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Reflexos da união estável para além do companheiro: parentesco afim

3 UNIÃO ESTÁVEL COMO ENTIDADE FAMILIAR E SEUS REFLEXOS NO

4.6 Reflexos da união estável para além do companheiro: parentesco afim

O parentesco afim é normalmente considerado, pelo legislador ou pela administração da justiça, no âmbito cível, eleitoral, administrativo e processual, como forma de coibir a aquisição de direitos e outras formas de obtenção de vantagens, diante da aproximação afetiva que acaba por ocorrer entre os parentes afins e suas respectivas famílias (LÔBO, 2015). Na esfera penal, essas relações devem ser traduzidas, entretanto, essencialmente, na forma de proteção do novo vínculo familiar, na tentativa de evitar crimes entre os seus novos membros.

Neste sentido, tem a união estável influência direta, pois conforme visto, quando constituída, tem o condão de estabelecer novos vínculos de parentesco para os companheiros, os chamados parentes afins, com fulcro no art. 1.595, caput, do Código Civil de 2002. Inovação esta advinda da atual codificação (TARTUCE; SIMÃO, 2012). Ademais, tem-se que tanto as qualificações quanto as denominações dos parentes afins na união estável são idênticas às dos parentes afins do casamento, sendo-os, igualmente, sogro e sogra, genro e nora, padrasto e madrasta, enteado e enteada, cunhado e cunhada (LÔBO, 2015). Desta forma, tem-se que o companheiro passa a ser padrasto do filho preexistente da companheira, por exemplo.

Nesta esteira, foi explicitado pelo Min. Nefi Cordeiro, relator de AgRg no Recurso Especial (STJ - AgRg no REsp: 996386 RS 2007/0242018-4, Relator: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 24/02/2015, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/03/2015), cite-se parte do voto do Ministro relator:

Tem-se por padrasto o homem em relação aos filhos anteriores da mulher com quem constitui sociedade conjugal, que pode advir tanto do vínculo do casamento quanto da união estável. Não se trata de interpretação extensiva in malan partem do tipo penal incriminador, como preconiza o acórdão, mas deflui de seu próprio elemento descritivo.

Assim, se o agente vive em união estável com mãe da vítima, pode enquadrar-se como sujeito ativo nas hipóteses dos art. 226, inciso II, art. 228, § 1º ou art. 230, § 1º, todos do Código Penal. Desta forma, nesses casos, impõe-se ao julgador entender comprovado tanto o estado de filiação da vítima, in casu, sendo a vítima filha do pretenso companheiro do agressor, e a existência, de fato, desta união estável.

Ainda no tocante, observa-se que o Código Penal raramente faz distinção entre o parentesco natural ou civil, situação esta também presente nos referidos artigos, apenas mencionando “ascendentes”, sem nenhuma adjetivação. Logo, poder-se-ia dizer, dos dispositivos legais mencionados, dispensável até mesmo o termo padrasto para que a situação se configure, porquanto este também é ascendente da vítima.

Situação essa que importa quando se avalia outros casos, pois nem sempre terá descrita a figura do padrasto ou outras denominações específicas de parentes afins como sujeitos ativos ou passivos do crime. Nesse diapasão, cite-se as circunstâncias agravantes genéricas, em especial a que se refere às relações familiares, art. 61, inciso II, “e”, do Código Penal, in verbis: “Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime: e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge”. Vejamos o que expõe, sobre a referida agravante, Guilherme Nucci:

Dispõe o art. 61, II, e, do Código Penal ser agravante o crime cometido contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge.

Aumenta-se a punição no caso de crime cometido contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuges, tendo vista a maior insensibilidade moral do agente, que viola o dever de apoio mútuo existente entre parentes e pessoas ligadas pelo matrimônio, nesse caso, trata-se do parentesco natural e civil. […]

Não se aceita, também, pelo princípio da legalidade estrita que vige no direito penal, qualquer inclusão de concubinos ou companheiros. É preciso evitar o bis in idem, quando a circunstância já tiver sido considerada como qualificadora ou causa de aumento. (NUCCI, 2017, p. 788/9).

Assim, feitas essas considerações, algumas conclusões devem ser postas. A primeira e já explicitada, é a imprescindibilidade da disposição expressa da figura do companheiro em qualquer situação que este fator vise agravar a situação do réu.

A segunda é que união estável gera vínculo de parentesco, tornando parentes afins de um companheiro os ascendentes, os descendentes e os irmãos do outro (art. 1.595, §1º do Código Civil). Parentesco este criado por lei, assim como acontece com o matrimônio, gerando inclusive idêntica identidade nominal entre os parentes afins nas duas formas de entidade familiar, formadas a partir do casamento e da união estável.

Assim, uma vez definida a relação de parentesco afim derivada da união estável pela codificação civil, pode-se dizer que, de forma automática, aquelas normas penais que versavam sobre os parentes afins, advindos do casamento, foram estendidas aos parentes afins estabelecidos pela união estável, por não haver distinção entre estes e aqueles.

Essa situação pode gerar outras peculiaridades. Pois, seguindo essa lógica, os companheiros não são protegidos pelo art. 61, II, “e”, do Código Penal, mas seus parentes sim,

alínea que cuida justamente das relações familiares. E, além, por força do disposto no art. 1.595, §2º do Código Civil, o vínculo de parentesco afim, em linha reta, não se extingue com a dissolução da união estável. Desta forma, considerando-se, por exemplo, um crime de sequestro e cárcere privado contra ex-companheira, situação esta que não seria qualificada pelo inciso “I” do §1º, do art. 148 do Código Penal, pois não há disposição expressa neste sentido, mas poderia incidir quando praticado contra a enteada, mesmo quando esta fosse filha de sua ex- companheira. Ou seja, há grande incoerência no sistema, podendo gerar grande sensação de injustiça.