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Princípios limitadores do estado na esfera penal e a união estável: o Direito Penal como

3 UNIÃO ESTÁVEL COMO ENTIDADE FAMILIAR E SEUS REFLEXOS NO

4.2 Princípios limitadores do estado na esfera penal e a união estável: o Direito Penal como

4.2.1 Princípio da intervenção mínima e a união estável

O princípio da legalidade por mais que imponha limites ao arbítrio judicial, nada obsta que o Estado, respeitando a reserva legal, legislasse a edição de tipos perversos e que resultassem em penas cruéis e humilhantes. Nesse viés, faz-se preciso limitar, almejando-se suprimir todo o excesso do legislador quanto ao conteúdo das normas penais incriminadoras (BITENCOURT, 2017).

Nesse sentido, o legislador por meio de um critério político, variável e ligado à realidade social do momento, sempre que entender que os outros ramos do Direito são insuficientes para albergar de forma satisfatória os bens mais caros para a sociedade, escolhe posturas, positivas e negativas, que terão a cautela do Direito Penal. Sobre o tema aduz, Damásio de Jesus:

Procurando restringir ou impedir o arbítrio do legislador, no sentido de evitar a definição desnecessária de crimes e a imposição de penas injustas, desumanas ou cruéis, a criação de tipos delituosos deve obedecer à imprescindibilidade, só deve intervir o Estado, por intermédio do Direito Penal, quando os outros ramos do Direito não conseguirem prevenir a conduta ilícita. (JESUS, 2014, p. 52)

Assim, infere-se que o princípio em análise opera como um balizador da ação legislativa, lecionando que o Direito Penal, como última ratio, somente deve intervir se imprescindível para o amparo de bens jurídicos de alta estima, estes os quais dependem dos valores vigentes à época.

Eugênio Pacelli e André Callegari (2017), em uma visão ainda mais ampla sobre a incidência do princípio da intervenção mínima, aduzindo que a sua abrangência sobressai o âmbito legislativo e deve também guiar o próprio operador do Direito em uma missão hermeneuta. Senão vejamos:

Para nós, a intervenção mínima surge como a alternativa efetivamente acolhida pela ordem jurídica nacional para a configuração de seu Direito Penal, e, mais especificamente, no âmbito da hermenêutica penal. Constitui, sim, matéria de observância necessária no âmbito da política criminal, mas, também, instrumental apto e suficiente a exercer controle do excesso incriminador no interior dos tipos penais, ocupando papel relevante no campo da prática do direito, quando nada para diminuir o alcance da respectiva incidência (dos tipos), quando desconectada com o sistema geral de reprovações e de condutas proibidas. Em um Estado de Direito, o máximo que se concede em matéria penal é a intervenção mínima.

E, como desdobramento necessário da proibição do excesso, e diante de uma ausência – óbvia – de sua explicitação em texto positivo, entendemos o minimalismo penal também como pauta de interpretação (grifos dos autores). (PACELLI; CALLEGARI, 2017, p. 87).

Assim, imperioso lançar o seguinte questionamento: faz jus a união estável ser tutelada pelo Direito Penal? A resposta, positiva, deve ser obtida no âmbito constitucional, vez que a própria Constituição de 1988 consagra a proteção à família no art. 226 e amplia a concepção de entidade familiar além daquela fundada no matrimônio, abrangendo, a união estável, bem como a família natural e a família adotiva (VENOSA, 2017).

De fato, o texto constitucional é claro nesse sentido, conforme preconiza o art. 226, in verbis: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” e §3º do mesmo dispositivo: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. Sobre a temática, pontua-se trecho dos autores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2017), o qual revela a importância conferida à entidade familiar, dado o contexto de constitucionalização, que permeia o Direito Civil como um todo:

Hoje, no momento em que se reconhece à família, em nível constitucional, a função social da realização existencial do indivíduo, pode-se compreender o porquê de a admitirmos efetivamente como base de uma sociedade que, ao menos em tese, se propõe a constituir um Estado Democrático de Direito calcado no princípio da pessoa humana.

Observamos, então, que, em virtude do processo de constitucionalização por que passou o Direito Civil nos últimos anos, o papel a ser desempenhado pela família ficou mais nítido, podendo-se, inclusive, concluir pela ocorrência de uma inafastável repersonalização. Vale dizer, não mais a (hipócrita) tentativa de estabilização matrimonial a todo custo, mas sim a própria pessoa humana, em sua dimensão existencial e familiar, passaria a ser especial destinatária das normas de Direito de Família.

A família deve existir em função de seus membros, e não o contrário. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 67).

Observa-se, desta maneira, que a orientação vigente, conduzida pela funcionalização social da família, cuida da entidade familiar não como o fim em si mesmo, mas

que se justifica “enquanto ambiência para a realização do projeto de vida e de felicidade de seus membros, respeitando-se, com isso, a dimensão existencial de cada um” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017, p. 103).

Logo, compatível com o desvalor da conduta que o crime cometido no próprio seio familiar seja combatido com maior veemência, com penas mais rígidas, vez que ação desnaturou a própria função essencial da família, a qual deve ser guiada pelo princípio do afeto, solidariedade, bem como, com a incumbência de proporcionar a potencialidade máxima do ser humano a qual dela integra.

Sob essa ótica, da mesma maneira que os crimes cometidos por um dos cônjuges contra o outro são repudiados, situação esta que muitas vezes integra a própria circunstância do tipo ou o qualifica e, quando não, deve ter a pena exasperada por força da agravante genérica contida no art. 61, II, “d” do Código Penal, não há razão para o companheiro ser excluído dessa proteção.

Ora, se a tutela do cônjuge, pelo Direito Penal, é uma realidade antiga, não haveria motivos para ficar desamparado o companheiro, enquanto ambos entendidos constitucionalmente como entidade familiar. Até porque também “predomina entre os autores a opinião de que inexiste hierarquia entre as uniões formadas pelo casamento, união estável e a família monoparental” (NADER, 2016, p. 25). Excluir a proteção do companheiro onde há a do cônjuge, quando compatível tal medida, seria aceitar a hierarquização entre o casamento e a união estável, o que não pode ser aceito e ir ao encontro da disposição constitucional a qual é nítida em demandar proteção estatal à união estável.

Com efeito, extrai-se, ainda, da recente decisão de repercussão geral do Supremo Tribunal Federal (STF - RG RE: 878694 MG - MINAS GERAIS 1037481-72.2009.8.13.0439, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 16/04/2015, Data de Publicação: DJe-092 19-05-2015), o qual foi dado provimento ao recurso para reconhecer de forma incidental a inconstitucionalidade do art. 1.790 do CC/2002, o qual previa distinções para efeitos sucessórios entre casados e conviventes, sendo, desta forma, julgado defeso qualquer diferenciação que prejudique a família formada pela união estável em oposição àquela por laços matrimoniais.

Tem-se, pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal, que a proteção conferida à união estável deve ser traduzida, inclusive, na impossibilidade qualquer diferenciação de direitos entre esta e o casamento. Assim, vetada inclusive a diferenciação entre os dois institutos de direitos que repercutam na esfera patrimonial, torna-se extremamente imprescindível incluir

o companheiro no âmbito penal, pois tal ato traduz a própria realização constituição, em seu objetivo direto de conferir proteção ao instituto.

4.2.2 Princípio da legalidade e a união estável

De forma sintética, aduz-se que, por força do princípio da legalidade, a criação de normas incriminadoras é, de forma exclusiva, derivada da lei, o que significa que nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma sanção pode ser aplicada em decorrência desse mesmo fato, salvo preexistente lei que assim o enquadre, bem como tenha estipulado a pena correspondente. A lei deve definir com precisão e de forma nítida a conduta vetada. De forma a seguir a orientação moderna, a Carta Máxima brasileira de 1988, ao preservar os direitos e garantias fundamentais, proclama em seu art. 5º, inc. XXXIX: “não haverá crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (BITENCOURT, 2017).

Sobre o mesmo princípio, Rogério Greco (2013), aponta quatro funções, as quais: proibir a retroatividade da lei penal (nullum crimen nulla poena sine lege praevia), proibir a criação de crimes e penas pelos costumes (nullum crimen nulla poena sine lege scripta), proibir o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas (nullum crimen nulla poena sine lege stricta) e proibir incriminações vagas e indeterminadas (nullum crimen nulla poena sine lege certa).

Desta forma, por mais que a Constituição tenha reconhecido à união estável o status de entidade familiar, aderindo-lhe proteção, em igualdade com aquela célula familiar constituída pelo casamento, não pode o companheiro ser entendido como marido para colocar- lhe em situação prejudicial sem que a lei o faça, por incorrer em analogia in malam partem, o que acabaria por agredir um dos princípios basilares do Direito Penal. Expõe, ainda, o autor:

O princípio da legalidade veda, também, o recurso à analogia in malam partem para criar hipóteses que, de alguma forma, venham a prejudicar o agente, seja criando crimes seja incluindo novas causas de aumento de pena, de circunstâncias agravantes etc. Se o fato não foi previsto expressamente pelo legislador, não pode o intérprete socorrer-se da analogia a fim de tentar abranger fatos similares aos legislados em prejuízo do agente (nullum crimen nulla poena sine lege stricta). (GRECO, 2013, p. 96).

Logo, inconcebível para a realidade penal entender o conceito de cônjuge como companheiro para prejudicar o réu, sendo imprescindível o trabalho do legislador, nestes casos,

como o fez, por exemplo, nos art. art. 148, § 1º, inciso I, art. 226, inciso “II”, ambos do Código Penal.