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CAPÍTULO II – A Cooperação

5. A perspectiva portuguesa

5.3. Princípios e objectivos

Em termos de filosofia global, a cooperação para o desenvolvimento assenta no respeito pelos Direitos do Homem e da cooperação para o progresso da humanidade, os mesmos princípios que regem as relações internacionais de Portugal.

Mas, no plano concreto, como escreve Lourenço Santos, é necessário muito “rigor e exigência”:

“As políticas de cooperação e de ajuda publica ao desenvolvimento devem ser matérias

de interesse e de responsabilidade colectivos que impõem, a todas as entidades

envolvidas, numa atitude de total participação e articulação e de muito rigor e

exigência.”

71

Mais do que nunca, é importante que os países mais ricos tenham a responsabilidade de lutar pelo desenvolvimento a nível global, pois cerca de um quarto da população mundial vive abaixo do limiar da pobreza absoluta. Portugal tem assumido esta responsabilidade de solidariedade internacional, defendendo o respeito pelos princípios da parceria e da concertação a vários níveis:



na definição da política



na execução



na avaliação dos seus resultados

Desta forma os princípios gerais subjacentes à política de cooperação portuguesa para o desenvolvimento surgem assim enunciados:



respeito pela universalidade dos direitos do homem;

70 IPAD, “Resumo da Avaliação do CAD à Cooperação Portuguesa”, Lisboa, 2005, in:

http://www.ipad.mne.gov.pt/images/stories/Avaliacao/examecad.pdf, consultada em 20/8/2006

71 Santos, Lourenço; «A Reforma da Politica Portuguesa de Cooperação», Elo-Cooperação e



responsabilidade e solidariedade internacionais;



parceria com os países destinatários e concertação com outros doadores;



sustentabilidade do desenvolvimento e equidade na repartição dos seus beneficios;



coerência com outras política que afectam os países destinatários.

72

Uma vez que a política de cooperação portuguesa se desenvolve “em coerência com outras políticas que afectam o desenvolvimento dos países aos quais se dirige”73.

Membro fundador do Comité de Ajuda ao Desenvolvimento da OCDE, Portugal viria a assumir, em 1996, os objectivos gerais de longo prazo para a cooperação para o desenvolvimento adoptados pelo CAD:

a redução para metade da população mundial que vive em estado de pobreza

extrema (menos de um USD/dia) até 2015;

educação primária generalizada em 2015;

eliminação da descriminação das mulheres na educação primária e secundária

até 2005;

redução da mortalidade infantil (abaixo de 5 anos) em 2/3 e da mortalidade à

nascença em ¾, até 2015;

acesso universal, através do sistema de cuidados primários de saúde, à saúde

genética o mais tardar até 2015;

74

No documento “A Cooperação Portuguesa no Limiar do Século XXI”, ao qual também já fizemos referência, são apontados como

“objectivos específicos de curto

prazo

75:

1. “Reforçar a democracia e o estado de direito.”

Do considerando de que a democracia proporciona às populações a participação na definição das políticas de desenvolvimento, chegava-se à afirmação da necessidade da consolidação das Instituições do Estado de

72

IPAD, “A Cooperação Portuguesa no Limiar do Século XXI” in

http://www.gm-unccd.org/FIELD/Bilaterals/Port/estr.pdf, acedida 14 de Julho de 2004

73 Idem 74 Idem 75 Idem

direito, da defesa dos valores da boa governação e da afirmação da sociedade civil.

2. “Reduzir a pobreza, promovendo as condições económicas e sociais das

populações mais desfavorecidas, bem como, desenvolver as infra-estruturas

necessárias ao nível da educação.”

Assumindo que a verdadeira razão de ser da ajuda pública ao desenvolvimento é a “redução da pobreza das populações mais desfavorecidas, nos países menos desenvolvidos”, eram invocadas as razões históricas que justificam a canalização para os países africanos de expressão portuguesa da maior parte de esforço nacional de ajuda ao desenvolvimento. Apontava-se como prioridade o reforço de infra-estruturas e serviços “nos domínios da educação de base e dos cuidados primários de saúde”.

3. “Estimular o crescimento económico, fortalecendo a iniciativa privada.”

Aqui o pressuposto é de que, em países muito pobres, a promoção das condições económicas e sociais das populações se não pode desligar “do crescimento económico, da criação de riqueza e do investimento produtivo”. Depois de referir os baixos níveis de rendimento e os escassos valores de investimento estrangeiro nos países menos desenvolvidos, surge a afirmação de que a cooperação portuguesa para o desenvolvimento inscreve entre os seus objectivos “a promoção de um ambiente globalmente favorável ao fortalecimento do sector privado nos países menos desenvolvidos”, nomeadamente em relação às condições que favoreçam o “investimento produtivo local e estrangeiro”.

4. “Promover o diálogo e a integração regionais.”

A participação no sistema internacional e a integração da economia mundial são apontadas como dos principais desafios com que os países menos desenvolvidos estão confrontados, “num quadro de pressão competitiva imposta pela liberalização dos mercados”. Assim é destacada a importância da cooperação e integração regionais, quer no plano político: “o diálogo intra-regional, regulador de tensões e de conflitos”, quer no plano económico: “os agrupamentos regionais e sub-regionais criam mercados de

dimensões mais atractivas para os investidores”. Num e noutro, proporcionando aos pequenos países menos desenvolvidos um maior “peso nas relações internacionais” e uma melhor “defesa dos seus interesses específicos”.

5. “Promover uma parceria europeia para o desenvolvimento humano.”

Evidenciadas as limitações da intervenção unilateral dos Estados doadores, decorrente da complexidade dos problemas e da dimensão do esforço exigido, reitera-se a necessidade – já anteriormente expressa no Relatório do Secretário Geral da Nações Unidas de abril de 1988 – de um esforço concertado da comunidade internacional. Uma concertação e coordenação a todos os níveis “de modo a que se crie um quadro comum de actuação aceite e partilhado por todos os agentes de desenvolvimento”, favorecendo o melhor aproveitamento de recursos, evitando duplicações e permitindo aos países destinatários “adoptar e executar, com coerência, estratégias de desenvolvimento próprias, com objectivos precisos e realizáveis”. E o Governo português, assumia o reforço da sua intervenção no quadro da União Europeia no sentido do “compromisso de abolir a pobreza extrema, (...) um imperativo moral que deve determinar as prioridades de um novo milénio”.

Nesse mesmo documento surgem identificados os diversos instrumentos utilizados pela cooperação portuguesa “em função da natureza do projecto e do objectivo”:

A assistência técnica, civil e militar, prestada por funcionários do Estado, por

cooperantes ou mediante a contratação de consultores e especialistas privados;

Donativos em espécie;

Envio de formadores, professores, médicos e pessoal de enfermagem;

Concessão de bolsas de estudo e estágios;

Prestação, em Portugal, de cuidados médicos especializados;

Empréstimo Estado a Estado, doações, perdão e bonificação de juros;

Concessão de subsídios a ONGD, autarquias e outros promotores de projectos

Incentivos, créditos de ajuda e garantias de seguros de crédito ao investimento e

à exportação de bens e serviços portugueses.

76

Uma crítica que figurava nos sucessivos exames do Comité de Apoio ao Desenvolvimento da OCDE à cooperação portuguesa tinha a ver com a fraca participação de Portugal nos instrumentos multilaterais de ajuda ao desenvolvimento. Por isso se entende a opção, então anunciada de optar por

“reforçar a componente multilateral de ajuda ao desenvolvimento, tanto no quadro das

instituições comunitárias, como no âmbito das agências das Nações Unidas”.

77

Em Setembro 2000 foi adoptada, pelos 189 Estados Membros da Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração do Milénio78. Documento que veio dar

um novo, e grande, impulso ao debate e à consciencialização em torno das questões do Desenvolvimento. Aí se identificam os desafios centrais que se colocam neste novo milénio e se definem os Objectivos a serem atingidos nos próximos 25 anos:

1. Erradicar a pobreza extrema e a fome

2. Alcançar a educação primária universal

3. Promover a igualdade do género e capacitar as mulheres

4. Reduzir a mortalidade infantil

5.Melhorar a saúde materna

6. Combater o HIV/SIDA, a malária e outras doenças

7. Assegurar a sustentabilidade ambiental

8. Desenvolver uma parceria global para o desenvolvimento

À Declaração do Milénio sucederam-se várias reuniões internacionais. A mais importante, porque registou avanços mais significativos, foi a Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento, que teve lugar em Monterrey (México) de 18 a 22 de Março de 2002. Ai foi possível estabelecer

76 Idem 77 Idem

78 Nações Unidas, “Declaração do Milénio”, Centro de Informação das Nações Unidas, Lisboa, Agosto de

2001, versão online em http://www.cv.undp.org/Publications/OMD/DecdoMilenario_pt.pdf, consultada em 15 de Maio de 2005

alguns consensos sobre financiamento do desenvolvimento mundial nos países em desenvolvimento.

A União Europeia, que contribui com mais de 50% da ajuda pública ao desenvolvimento à escala mundial, desempenhou um papel importante na busca de resultados palpáveis para esta conferência. No entanto, como refere Teresa de Almeida Cravo, em relação à meta dos 0,7% do PNB em Ajuda Pública ao Desenvolvimento, embora “este compromisso tenha, de facto, sido assumido pelos países europeus, dificilmente estes serão seguidos pelos restantes Estados desenvolvidos”79. As principais reservas foram formuladas pelos Estados Unidos e

o “alcance das propostas acabou, na verdade, por ser mitigado”80.

Seja como for, ficou evidenciada a necessidade de encontrar um novo conceito de cooperação para o desenvolvimento, que deverá assentar numa abordagem holistica, colocando a tónica na inter-relação entre o comércio, o financiamento e o desenvolvimento.

Portugal tem participado em todas estas discussões internacionais. Os compromissos e os objectivos estabelecidos na Assembleia Geral das Nações Unidas e as conclusões de Monterrey foram assumidos pela cooperação Portuguesa.

Para atingir esses objectivos Portugal, necessita, no entanto, de possuir uma estratégia politica concertada, de forma a poder honrar esses compromissos. Procurando respostas a algumas das criticas que tem sido feitas à Cooperação portuguesa, nomeadamente de dispersão, desfragmentação, falta de acompanhamento dos projectos, ausência de avaliação, etc., em Novembro de 2005, o Governo português aprovou um documento (Resolução do Conselho de Ministros n.º 196/2005) intitulado “Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa”. Em nosso entender, pelo menos como base teórica e analítica, um marco muito importante para a evolução da Cooperação portuguesa.

79 CRAVO, Teresa de Almeida; Entre a Centralidade e a Marginalização: a Reforma da ONU para o Séc.

XXI, Universidade de Coimbra, Outubro, 2005, in:

http://www.ipri.pt/publicacoes/working_paper/working_paper.php?idp=18, consultada em18/12/2005.

Refira-se que em relação à falta de acompanhamento e ausência de avaliação (já anteriormente aqui referenciada) das acções de cooperação, esse documento assume claramente que

“O acompanhamento e a avaliação dos projectos, dos programas e das políticas de

cooperação constituem mecanismos indiscutivelmente necessários para a construção de

uma cooperação para o desenvolvimento que seja de qualidade e eficaz”

.81

A Cooperação portuguesa ganharia muito, em termos de eficiência, eficácia e transparência, se conseguisse implementar os princípios defendidos naquela Resolução. Destaque-se que, após três décadas de actividades de cooperação, o documento do Conselho de Ministros abre com esta declaração:

“Portugal precisa de uma política de cooperação.”

.82