser figurada pela imagem espacial da supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas uma ao lado da outra, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas23.

Assim, pelo que foi dito, o processo de elaboração de uma norma e o seu conteúdo devem estar em conformidade com a norma hierarquicamente superior para que aquela possa ser considerada válida.

Não estão, pois, as normas situadas num mesmo plano. O que há é uma disposição vertical das leis, onde no ápice dessa pirâmide hipotética está localizada a Constituição como norma que fundamenta todo o ordenamento jurídico. Abaixo estão outras normas que, por sua vez, servem de fundamento das que lhes são inferiores. Havendo, no entanto, conflito entre as normas constitucionais e as demais normas ou atos de inferior hierarquia, a norma constitucional prevalecerá fazendo com que a inferior seja considerada inconstitucional, inválida e retirada do ordenamento jurídico.

A finalidade do Princípio da Supremacia da Constituição é, pois, subordinar todos os atos estatais aos preceitos albergados pela Carta Magna, através do controle de constitucionalidade de atos infraconstitucionais tais como leis, atos administrativos, sentenças.

É clássico o conceito de Constituição elaborado por Alexandre de Moraes:

Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos24.

Podemos concluir desse conceito que, além de atribuir validade a todas as normas existentes no ordenamento jurídico, outro objetivo da Constituição é definir o modo de

23 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 247.

aquisição e a forma de exercício do poder. Esse poder estatal está dividido, segundo a clássica concepção aristotélica, em Executivo, Legislativo e Judiciário. Logo, todos os atos emitidos por qualquer destes poderes públicos estarão sujeitos ao controle de constitucionalidade.

O Estado, portanto, no exercício do poder constituinte originário e do derivado estabeleceu o modo como exercerá esse poder, fixando as diretrizes que deverão ser seguidas, e os limites em que se dará o seu cumprimento, observando as garantias e os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal.

A Constituição Federal coloca sob o controle do Poder Judiciário os atos dos Poderes Legislativo e Executivo através do controle de constitucionalidade concentrado e difuso. O ordenamento jurídico nacional adota o sistema misto, no qual se utiliza dos dois tipos de controle. Sobre o controle difuso, assim se pronuncia Alexandre de Morais:

Também conhecido como controle por via de exceção ou defesa, caracteriza-se pela permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal realizar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição Federal.

[...]

Este controle não acarreta a anulação da lei ou do ato normativo com efeito erga omnes, aplicando-se somente ao caso concreto em que a norma foi julgada inconstitucional25.

Em outro momento, o mesmo autor escreve sobre o controle concentrado nos seguintes termos:

Por meio desse controle (concentrado), procura-se obter a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em tese, independentemente da existência de um caso concreto, visando-se obtenção da invalidade da lei, a fim de garantir-se a segurança das relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais26.

O controle concentrado de constitucionalidade é exercido pelo STF que, por meio de recurso extraordinário, da ação direta de inconstitucionalidade e da ação direta de constitucionalidade, julga, em última instância, as decisões que são contrárias à Carta Magna ou afere validade à lei ou ato administrativo, possuindo efeito erga omnes.

O controle difuso, por sua vez¸ é exercido de maneira incidental, no curso de um processo em andamento, onde a constitucionalidade não é o objeto da ação, mas é levantada como questão prejudicial ou pressuposto necessário para o julgamento do mérito. Proferida

25 Idem, p. 608. 26 Idem, p. 626.

pelos juízes de primeira instância ou pelo STF, o seu efeito é apenas inter partes, agindo retroativamente no caso concreto, desconstituindo os efeitos da norma desde sua origem. Contudo, para os demais, desde que o Senado, observando o conteúdo do art. 52, X da CF, suspenda a execução da lei declarada inconstitucional, sua eficácia será erga omnes.

Pelo exposto acima, o Estado, no exercício de suas funções Legislativa e Executiva, deve produzir leis e atos normativos que sejam compatíveis com a Constituição, seguindo tanto as regras constitucionais de cunho formal, que estabelecem a autoridade competente e o procedimento que deverá ser seguido para a sua elaboração, como os requisitos materiais de compatibilidade quanto ao conteúdo da lei, sob pena de, sendo consideradas inconstitucionais, serem expurgadas do ordenamento jurídico e consideradas nulas e sem efeito.

Sobre o tema, posiciona-se Humberto Theodoro Jr.:

Porém, ao longo de mais de duzentos anos, o que se observa é que, em tema de inconstitucionalidade, as atenções e preocupações jurídicas sempre se detiveram no exame de desconformidade constitucional dos atos legislativos. Verifica-se, assim, que a grande parte dos estudos produzidos desde então centra-se na análise da constitucionalidade/inconstitucionalidade dos atos legislativos, não havendo uma maior preocupação com os atos do Poder Judiciário, em especial suas decisões que, sem a menor dúvida, são passíveis de serem desconformes à Constituição27.

Nesse sentido, o autor denuncia o esquecimento do tema do controle de validade dos atos jurisdicionais, devido, em grande parte, às imposições da doutrina liberal e sua teoria do Regime da Legalidade, segundo a qual, o Direito se reduziria ao que era posto (positivismo jurídico), restringindo a idéia de Justiça ao que estivesse previsto no ordenamento e proferido pelo Judiciário. A idéia que se tinha era, portanto, do juiz boca da lei, pois, por meio da interpretação da norma e posterior decisão é que se estabeleceria a justiça do caso concreto.

Com isso, se solidificou o princípio da intangibilidade da coisa julgada, considerada em caráter absoluto, por abrigar em si valores perseguidos pelo Estado de Direito como a segurança jurídica e a previsibilidade da aplicação da lei, impedindo que decisões judiciais, mesmo eivadas de inconstitucionalidade e flagrante injustiça, depois de transitadas em julgado, pudessem vir a ser desconstituídos.

Essa interpretação adquire maior importância diante da atual sistematização do ordenamento jurídico pátrio, que confere aos órgãos jurisdicionais o papel fiscalizador da

27 THEODORO JÚNIOR., Humberto. A reforma do processo de execução e o problema da coisa

julgada inconstitucional (CPC, art. 741, parágrafo único). In: MONTEIRO FILHO, Raphael de Barros (Min.

legalidade e constitucionalidade dos demais poderes estatais. Além disso, cresce a edição de normas contendo princípios imprecisos, indeterminados e abertos, que exigem, por parte do Judiciário, um maior esforço interpretativo, deixando nas mãos dos juízes a tarefa de estabelecer o conceito e o alcance de tais institutos.

Ocorre, com isso, uma supervalorização da atividade jurisdicional, predominando a função do Poder Judiciário sobre os Poderes Legislativo e Executivo. Essa concentração de poderes provoca o desequilíbrio no funcionamento da máquina estatal, facilitando o surgimento de arbitrariedades e desmandos, com sérios prejuízos para o cidadão.

Como bem observa Paulo Otero:

Como sucede com os outros órgãos do Poder Público, também os tribunais podem desenvolver uma actividade geradora de situações patológicas, proferindo decisões que não executem a lei, desrespeitem os direitos individuais ou cujo conteúdo vá ao ponto de violar a Constituição28.

Portanto, o Princípio da Supremacia da Constituição encontra aplicação também nos atos do Poder Judiciário, na interpretação e aplicação da lei e atos normativos, não mais se concebendo a idéia de que a coisa julgada impede que se aplique, em tais decisões, o controle de constitucionalidade.

O Poder Judiciário, ao proferir decisões, exerce uma função estatal, não estando a função jurisdicional, portanto, imune ao controle de constitucionalidade, como se pudesse concentrar em si, todos os poderes inerentes à Soberania. Se assim fosse, o sentido normativo da Constituição seria definido pelo juiz, não possuindo a Constituição contornos e objetivos próprios, mas, sim, aqueles delineados pelos tribunais através de decisões irrecorríveis e imutáveis de seus julgados.

Essa é a inspiração do Estado Democrático de Direito, que por meio da Supremacia da Constituição, visa limitar o exercício do poder estatal, submetendo-o, juntamente com todo o ordenamento jurídico, à Constituição Federal, como meio de garantir a aplicação dos direitos e garantias fundamentais, a segurança dos cidadãos e a correta aplicação da justiça, valores que constituem os alicerces da sociedade.

28 OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex. 1993, p. 22, apud THEODORO JÚNIOR., Humberto. A reforma do processo de execução e o problema da coisa julgada

inconstitucional (CPC, art. 741, parágrafo único). In: MONTEIRO FILHO, Raphael de Barros (Min. STJ, Org). Doutrina do Superior Tribunal de Justiça. Brasília: STJ, 2005, p. 56.

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