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A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA E SUA VIABILIDADE CONSTITUCIONAL

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

FREDSON GRANGEIRO ANDRADE

A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA E SUA VIABILIDADE

CONSTITUCIONAL

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FREDSON GRANGEIRO ANDRADE

A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA E SUA VIABILIDADE

CONSTITUCIONAL

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará (UFC/CE), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Cristiane Sampaio do Vale

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FREDSON GRANGEIRO ANDRADE

A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA E SUA VIABILIDADE

CONSTITUCIONAL

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Direito, da Universidade Federal do Ceará (UFC/CE), como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. Cristiane Sampaio do Vale

Esta monografia encontra-se à disposição dos interessados na Biblioteca da referida Faculdade.

A citação de qualquer trecho desta monografia é permitida, desde que feita de acordo com as normas de ética científica.

Trabalho defendido e aprovado em 11 de julho de 2007. Banca Examinadora constituída por:

______________________________________ Orientadora: Profª. Cristiane Sampaio do Vale

Universidade Federal do Ceará

______________________________________ Prof. William Paiva Marques Júnior

Universidade Federal do Ceará

________________________________________ Josiel Gabriel da Rocha

Defensoria Pública – Ceará

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“...a justiça sustenta em uma das mãos a balança com que pesa o direito, enquanto na outra segura a espada por meio da qual o defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada, a impotência do direito. Uma completa a outra, e o verdadeiro estado de direito só pode existir quando a justiça sabe brandir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança”

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RESUMO

O objetivo deste trabalho é a análise do tema da relativização da coisa julgada e sua compatibilidade com a Constituição Federal de 1988. De um lado aborda-se a importância do instituto da res iudicata na sua função pacificadora das relações sociais e garantidora dos direitos fundamentais do cidadão frente às ingerências do Estado. De outro, é analisada a importância da atividade jurisdicional ater-se aos imperativos da moralidade e da justiça das decisões, em atendimento às normas e princípios constitucionais. Buscando uma solução a esse impasse, doutrina e jurisprudência vêm adotando uma posição de aceitabilidade da desconstituição da coisa julgada, devendo ser entendida como medida excepcional.

São apresentados os efeitos dessa flexibilização sobre a segurança jurídica e a justiça, sem deixar de considerar até que ponto poderá haver comprometimento na confiança dos jurisdicionados na função estatal de “dizer o direito”.

Por fim, é estudado o fenômeno jurídico da coisa julgada em conflito com a Constituição Federal, os meios de impugnação dessas decisões, primando pela supremacia da Carta Magna, pelo equilíbrio entre os Poderes Estatais e pelo atendimento aos princípios da eficiência e da instrumentalidade das formas.

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ABSTRACT

The objective of this work is the analysis of the subject of the renovation of the thing judged and its compatibility with the Federal Constitution of 1988. Of a side importance of the institute of the reverse speeds is approached res iudicata in its function peacemaker of the social relations and warranting of the basic rights of the citizen front to the mediations of the State. Of another one, the importance of the jurisdictional activity is studied to abide it the imperatives of the morality and the justice of the decisions, in attendance to the norms and principles constitutional. Searching a solution to this stalemate, doctrine and jurisprudence come adopting a position of acceptability of the disregard of the judged thing, having to be understood as measured bonanza.

It is presented the effect of this flexibility on the legal security and justice, without leaving to consider until point will be able to have involviment in the confidence of the ones in the state provisions “to say the right”.

Finally, the legal phenomenon of the thing judged in conflict with the Federal Constitution, the ways of impugnation of these decisions is studied, making objective the supremacy of the Great Letter, for the balance between the Power State and the attendance to the principle of the efficiency of the forms.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 COISA JULGADA E A CONSTITUIÇÃO ... 11

1.1 Conceito ... 11

1.2 Espécies ... 15

1.2.1 Coisa julgada formal e material ... 15

1.3 Limites objetivos e subjetivos da coisa julgada ... 16

1.3.1 Limites objetivos ... 17

1.3.2 Limites subjetivos ... 19

1.4 Fundamentos da coisa julgada ... 21

1.4.1 Princípio da intangibilidade da coisa julgada ... 21

1.4.2 Princípio da segurança jurídica ... 22

1.4.3 Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade ... 24

2 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA E A CONSTITUIÇÃO ... 28

2.1 A doutrina da relativização da coisa julgada ... 28

2.2 Princípio da supremacia da constituição ... 30

2.3 Flexibilização de princípios e garantias constitucionais ... 35

3 SEGURANÇA JURÍDICA E JUSTIÇA DAS DECISÕES ... 38

3.1 Justiça na Filosofia do Direito ... 39

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4 COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL ... 44

4.1 Tratamento constitucional sobre a matéria ... 45

4.2 Meios de impugnação da coisa julgada inconstitucional ... 47

CONCLUSÕES ... 51

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INTRODUÇÃO

O Direito é essencialmente um fenômeno cultural. Como fruto do intelecto humano, as normas estão sujeitas a sofrer as influências das transformações por que passam o ser humano e a sociedade em que este se encontra.

Diante dessa dinamicidade do Direito, surge a necessidade de se garantir que decisões judiciais regularmente constituídas possam ter seus efeitos assegurados das investidas da parte vencida e das ingerências do próprio Estado, dando uma solução definitiva às discussões sobre a existência e a titularidade de direitos e obrigações.

Contudo, tem-se observado uma forte tendência para aceitação da desconstituição do instituto da coisa julgada em casos excepcionais, quando este se apresentar em conflito com outros valores ou princípios de maior relevância como o da Constitucionalidade e o da Justiça das Decisões Judiciais, de forma a se expurgar do mundo jurídico decisões que se apresentem incompatíveis com a Constituição Federal.

A importância dada pela doutrina ao tema é o objeto deste trabalho monográfico que procura, em um primeiro momento, estabelecer os limites fixados pela atual Carta Política ao instituto da coisa julgada, os argumentos utilizados na sua fundamentação e os princípios envolvidos na sua aplicabilidade.

Num segundo momento, é apresentada a tese da relativização da coisa julgada, para em seguida relacioná-la com a segurança jurídica e a imperiosa necessidade de justiça das decisões.

Por último, o trabalho se volta ao tema específico da coisa julgada inconstitucional e ao estudo dos instrumentos que poderão ser utilizados para desconstituir sentença ou acórdão baseado em leis posteriormente declaradas inconstitucionais.

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1 COISA JULGADA E A CONSTITUIÇÃO

1.1 Conceito

É indiscutível que o Estado possui uma função pacificadora e ordenadora dos interesses individuais, posto que o meio social fervilha de pretensões que frequentemente encontram resistência nos demais membros da sociedade. Daí o papel estatal de buscar a pacificação social, organizando esses interesses originariamente em conflito, tendo como finalidade a busca do bem comum, com o mínimo de insatisfações e sacrifícios de seus membros.

Como bem leciona ADA PELLEGRINI,

A tarefa da ordem jurídica é exatamente a de harmonizar as relações sociais intersubjetivas, a fim de ensejar a máxima realização dos valores humanos com o mínimo de sacrifício e desgaste. O critério que deve orientar essa coordenação ou harmonização é o critério do justo e do eqüitativo, de acordo com a convicção prevalente em determinado momento e lugar1.

Para a solução dos conflitos interindividuais, o Estado utiliza-se das atividades legislativa, executiva e jurisdicional. Na primeira, o Estado estabelece regras gerais visando disciplinar as mais diversas situações e abranger o maior número possível de pessoas, sem, no entanto, particularizá-las. O Executivo, baseando-se nas normas gerais, atua concretamente. Na jurisdição, se determina qual direito será aplicado para o caso concreto.

É o que ensina José de Albuquerque Rocha que ao distinguir legislação e jurisdição, destaca:

Em nosso parecer a nota distintiva entre legislação e jurisdição está, mesmo, na finalidade da função legislativa, que é criar, preponderantemente, normas gerais e abstratas, enquanto a da jurisdicional é criar a norma do caso concreto a partir das normas legislativas, ou seja, é concretizar o ordenamento jurídico, em última instância, através da elaboração de normas concretas e individuais2.

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A concretização do ordenamento jurídico referida pelo autor se realiza através da sentença, a qual o conceito de coisa julgada está umbilicalmente ligado. Conforme nova redação dada ao art. 162, § 1º do CPC, a sentença não apenas poderá extinguir o processo em primeiro grau, como também, viabiliza a prática de seu conteúdo condenatório.

No sistema processual brasileiro, depois de proferida a sentença pelo juiz, a parte prejudicada poderá interpor recursos até o esgotamento de todos os legalmente previstos ou até o termo final do prazo para recorrer. Ocorrendo qualquer desses eventos, ou seja, a impossibilidade de interposição de recurso admissível ou a preclusão temporal para se recorrer, a sentença, de mérito ou terminativa, transita em julgado, tornando-se a decisão judicial irrecorrível. Nesse momento, a decisão judicial adquire o status de coisa julgada ou

res iudicata.

Instituto de origem romana, anterior à Lei das Doze Tábuas, a res iudicium deducta

proibia que a mesma relação jurídica, com o mesmo objeto, fosse duas vezes julgada. A finalidade do instituto era o mesmo: conferir imutabilidade aos julgados e aos seus efeitos, com o objetivo de por fim às controvérsias trazidas ao Judiciário e se alcançar a pacificação social.

Enrico Túlio Liebman, ao definir coisa julgada como efeito da sentença, escreve que

“na opinião e linguagem comuns, a coisa julgada é considerada, mais ou menos clara e explicitamente, como um dos efeitos da sentença, ou como a sua eficácia específica”.

Posteriormente, o referido autor reformula seu conceito de coisa julgada considerando-a não mais efeito da sentença, mas autoridade da sentença ou como alguns preferem, qualidade da sentença.

A controvérsia sobre a natureza jurídica do instituto da coisa julgada suscitou grandes debates por parte dos doutrinadores. Entre as diversas correntes que tentam definir o instituto, destaca-se, como visto acima, a que considera a coisa julgada como efeito da sentença e aquela que a atribui o status de qualidade da sentença.

Em meio àqueles que consideram a coisa julgada como efeito da sentença encontra-se Moacyr Amaral Santos defendendo que:

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constitutivo). O comando emergente da sentença, como ato imperativo do Estado, torna-se definitivo, inatacável, imutável, não podendo ser desconhecido fora do processo3.

No entanto, tal posicionamento se apresenta incorreto, pois os efeitos das sentenças não se perpetuam no tempo, podendo ser alterados a qualquer momento. Basta lembrarmos do exemplo da sentença que condena A ao pagamento de certa quantia a B. O cumprimento dessa sentença quer por ato voluntário de A, ou por processo executivo promovido por B, faria desaparecer os efeitos da sentença, não se podendo dizer que tais feitos perpetuam-se no tempo.

Para Alexandre Freitas Câmara o que se torna imutável é o conteúdo da sentença que é “o ato judicial consistente na fixação da norma reguladora do caso concreto”. Acrescentando ainda:

Ainda que desapareçam os efeitos da sentença, não se poderá jamais pôr em dúvida que a sentença revela a norma que se mostrava adequada para a resolução daquela hipótese que fora submetida à cognição judicial. É este conteúdo da sentença que se torna imutável e indiscutível. Não é, pois, a eficácia da sentença que se torna imutável, mas a própria sentença4.

Entre os defensores da coisa julgada como qualidade da sentença encontra-se Humberto Theodoro Jr. afirmando que:

Apresenta-se a res iudicata, assim, como qualidade da sentença, assumida em determinado momento processual. Não é efeito da sentença mas qualidade dela representada pela ‘imutabilidade’ do julgado e de seus efeitos5.

Conclui-se que a imutabilidade incide sobre o conteúdo da sentença, não se referindo, pois, aos seus efeitos. Esta é a posição adotada neste trabalho, sendo, também, o entendimento da doutrina majoritária e a seguida por nosso ordenamento jurídico. O Código de Processo Civil, em seu art. 467, conceitua coisa julgada material como “a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”

A Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto Lei 4.657, de 4-9-1942) dispõe em seu art. 6°, § 3°: “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso.”

3 AMARAL SANTOS, Moacyr. Primeiras linhas de direito processual civil. vol. 3, 12ª ed., São Paulo: Saraiva, 1992.

4 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. vol. 1, 11ª ed., Lumem Júris, 2004, pág. 468.

(14)

Afora essas previsões infraconstitucionais, a Constituição Federal de 1988 não apenas albergou o instituto da coisa julgada como garantia constitucional, como previu em seu art. 5°, inc. XXXVI que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, alçando-o ao status de cláusula pétrea, dispondo no art. 60, § 4°, inciso IV:

“Art. 60. [...]

§ 4°. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...]

IV – os direitos e garantias individuais.”

Isso nos leva à conclusão de que a Constituição Federal recepcionou o instituto da coisa julgada conforme concebido na legislação infraconstitucional do Código de Processo Civil e da Lei de Introdução ao Código Civil.

Cândido Rangel Dinamarco, analisando o conceito de coisa julgada, escreve:

Transitar em julgado significa adquirir a qualidade de decisão imutável, quer com a autoridade da coisa julgada material, quer sem ela. Transita em julgado a sentença quando da condição de recorrível ela passa à de irrecorrível6.

Contudo, Alexandre Freitas Câmara inova ao concluir sobre a natureza jurídica da coisa julgada:

A coisa julgada é a situação jurídica consistente na imutabilidade e indiscutibilidade da sentença (coisa julgada formal) e de seu conteúdo (coisa julgada substancial), quando tal provimento jurisdicional não está mais sujeito a qualquer recurso7.

No entanto, a doutrina majoritária se filia à segunda corrente que considera a natureza jurídica da coisa julgada como qualidade da sentença. Não podemos nos esquecer da lição de Humberto Theodoro Jr. que, fazendo referência a Frederico Marques, estabelece graus de coisa julgada com base na possibilidade de ação rescisória da sentença: coisa julgada e coisa soberanamente julgada, esta ocorrendo quando, conforme o art. 495 do CPC, no prazo de dois anos, contado do trânsito em julgado da sentença a parte não propuser ação rescisória ou quando a referida ação for julgada improcedente.

6 DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. vol. 3, 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 297.

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1.2 Espécies

1.2.1 Coisa julgada formal e material

O instituto da coisa julgada pode ser analisado sob dois diferentes ângulos. O primeiro deles encontra-se conceituado no próprio Código de Processo Civil, em seu art. 467, ao afirmar: “Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.” Essa impossibilidade de se apresentar recurso caracteriza o trânsito em julgado da sentença.

Coisa julgada formal é um conceito que se origina do anterior, mas com ele não se confunde. Ocorre, portanto, coisa julgada formal quando, dentro do mesmo processo, a decisão não comportar discussão. Trata-se, portanto, de fenômeno endoprocessual, impedindo a rediscussão de uma matéria dentro do mesmo processo.

Essa diferença, portanto, está no campo de incidência da coisa julgada. Enquanto a formal incide dentro do processo de onde a sentença se originou, não impedindo que tal questão seja reapreciada em outro processo, a coisa julgada material, por sua vez, incide sobre o mérito, atribuindo à sentença a qualidade de coisa julgada, fazendo lei entre as partes, ficando vedado o seu reexame fora do processo, efeito pan-processual, por se encontrar o mérito definitivamente julgado.

Ocorre coisa julgada material, portanto, quando a sentença tratar sobre o mérito da causa, julgando a lide, o objeto principal da questão levada para o pronunciamento do Judiciário, como bem expressa a Exposição de Motivos do Código de Processo Civil, n° 6, citando lição de Carnelutti:

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Pelo exposto acima, concluímos que não ocorre coisa julgada material quando a sentença for terminativa, pois não se analisando o mérito da causa, não há que se falar em trânsito em julgado da sentença, gerando apenas coisa julgada formal, podendo ser novamente exercido o direito de ação sobre a mesma matéria.

Humberto Theodoro Jr. elucida essa questão dizendo que o Código de Processo Civil traz apenas duas formas de julgamento que podem por fim ao processo: as sentenças terminativas (art. 267), que por análise de questões preliminares extinguem o processo sem resolução de mérito, e as sentenças de mérito (art. 269), que pronunciando-se sobre a lide, submetem-se as conseqüências da res iudicata8.

Nelson Nery Jr e Rosa Maria de Andrade Nery fazem uma crítica a expressão coisa julgada formal considerando-a como um fenômeno decorrente da preclusão, citando o art. 473 do CPC que dispõe: “É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão” 9, sugerindo o nome preclusão máxima

para o instituto. Contudo, reconhecem que a doutrina já sedimentou a expressão e que uma mudança de nome não alteraria o entendimento do instituto.

Portanto, sempre que ocorrer a coisa julgada material necessariamente ocorrerá também a coisa julgada formal, pois aquela tem um campo de incidência mais abrangente, projetando seus efeitos para fora do processo, vinculando as pretensões das partes na exata medida dos interesses postos em conflito. O contrário, porém, não ocorre. A coisa julgada formal pode existir sozinha quando por meio de sentença terminativa põe-se fim ao processo.

No entanto, ambos os institutos estão alicerçados na impossibilidade de se abrir a discussão daquilo que já fora objeto de julgamento por parte do Judiciário, atribuindo a característica da imutabilidade às suas decisões. Desta forma, impedindo a perpetuação de conflitos, busca-se a pacificação social por meio da atividade estatal de dizer o direito.

1.3 Limites objetivos e subjetivos da coisa julgada

8 Ob. cit., p. 477.

9 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e

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1.3.1 Limites objetivos

Os limites objetivos da coisa julgada encontram seu perfeito delineamento no art. 468 do CPC quando estabelece que “a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas”. Em outras palavras, busca estabelecer o alcance dos efeitos do trânsito em julgado da sentença que são a imutabilidade e a indiscutibilidade.

Essa incidência ocorrerá somente sobre aquilo que foi objeto da sentença, impedindo que o Judiciário altere o que foi reconhecido em julgamento anterior. Vale lembrar que o objeto da sentença tem seus limites no pedido formulado pelo autor e na resposta do réu, o que se chama de litis contestatio, impedindo que o magistrado, ao compor a lide, ignore a natureza do pedido do autor, vedando julgamentos extra petita (decisão abordando matéria estranha ao processo), ultra petita (além do pedido) e citra petita (aquém do pedido).

A sentença é constituída de relatório, motivação e parte dispositiva.

No relatório o juiz faz um resumo de toda a relação processual, preparando o processo para julgamento, contendo os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu (art. 458, inc. I), bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo. Não contendo nenhum elemento decisório, o relatório não transita em julgado, porém sua falta acarreta nulidade à decisão.

A motivação é a parte da sentença em que o juiz elabora os fundamentos de fato e de direito em que baseará sua decisão (art. 458, inc. II). Também não transita em julgado, conforme estabelece art. 469, inciso I.

Na parte dispositiva o juiz resolverá as questões submetidas pelas partes (art. 458, inc. III), possuindo guarida constitucional na necessidade de fundamentação de toda decisão judicial (art. 93, inc. IX), sendo a falta de motivação causa de nulidade da sentença. Este, por possuir conteúdo decisório, transita em julgado. No entanto as questões prejudiciais alegadas

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prejudicial é toda demanda proposta no curso do processo principal, causando a este uma dependência lógica em relação àquele. Faz-se necessária a prévia análise da questão prejudicial, pois a sua solução influenciará diretamente na sentença da ação principal.

Nesse sentido, os arestos do Superior Tribunal de Justiça:

A coisa julgada incide apenas sobre o dispositivo propriamente dito da sentença, não sobre os motivos ou a questão prejudicial – CPC, art. 469, I e III, salvante, no alusivo a esta última hipótese, se proposta ação declaratória incidental.10

Coisa julgada. Não abrange a fundamentação assim como não compreende, em seus limites objetivos, a decisão sobre a questão prejudicial, salvo se pedida a declaração incidental. Esta última hipótese, se proposta ação declaratória incidental.11

Essa é também a acertada posição de Paulo Roberto Lyrio Pimenta. No entanto, inova ao considerar que a coisa julgada abrangerá as questões decididas pelo juiz independente de estarem na parte dispositiva, podendo estar contidas na motivação ou na fundamentação desde que estes pontos tenham sido colocados em discussão e decididos. Escreve:

Quanto aos limites, ex vi do disposto no art. 469, a coisa julgada atinge tão-somente o dispositivo, e não os fundamentos da decisão final. Nada impede, portanto, que noutro processo o juiz modifique os fundamentos expendidos em sentença anterior. Essa possibilidade em nada afeta a finalidade da coisa julgada.

Cabe observar, entretanto, que o dispositivo não se identifica, necessariamente, com a parte final da sentença. É preciso entender o significado desta expressão no sentido material, e não o meramente formal. Ou seja, dispositivo é toda manifestação do juiz acerca de um ponto, ou de questão controvertida, na qual ele se posiciona sobre a matéria, decidindo-a, dispondo sobre esta. Logo, se a fundamentação contiver este tipo de posicionamento, será alcançada pela coisa julgada12.

Há ainda o que se chama de eficácia preclusiva da coisa julgada trazendo a idéia de julgamento implícito que, nos termos do art. 474 do CPC versa: “Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido.”

O que o artigo trata é da proibição de se alegar em outro processo questões que poderiam e deveriam ter sido ventiladas na lide anterior e não o foram, causando a preclusão do direito de reinquiri-las.

10 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. REsp n° 444/RJ. Relator: Min. Athos Carneiro. DJU de 22.4.1991, p. 4.788.

11 SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Ag. n° 53.230-5/RJ. Relator: Min. Eduardo Ribeiro. DJU de 24.10.1994, p.28.758.

12 PIMENTA, Paulo Roberto Lyrio. Limites Subjetivos e Objetivos da Coisa Julgada no Controle

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No entanto, Alexandre Freitas Câmara critica essa posição doutrinária ao afirmar:

Em verdade, o que se quer dizer com o art. 474 é que, uma vez alcançada a sentença definitiva pela autoridade da coisa julgada, tornam-se irrelevantes todas as alegações que poderiam ter sido trazidas a juízo e que não o foram. Isto se dá, diga-se, porque os motivos não transitam em julgado, sendo, pois, irrelevantes o caminho trilhado pelo raciocínio do juiz para proferir sua decisão. Apenas o dispositivo da sentença transita em julgado e, por conseqüência, não se poderia permitir que a coisa julgada fosse infirmada toda vez que a parte vencida se lembrasse de alguma alegação que poderia ter feito mas não o fez13.

Contudo, a tal posicionamento não se filia a doutrina majoritária.

Desta forma podemos concluir que os limites objetivos da coisa julgada sob os quais recairão os efeitos do trânsito em julgado, têm o seu contorno naquilo que fora decidido no processo, contido na parte dispositiva da sentença, impedindo sua reapreciação em processo posterior.

1.3.2 Limites subjetivos

Os limites subjetivos da coisa julgada estão apresentados no art. 472 do Código de Processo Civil ao dizer que “a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros”. Esse artigo estabelece que as pessoas sobre as quais incidirão os efeitos da res iudicata serão aquelas diretamente relacionadas na sentença, não podendo prejudicar nem beneficiar aqueles que foram estranhos ao processo.

Duas razões são apresentadas por Rangel Dinamarco para que os efeitos da coisa julgada não se estendam além dos sujeitos processuais. A primeira está baseada na garantia constitucional do contraditório (art. 5°, LV), que seria violada se um sujeito fosse impedido de levar a um outro processo questões que já tivessem sido objeto de sentença em uma lide anterior, sem que neste, tivesse tido oportunidade de questioná-la na condição de parte. A segunda se fundamenta na própria sentença de mérito e nas regras de titularidade do direito de ação, onde terceiros desinteressados não estão autorizados a colocarem novamente em

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discussão efeitos da sentença de que não tenham relação como parte, e porque as regras processuais negam-lhes legitimidade ad causam14.

Entretanto, isso não se confunde com o dever de respeito à coisa julgada que deve recair sobre todos. Nisto reside a função pacificadora do Direito que ao afirmar o direito da parte faz incidir em toda a sociedade, e não apenas sobre a parte vencida, o dever de observância ao comando expresso na sentença.

Citando lição de Liebman, Theodoro Jr. faz a distinção entre eficácia natural da sentença e autoridade da coisa julgada, sugerindo que a primeira vale para todos indistintamente, enquanto a segunda alcança apenas as partes envolvidas no processo.

Isso nos leva à conclusão de que mesmo não participando do processo, determinadas pessoas, dependendo do tipo de relação que tenham com um dos sujeitos processuais, podem arcar com efeitos da sentença. Logo, a coisa julgada somente incidirá sobre terceiros que tenham sido atingidos pelos efeitos da sentença, como no caso do art. 42, § 3° do CPC, onde suas implicações recairão para além dos integrantes da lide, fazendo-se sentir sobre o adquirente da coisa ou do direito litigioso. Já sobre terceiro desinteressado, a coisa julgada não os atinge, pois não possuem interesse de agir, tornando-se carecedores da ação.

Vejamos um exemplo. Um credor A não pode ignorar sentença que condene seu devedor B em uma outra relação jurídica a pagar a C certa quantia, desfalcando do patrimônio do devedor bens que lhe serviriam de garantia comum. Como terceiro com interesse jurídico subordinado as partes, o credor A pode questionar a sentença alegando em sua defesa exceção de coisa julgada.

Os efeitos da coisa julgada pode se dar, nesses termos, inter omnes, erga omnes e

ultra partes. Efeito inter omnes é a regra geral que vem expressa no art. 472, segundo a qual a sentença se limitará as partes nela envolvidas. Nas relações jurídicas que versam sobre direitos individuais homogêneos e direitos difusos a coisa julgada terá eficácia erga omnes, onde toda a comunidade indistintamente seria atingida pelos efeitos da sentença..

O efeito ultra partes da coisa julgada é esclarecido nas palavras de Nelson e Rosa Maria Nery:

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Nas ações que versam sobre direitos coletivos (CDC 81 par.ún.II), a coisa julgada terá sempre eficácia para além das partes (ultra partes), procedente ou improcedente o pedido, mas limitada ao grupo, categoria ou classe de pessoas a que se refere o direito coletivo discutido em juízo e objeto da coisa julgada material15.

Neste ponto, podemos perceber que os limites subjetivos da coisa julgada não se encontram confinados nos estritos termos do art. 472 do Código de Processo Civil, pelo contrário, tais limites estão sendo gradativamente estendidos para além dos sujeitos envolvidos na relação processual, devido, em parte, pela quantidade de ações coletivas e pela forte aplicação do Código de Defesa do Consumidor no campo dos direitos difusos, tutela dos direitos coletivos e difusos por meio da Lei de Ação Civil Pública.

1.4 Fundamentos da coisa julgada

1.4.1 Princípio da intangibilidade da coisa julgada

Intangível é a qualidade daquilo que não se pode tocar, inatacável. A intangibilidade da coisa julgada como princípio é, portanto, aquilo que confere à decisão judicial a qualidade de inatingível por outra decisão que venha, por qualquer meio ou forma, alterar o conteúdo e os efeitos decorrentes da sentença.

A Constituição Federal não traz expressa disposição sobre o princípio da intangibilidade da coisa julgada, porém, sua idéia surge do conjunto de princípios que norteiam o Estado Democrático de Direito, servindo como um sub-princípio agregado à garantia da segurança jurídica, que engloba a proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5°, XXXVI, CF). Por conta disso, tal princípio foi dotado de um caráter absoluto, venerado pela doutrina, considerado como algo que, impondo um fim às discussões sobre determinada matéria proposta pelos litigantes, resolveria também questões ligadas à justiça das decisões, pois o Estado-Juiz, ao intervir na resolução da lide, diria o que seria justo em determinado caso concreto.

15 NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e

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O princípio da intangibilidade da coisa julgada impõe que proferida uma decisão pelos órgãos jurisdicionais, as partes devem a ela subordinar-se, qualquer que tenha sido o resultado, prevalecendo a vontade do Estado sobre a pretensão das partes envolvidas no litígio.

1.4.2 Princípio da segurança jurídica

O homem é um ser inseguro. Naquilo em que não exerce total domínio, ele procura por todos os meios prever os acontecimentos e elaborar uma forma de controlar os efeitos desses fatos sobre sua vida. Diante das suas necessidades sempre crescentes e da escassez dos recursos, o estado de beligerância entre os membros da comunidade agravam o estado de inquietude humana, somando-se a isto as imprevisíveis formas de resolverem esses conflitos, nem sempre alcançando o que comumente se entende por justiça. Esse contexto leva o homem a abrir mão de parcela de sua liberdade em troca de segurança proporcionada pelo Estado.

A segurança jurídica é, portanto, uma necessidade social atrelada ao espírito humano e à própria existência do Estado de Direito, indispensável para a sustentação da paz social, na medida em que o cidadão tem a confiança no cumprimento das decisões do Estado e pode prever esses resultados. Logo, a segurança jurídica consiste em garantir ao jurisdicionado que as decisões enunciadas pelo Estado-Juiz serão cumpridas como previamente estabelecidas no ordenamento e não serão mais objetos de questionamento, dando a elas a qualidade de definitivas.

O princípio da segurança jurídica está diretamente ligado à idéia de coisa julgada. Por esse motivo é considerado pedra angular para os que se opõem à teoria da relativização da coisa julgada. Por outro lado, é fortemente atacado, pelo menos como dogma absoluto, pelos defensores da flexibilização da res iudicata.

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as constantes evoluções sociais e a necessidade de desenvolvimento e readaptação do ordenamento jurídico. O que acontece com a relativização é que a tarefa de readaptação do ordenamento à realidade social está sendo desempenhada erroneamente pelos aplicadores do direito que, baseando-se em decisões esparsas e em critérios que não primam pela objetividade, querem fragilizar uma garantia que está na própria base da sociedade e do Estado Moderno.

Nessa linha, é a orientação do STJ no caso de investigação de paternidade:

AÇÃO DE NEGATIVA DE PATERNIDADE - EXAME PELO DNA POSTERIOR AO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE - COISA JULGADA

1. Seria terrificante para o exercício da jurisdição que fosse abandonada a regra absoluta da coisa julgada que confere ao processo judicial força para garantir a convivência social, dirimindo os conflitos existentes. Se, fora dos casos nos quais a própria lei retira a força da coisa julgada, pudesse o magistrado abrir as comportas dos feitos já julgados para rever as decisões não haveria como vencer o caos social que se instalaria. A regra do art. 468, do Código de Processo Civil é libertadora. Ela assegura que o exercício da jurisdição completa-se com o último julgado que se torna inatíngivel, insuscetível de modificação. E a sabedoria do código é revelada pelas amplas possibilidades recursais e, até mesmo, pela abertura da via rescisória naqueles casos precisos que estão elencados no art. 485.

2. Assim, a existência de um exame pelo DNA posterior ao feito com decisão transitada em julgado, reconhecendo a paternidade, não tem o condão de reabrir a questão com uma declaratória para negar a paternidade, sendo certo que o julgado está coberto pela certeza jurídica conferida pela coisa julgada.

3. Omissis16

Não é outra a opinião de Paulo Nader ao lecionar sobre a necessidade de segurança jurídica:

Entretanto, o conflito entre segurança e justiça é comum na vida do Direito e quando este fenômeno ocorre é forçoso que prevaleça a segurança, pois, a predominar o idealismo de justiça, a ordem jurídica ficaria seriamente comprometida e se criaria uma perturbação na vida social 17.

Como motivo que justifique a permanência da segurança jurídica como algo absoluto, encontra-se, portanto, a tese que a considera como direito fundamental do cidadão frente às investidas do Estado na esfera privada. Outra é a utilização de critérios objetivos para a sua aplicação, evitando-se surpresas que adviriam com o emprego de critérios subjetivos baseados no conceito de justo e de justiça, que poderiam ser modificados segundo

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convicções pessoais do julgador e que não garantiriam que uma segunda decisão seria mais justa que a anterior.

Por outro lado, os defensores da relativização da coisa julgada consideram a segurança jurídica como princípio. Destarte, visto como tal, deverá se submeter às regras de interpretação e aplicação que lhe são próprias, entre elas a de que nenhum princípio tem uma aplicação isolada dos demais, não podendo, assim, ser atribuído a um deles a condição de absoluto e a de que deve haver um sopesamento entre os princípios envolvidos num determinado caso concreto para se saber qual deles deverá prevalecer em detrimento do outro. Tais técnicas têm como objetivo conferir harmonia e coesão ao ordenamento jurídico.

As respostas aos que se opõem à flexibilização da coisa julgada serão dadas no capítulo 2 deste trabalho.

1.4.3 Princípios da proporcionalidade e da razoabilidade

O Estado Democrático de Direito possui como uma de suas diretrizes a submissão de seus atos administrativos, legislativos e judiciais, ao crivo da proporcionalidade e da razoabilidade. Esses princípios têm suas origens no direito norte-americano e europeu, especialmente o alemão, desenvolvidos após a Segunda Guerra Mundial, numa preocupação do Poder Judiciário em limitar o Poder Legislativo e Executivo frente aos administrados, protegendo-os de abusos e exigências que colocassem em risco suas garantias e direitos fundamentais diante de nações fragilizadas pela guerra.

Mesmo não encontrando expressa previsão legal, o princípio da proporcionalidade é largamente defendido pela doutrina, que ao delimitar seu alcance e sentido, também o considera como o princípio basilar, o superprincípio, dos demais, que com ele devem guardar harmonia. Está se consolidando como princípio limitador de toda a atividade estatal, principalmente aquela que atinge direta ou indiretamente a aplicação dos direitos fundamentais.

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espaços para que se utilize pura e simplesmente um único princípio, sem se considerar todos os outros que se relacionem com determinado caso concreto.

Os que defendem o caráter absoluto da coisa julgada utilizam-se desse argumento por alegarem que a segurança jurídica como valor se sobrepõe aos demais pelo seu grau de importância no meio social. Seu papel pacificador sempre foi algo desejado pelo homem, que diante de suas necessidades sempre crescentes, chegou mesmo a abrir mão de parcela de sua liberdade para aderir ao contrato social, apregoado por Rousseau. Do contrário, uma situação de caos se instalaria na sociedade, onde os jurisdicionados não teriam mais confiança nas decisões proferidas pelo Estado, nem nas suas leis, buscando, portanto, por seus próprios meios, a solução dos conflitos e a satisfação de seus próprios interesses.

Luiz Guilherme Marinoni, defende a desnecessidade de se alegar o princípio da proporcionalidade quando da desconstituição da coisa julgada, considerando as ações de investigação de paternidade nos seguintes termos:

Como está claro, o problema da ação de investigação de paternidade tem relação com o fenômeno da evolução tecnológica. Isso demonstra que não se trata de balancear a coisa julgada material com o direito já levado ao juiz, mas sim de admitir que a parte, diante de limitações técnicas da época em que o processo foi instaurado, não teve a oportunidade de demonstrar o seu direito.

Para aceitar como plausível a alusão à proporcionalidade em face da ação de investigação de paternidade, a contraposição não estaria sendo feita entre o direito à descoberta da relação de filiação e a coisa julgada material em abstrato, mas sim no caso concreto, considerado o surgimento do meio técnico do DNA como capaz de dar nova conformação à decisão transitada em julgado18.

Seguindo esse raciocínio, o princípio da proporcionalidade não se aplicaria aos casos em que a evolução da ciência faça surgir meio de prova que ao tempo da prolação da sentença e à posterior constituição da coisa julgada, não existia, impedindo, portanto, uma correta aplicação da justiça. E conclui:

Porém, não há qualquer possibilidade ou razão para apelo à “harmonização” quando o que está em jogo é o surgimento de meio técnico capaz de modificar o julgamento. Como já foi dito, se o exame de DNA pode alterar o julgamento que se formou na sentença acobertada pela coisa julgada, o correto é interpretar tal exame como um “documento novo” que não pôde ser utilizado, mas que é capaz, por si só, de “assegurar um pronunciamento favorável” (art. 485, VII do CPC)19.

18 MARINONI, Luiz Guilherme. Sobre a chamada "relativização" da coisa julgada material. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 448, 28 set. 2004. Disponível em:

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O artigo 485 do CPC trata das situações em que a ação rescisória poderá ser interposta. No caso em análise, mesmo após o trânsito em julgado da sentença, esta poderá ser rescindida quando surgir documento novo cuja existência era ignorada ou de uso impossível, capaz de garantir uma nova sentença favorável.

Com base nesses argumentos, Luiz Guilherme Marinoni defende que a relativização da coisa julgada não se aplica nesses casos de documento novo, provando que a segurança jurídica é princípio que se mantém em caráter absoluto, continuando com solídas bases e em pleno vigor no ordenamento jurídico pátrio.

A razoabilidade, também, não se encontra expressa na Constituição Federal. Mas a doutrina a entende como estando contida no princípio do devido processo legal (substantive due process, de origem norte-americana), para alguns, presente no art. 5°, LIV da Constituição Federal. A sua aplicação se faz quando o Estado se utiliza de meios próprios para se chegar aos fins desejados, não empregando para isso, meios desarrazoados. E isso ocorre quando as decisões estatais contêm os seguintes elementos: a) pertinência ou aptidão da decisão estatal; b) a necessidade da decisão; c) a proporcionalidade em sentido estrito, ou seja, a obrigação de fazer uso dos meios proporcionais e a interdição quanto ao uso dos meios desproporcionais.

Nesse momento se faz necessária uma análise das considerações de parte da doutrina, ainda com forte presença nos tribunais, acerca de seus motivos para se preservar a coisa julgada e, em grau absoluto, o princípio da segurança jurídica. Esses argumentos foram apresentados por Luiz Guilherme Marinoni no artigo intitulado Sobre a chamada "relativização" da coisa julgada material, publicado no site da Jus Naveganti e serão rebatidos no próximo capítulo deste trabalho.

A primeira delas está na idéia de garantia de acesso à justiça. Se a coisa julgada puder ser “relativizada” não fará sentido ao jurisdicionado buscar no Judiciário um pronunciamento definitivo sobre a questão em conflito. Permanecerá, então, um perene estado de incerteza e insegurança sobre as relações jurídicas, fragilizando a essência do Estado de Direito.

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A ‘tese da relativização’ contrapõe a coisa julgada material ao valor de justiça, mas surpreendentemente não diz o que entende por ‘justiça’ e sequer busca amparo em uma das modernas contribuições da filosofia do direito sobre o tema. Aparentemente parte de uma noção de justiça como senso comum, capaz de ser descoberto por qualquer cidadão médio (l’uomo della strada), o que a torna imprestável ao seu propósito, por sofrer de evidente inconsistência20.

Para ele, citando o filósofo alemão Gustav Radbruch, o disciplinamento da vida social não pode ficar a mercê das opiniões dos homens que em suas múltiplas relações compõem a sociedade. Essas opiniões, influenciadas por crenças, religiões, ideologias, se apresentam muitas vezes opostas, fazendo surgir a necessidade da vida social ser regulamentada de maneira uniforme por uma força que se coloque acima de todos os indivíduos.

Concluímos, portanto, que para os defensores da imutabilidade e indiscutibilidade da coisa julgada, o Estado é que deve dizer, em última análise o que é justo. A relatividade e a subjetividade do conceito de justiça podem levar a uma eternização dos conflitos sociais e da atividade jurisdicional, pois a parte vencida, sempre se julgará prejudicada e injustiçada pela decisão judicial. No Estado, portanto, é que reside o senso de Justiça que deve pairar sobre toda a coletividade. Isso, contudo, sem desconsiderar que a sociedade, por meio de seus representantes eleitos, deverá reunir essas diversas aspirações, opiniões e crenças em um ordenamento jurídico lógico e coeso que atenda, da melhor forma possível, o sentimento de justiça com pacificação social.

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2 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA E A CONSTITUIÇÃO

2.1 A doutrina da relativização da coisa julgada

Apesar de o tema “relativização da coisa julgada” encontrar-se atualmente em fervilhante discussão doutrinária, não se apresenta, contudo, como uma novidade no meio jurídico. A doutrina, de longa data, vem se preocupando com este assunto, que envolve o equilíbrio entre a aplicação da lei e a efetividade dos valores da justiça e segurança jurídica.

Prova disto, são os constantes embates entre os defensores de uma maior celeridade da justiça e os que advogam pela não mitigação de institutos que garantem o contraditório, a ampla defesa e os meios revisionais próprios, asseguradores de decisões mais ajustadas à lei e ao ideal de justiça perseguido pelas partes.

A ação rescisória e a revisão criminal são institutos jurídicos frutos desses debates que procuram viabilizar a possibilidade de rediscussão da coisa julgada diante das situações previstas legalmente, aquela dentro do período de dois anos, esta, a qualquer tempo.

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A flexibilização da coisa julgada possui embasamento na assertiva de que a res iudicata não se apresenta como valor absoluto, mas como princípio processual e, como tal, não está acima de qualquer outro, muito menos da própria Constituição Federal. Deseja-se conciliar por meio da relativização, os valores de segurança e justiça.

Nas palavras de Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria:

Neste cenário, torna-se imprescindível repensar-se o controle dos atos do Poder Público, em particular da coisa julgada inconstitucional, na busca de soluções que permitam conciliar os ideais de segurança e os anseios de justiça, lembrando sempre, nesta trilha, que “num Estado de Direito material, tal como a lei positiva não é absoluta, também não o são as decisões judiciais. Absoluto, esse sim, é sempre o Direito ou, pelo menos, a idéia de um DIREITO JUSTO”21.

Essas mudanças na interpretação do instituto da coisa julgada, a possibilitar sua flexibilização, são frutos da própria evolução do Direito, visto como fenômeno cultural a refletir as diversas transformações por que passa a sociedade.

O Estado Liberal, julgando ter encontrado na lei os meios necessários para a resolução dos problemas sociais, não conseguiu equacionar o fato da evolução social não atender a seus comandos diante de um ordenamento jurídico rígido (Positivismo), do conservadorismo dos seus julgados e na preocupação exacerbada com a norma.

Com o Estado Social, a atividade jurisdicional ganha novos contornos. A interpretação literal não é mais aceita como suficiente. Busca-se, agora, a finalidade da lei, conjugada com sua análise histórica e sistemática, com o objetivo de harmonizá-la, não só com o ordenamento jurídico positivado, mas, também, com os próprios anseios da sociedade. A preocupação não é mais com a literalidade da lei, mas com a sua legitimidade.

Hoje, sob a égide do Estado Democrático de Direito, os limites da atividade jurisdicional são ainda mais largos e os objetivos, superiores. O Estado-Juiz, ao compor litígios, deve garantir o devido processo legal, ampla defesa e contraditório, sob pena de nulidade de seus julgados. O juiz deve ter uma visão mais aberta, uma formação mais humana e um maior domínio dos diversos princípios que deverão ser apreciados em determinado caso concreto. A segurança jurídica se apresentará na mesma proporção em que as decisões forem, também, justas.

21 THEODORO JÚNIOR, Humberto, FARIA, Juliana Cordeiro de. A coisa julgada inconstitucional e

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Assim, relativizar a coisa julgada, possui a mesma base argumentativa utilizada para flexibilizar princípios e garantias constitucionais. Tal pensamento está contido nas palavras de Tarcísio Barros Borges, Juiz Federal da 5ª Região, ao escrever:

A ponderação de bens ou interesses, ou como prefere CANOTILHO, a concordância prática entre princípios constitucionais em conflito, apenas revela a tese de que, na Constituição Federal, inexiste norma ou princípio jurídico dotado de valor absoluto. A relatividade dos valores jurídicos albergados pela Constituição é exigência da pluralidade de concepções e ideais que amalgamaram a concretização da Lei Maior. De fato, a título de exemplo, note-se o direito inalienável à vida, inscrito no caput do art. 5º da Constituição Federal,o qual, apesar do seu relevantíssimo valor, pode ser restringido se a União instituir a pena de morte, no caso de guerra declarada, conforme autorização constitucional expressa (art. 5º, XLVII). Também cede o direito à vida no caso do instituto penal da legítima defesa, o qual, apesar de não revelar-se expresso na Constituição, decorre implicitamente do próprio direito à vida, vez que ninguém pode ser proibido – ou por isso punido – de defender a própria vida contra agressão injusta de terceiro22.

A teoria da relativização da coisa julgada defende que a res iudica deve ser flexibilizada nas hipóteses em que as sentenças apresentem flagrante inconstitucionalidade, imoralidade e injustiça. A coisa julgada não pode, portanto, servir de veículo de perpetuação de injustiças, nem utilizada para tornar verdadeiro algo que faticamente não o é.

Não se defende uma desvalorização do instituto da coisa julgada, previsto constitucionalmente e que visa à estabilidade das relações sociais, através da segurança jurídica. A sua relativização deverá ocorrer diante de situações excepcionais e que deverão estar legalmente previstas, para que se evite que conceitos jurídicos de justiça e moralidade, detentores de grande carga de subjetividade, sejam utilizados de forma indiscriminada.

2.2 Princípio da supremacia da constituição

A Constituição de um Estado é a sua lei fundamental, onde todo o ordenamento jurídico encontra os seus limites. Não apenas isso, mas todos os atos estatais encontram nela os seus delineamentos e finalidades. Localizada no topo da hierarquia do ordenamento jurídico, portanto, a lei máxima de um Estado, traz em si os princípios, garantias, direitos e deveres com os quais todo o ordenamento infraconstitucional deverá guardar harmonia.

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A idéia de pirâmide normativa e do escalonamento das normas foi idealizada por Hans Kelsen ao escrever:

Como, dado o caráter dinâmico do Direito, uma norma somente é válida porque e na medida em que foi produzida por determinada maneira, isto é, pela maneira determinada por uma outra norma, esta outra norma representa o fundamento imediato de validade daquela. A relação entre a norma que regula a produção de uma outra e a norma assim regularmente produzida pode ser figurada pela imagem espacial da supra-infra-ordenação. A norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas uma ao lado da outra, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas23.

Assim, pelo que foi dito, o processo de elaboração de uma norma e o seu conteúdo devem estar em conformidade com a norma hierarquicamente superior para que aquela possa ser considerada válida.

Não estão, pois, as normas situadas num mesmo plano. O que há é uma disposição vertical das leis, onde no ápice dessa pirâmide hipotética está localizada a Constituição como norma que fundamenta todo o ordenamento jurídico. Abaixo estão outras normas que, por sua vez, servem de fundamento das que lhes são inferiores. Havendo, no entanto, conflito entre as normas constitucionais e as demais normas ou atos de inferior hierarquia, a norma constitucional prevalecerá fazendo com que a inferior seja considerada inconstitucional, inválida e retirada do ordenamento jurídico.

A finalidade do Princípio da Supremacia da Constituição é, pois, subordinar todos os atos estatais aos preceitos albergados pela Carta Magna, através do controle de constitucionalidade de atos infraconstitucionais tais como leis, atos administrativos, sentenças.

É clássico o conceito de Constituição elaborado por Alexandre de Moraes:

Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos24.

Podemos concluir desse conceito que, além de atribuir validade a todas as normas existentes no ordenamento jurídico, outro objetivo da Constituição é definir o modo de

23 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 247.

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aquisição e a forma de exercício do poder. Esse poder estatal está dividido, segundo a clássica concepção aristotélica, em Executivo, Legislativo e Judiciário. Logo, todos os atos emitidos por qualquer destes poderes públicos estarão sujeitos ao controle de constitucionalidade.

O Estado, portanto, no exercício do poder constituinte originário e do derivado estabeleceu o modo como exercerá esse poder, fixando as diretrizes que deverão ser seguidas, e os limites em que se dará o seu cumprimento, observando as garantias e os direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal.

A Constituição Federal coloca sob o controle do Poder Judiciário os atos dos Poderes Legislativo e Executivo através do controle de constitucionalidade concentrado e difuso. O ordenamento jurídico nacional adota o sistema misto, no qual se utiliza dos dois tipos de controle. Sobre o controle difuso, assim se pronuncia Alexandre de Morais:

Também conhecido como controle por via de exceção ou defesa, caracteriza-se pela permissão a todo e qualquer juiz ou tribunal realizar no caso concreto a análise sobre a compatibilidade do ordenamento jurídico com a Constituição Federal.

[...]

Este controle não acarreta a anulação da lei ou do ato normativo com efeito erga omnes, aplicando-se somente ao caso concreto em que a norma foi julgada inconstitucional25.

Em outro momento, o mesmo autor escreve sobre o controle concentrado nos seguintes termos:

Por meio desse controle (concentrado), procura-se obter a declaração de inconstitucionalidade da lei ou ato normativo em tese, independentemente da existência de um caso concreto, visando-se obtenção da invalidade da lei, a fim de garantir-se a segurança das relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais26.

O controle concentrado de constitucionalidade é exercido pelo STF que, por meio de recurso extraordinário, da ação direta de inconstitucionalidade e da ação direta de constitucionalidade, julga, em última instância, as decisões que são contrárias à Carta Magna ou afere validade à lei ou ato administrativo, possuindo efeito erga omnes.

O controle difuso, por sua vez¸ é exercido de maneira incidental, no curso de um processo em andamento, onde a constitucionalidade não é o objeto da ação, mas é levantada como questão prejudicial ou pressuposto necessário para o julgamento do mérito. Proferida

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pelos juízes de primeira instância ou pelo STF, o seu efeito é apenas inter partes, agindo retroativamente no caso concreto, desconstituindo os efeitos da norma desde sua origem. Contudo, para os demais, desde que o Senado, observando o conteúdo do art. 52, X da CF, suspenda a execução da lei declarada inconstitucional, sua eficácia será erga omnes.

Pelo exposto acima, o Estado, no exercício de suas funções Legislativa e Executiva, deve produzir leis e atos normativos que sejam compatíveis com a Constituição, seguindo tanto as regras constitucionais de cunho formal, que estabelecem a autoridade competente e o procedimento que deverá ser seguido para a sua elaboração, como os requisitos materiais de compatibilidade quanto ao conteúdo da lei, sob pena de, sendo consideradas inconstitucionais, serem expurgadas do ordenamento jurídico e consideradas nulas e sem efeito.

Sobre o tema, posiciona-se Humberto Theodoro Jr.:

Porém, ao longo de mais de duzentos anos, o que se observa é que, em tema de inconstitucionalidade, as atenções e preocupações jurídicas sempre se detiveram no exame de desconformidade constitucional dos atos legislativos. Verifica-se, assim, que a grande parte dos estudos produzidos desde então centra-se na análise da constitucionalidade/inconstitucionalidade dos atos legislativos, não havendo uma maior preocupação com os atos do Poder Judiciário, em especial suas decisões que, sem a menor dúvida, são passíveis de serem desconformes à Constituição27.

Nesse sentido, o autor denuncia o esquecimento do tema do controle de validade dos atos jurisdicionais, devido, em grande parte, às imposições da doutrina liberal e sua teoria do Regime da Legalidade, segundo a qual, o Direito se reduziria ao que era posto (positivismo jurídico), restringindo a idéia de Justiça ao que estivesse previsto no ordenamento e proferido pelo Judiciário. A idéia que se tinha era, portanto, do juiz boca da lei, pois, por meio da interpretação da norma e posterior decisão é que se estabeleceria a justiça do caso concreto.

Com isso, se solidificou o princípio da intangibilidade da coisa julgada, considerada em caráter absoluto, por abrigar em si valores perseguidos pelo Estado de Direito como a segurança jurídica e a previsibilidade da aplicação da lei, impedindo que decisões judiciais, mesmo eivadas de inconstitucionalidade e flagrante injustiça, depois de transitadas em julgado, pudessem vir a ser desconstituídos.

Essa interpretação adquire maior importância diante da atual sistematização do ordenamento jurídico pátrio, que confere aos órgãos jurisdicionais o papel fiscalizador da

27 THEODORO JÚNIOR., Humberto. A reforma do processo de execução e o problema da coisa

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legalidade e constitucionalidade dos demais poderes estatais. Além disso, cresce a edição de normas contendo princípios imprecisos, indeterminados e abertos, que exigem, por parte do Judiciário, um maior esforço interpretativo, deixando nas mãos dos juízes a tarefa de estabelecer o conceito e o alcance de tais institutos.

Ocorre, com isso, uma supervalorização da atividade jurisdicional, predominando a função do Poder Judiciário sobre os Poderes Legislativo e Executivo. Essa concentração de poderes provoca o desequilíbrio no funcionamento da máquina estatal, facilitando o surgimento de arbitrariedades e desmandos, com sérios prejuízos para o cidadão.

Como bem observa Paulo Otero:

Como sucede com os outros órgãos do Poder Público, também os tribunais podem desenvolver uma actividade geradora de situações patológicas, proferindo decisões que não executem a lei, desrespeitem os direitos individuais ou cujo conteúdo vá ao ponto de violar a Constituição28.

Portanto, o Princípio da Supremacia da Constituição encontra aplicação também nos atos do Poder Judiciário, na interpretação e aplicação da lei e atos normativos, não mais se concebendo a idéia de que a coisa julgada impede que se aplique, em tais decisões, o controle de constitucionalidade.

O Poder Judiciário, ao proferir decisões, exerce uma função estatal, não estando a função jurisdicional, portanto, imune ao controle de constitucionalidade, como se pudesse concentrar em si, todos os poderes inerentes à Soberania. Se assim fosse, o sentido normativo da Constituição seria definido pelo juiz, não possuindo a Constituição contornos e objetivos próprios, mas, sim, aqueles delineados pelos tribunais através de decisões irrecorríveis e imutáveis de seus julgados.

Essa é a inspiração do Estado Democrático de Direito, que por meio da Supremacia da Constituição, visa limitar o exercício do poder estatal, submetendo-o, juntamente com todo o ordenamento jurídico, à Constituição Federal, como meio de garantir a aplicação dos direitos e garantias fundamentais, a segurança dos cidadãos e a correta aplicação da justiça, valores que constituem os alicerces da sociedade.

28 OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex. 1993, p. 22, apud THEODORO JÚNIOR., Humberto. A reforma do processo de execução e o problema da coisa julgada

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2.3 Flexibilização de princípios e garantias constitucionais

Como norma jurídica superior e fundamental de um Estado, a Constituição abriga diversos princípios e garantias que muitas vezes tendem a anular ou diminuir a força normativa de outros. Contudo, isso não os coloca em desarmonia com o restante do corpo normativo, pois a utilização de técnicas de interpretação e integração os liga aos objetivos maiores traçados pelo legislador constituinte.

Portanto, é a Constituição, como fundamento último, que garante a unidade do ordenamento jurídico, não permitindo que antinomias e lacunas retirem do seu corpo normativo suas características de uno, sistêmico e completo.

Sobre os fundamentos da unidade da Constituição, bem leciona Glauco Barreira:

A unidade da Constituição é necessária para que se possa, a partir de seu conteúdo, constituir o ordenamento jurídico e para que ela tenha condições de aplicabilidade. [...]

A dignidade da pessoa humana é o fundamento material da unidade da Constituição. É a fonte ética dos direitos fundamentais, cujos núcleos de existência estão com ela comprometidos. Assim, o valor pessoal do homem impõe um limite deontológico à interpretação constitucional.

[...]

O fundamento formal da unidade da Constituição é o princípio da proporcionalidade, o qual garante uma solução dialética para a colisão entre os direitos fundamentais no caso concreto, assim como impede a arbitrariedade, exigindo uma aproximação entre os meios escolhidos e os fins de um Estado Democrático de Direito, assegurando, como queria Dante, a conservação da sociedade29.

A unidade proposta pelo autor é do tipo axiológico e teleológico, abandonando a posição, atualmente em desuso, da unidade lógico-formal. Desse modo, havendo um conflito entre princípios e garantias constitucionais, o aplicador do direito deverá analisar a natureza dos valores envolvidos e interpretar os princípios e garantias a partir da finalidade social a que se destinam. Assim feito, a literalidade da norma ganhará flexibilidade a fim de que possa ser utilizada para atingir o fim social proposto.

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Essa é a interpretação a que se chega com a leitura do art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil que versa: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Buscando, pois, manter a unidade do ordenamento jurídico, deve-se utilizar da técnica da ponderação de bens e valores, instrumento necessário na delimitação de direitos e garantias assegurados constitucionalmente, evitando-se, assim, que um princípio ou garantia se sobreponha aos demais.

A doutrina tem rejeitado essa predeterminação de sobreposição de bens jurídicos e de valores, em especial o princípio da segurança jurídica, assegurado pela garantia da coisa julgada. Tais valores encontram seus limites em outros igualmente protegidos e alçados à qualidade de constitucionais, como a supremacia da constituição, da moralidade, legalidade e justiça.

Marcelo Lima Guerra aborda o tema da seguinte forma:

Há, todavia, uma exigência de racionalidade imanente a qualquer ordenamento jurídico contemporâneo, inclusive o brasileiro. Tal exigência se refere ao ordenamento jurídico em seu conjunto e também é dirigida, de modo específico, à atividade judicial. De fato, quanto ao ordenamento jurídico, essa exigência de racionalidade se manifesta na busca constante por um ordenamento coerente, isento de contradições, o que veio a culminar na elaboração de uma teoria das antinomias jurídicas, a qual, assumindo o princípio que um ordenamento não deve conter normas contraditórias, elabora uma série de critérios destinados a resolver as contradições eventualmente verificadas entre normas, bem como outros critérios, os quais, em último caso, não sendo possível eliminar a contradição, permitam determinar qual a norma que deve ser expurgada do sistema30.

A segurança jurídica, como valor substrato de norma principiológica, não guarda antinomias com os demais princípios. O conflito entre eles é apenas aparente e a contradição, fruto de uma metodologia errada na sua aplicação.

Sobre o tema da aplicabilidade dos princípios, posiciona-se Glauco Barreira em outra de suas obras:

Os princípios não podem entrar em contradição porque não qualificam juridicamente uma conduta como lícita ou ilícita, mas apenas consagram um valor. A qualificação de uma conduta pelos princípios só acontecerá no caso concreto e como resultado de uma ponderação entre eles. As normas-regras (com hipótese fática de incidência e imputação de efeitos jurídicos), entretanto, qualificam abstratamente uma conduta como lícita ou ilícita. Assim, pode haver contradição entre regras quando uma delas

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