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Princípios Norteadores das Atividades de Pesquisas com Seres Humanos

GENETICAMENTE MODIFICADOS

5.1. Princípios Norteadores das Atividades de Pesquisas com Seres Humanos

As conquistas da Genética e da Biotecnologia, primordialmente nas duas últimas décadas, assim como o aumento das possibilidades interventivas no meio ambiente e na vida humana, trouxeram para a humanidade um fato novo: o desenvolvimento de atividades sobre as quais existe um grau relevante de incertezas e a cerca das quais não se sabe muito sobre as suas consequências. Diante disso, os órgãos internacionais e estudiosos do mundo inteiro passaram a refletir e a orientar a conduta legislativa e do próprio homem no sentido de observar dois “recentes” princípios: o principio da precaução e o princípio da responsabilidade.

O princípio da precaução desenvolveu-se na Alemanha146, nos finais da década de sessenta, e se consagrou como um dos princípios basilares da política do meio ambiente. Com efeito, ele possibilita uma visão ampla da prevenção diante das ameaças ao meio ambiente, conjuga critérios de ações preventivas, de identificação prévia dos riscos e fomenta a proteção ambiental independentemente do grau de certezas científicas. Foi, ainda, incorporado e reconhecido juridicamente por diversos textos internacionais, como, por exemplo, a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992), a Convenção de Biodiversidade (1992), o Protocolo sobre Biosseguridade de Montreal (2000), entre outros147.

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Afirmamos que o princípio da precaução se desenvolveu na Alemanha, porque concordamos com o professor Oliveira Ascensão, quando ele aduz que o mesmo se constitui em uma “manifestação da virtude ou princípio clássico da prudentia, (...), que ressurge perante o avolumar dos riscos da própria existência individual e social. Cf. ASCENSÃO, José de Oliveira. Intervenções no genoma (...), p. 26

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MORA, Asier Urruela. Los Princípios de Responsabilidad y de Precaución como Ejes de la

Intervención Jurídica en el Campo de la Genética y de las Biotecnologías. Lex Medicinae

Apesar de sua larga aceitação internacional na esfera do meio ambiente, os autores colocam, atualmente, duas problemáticas para a aplicação do princípio da precaução, que dizem respeito ao seu conteúdo e a sua juridicidade. Quanto ao primeiro, não há consenso geral na comunidade científica acerca da sua extensão e são elencados três grandes vias interpretativas do princípio: i) uma corrente mais radical defende a política do risco zero, ou prega a abstenção ou moratória para todas as atividades que não garantiam sua inocuidade, e é refutada sob o argumento de que, a sociedade atual se caracteriza pela existência de um certo nível de riscos, indispensável para a manutenção do nosso padrão de vida e para possibilitar o desenvolvimento tecnológico; ii) outra corrente, denominada conservadora ou minimalista, defende a restrição de sua aplicação aos casos de riscos prováveis e de consequências graves, ou mesmo irreversíveis, negando a inversão do ônus da prova e aceitando a assunção de riscos dentro de certo limites; e iii) uma terceira corrente, intermediária, que sustenta a aplicação do referido princípio, baseado em uma hipótese científica de um certo peso, apoiada por um setor significativo da comunidade científica, ou ao menos sobre a base de uma argumentação solvente em termos metodológicos. Nega, porém, a inversão do ónus da prova e sugere dividir o mesmo, segundo os critérios de oportunidade, entre quem propõe a inovação e quem se opõe a mesma. Defende, outrossim, a inexistência de certificação da inocuidade da atividade (risco zero), a verificação da vulnerabilidade intrínseca do meio ambiente e da necessidade de uma proteção ex ante e a combinação de medidas abstencionistas (moratórias) e positivas (incremento da investigação, maior vigilância, etc)148.

Já a questão da jurisdicidade levanta discussões sobre a natureza real do princípio da precaução, ou seja, ele é um princípio com eficácia normativa passível de demanda jurisdicional, ou apenas um critério diretivo para decisões

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legislativas no campo do meio ambiente, genético e biotecnológico? Aqui, mais uma vez, não há consenso entre a comunidade científica entre si e com os particulares, embora o seu progressivo reconhecimento na legislação positiva de muitos países e a nível de direito internacional. Há, contudo, dois textos de referência que indicam as condições de aplicação do mesmo: o Informe dos Professores Philippe Kourilsky e Geneviève Viney e a Comunicação da Comissão Européia sobre o princípio da precaução (Fevereiro de 2000)149.

O que resulta aceito pela maioria, por fim, é que a aplicação do princípio da precaução é sempre pertinente diante da incerteza sobre o risco, ou das perspectivas de danos graves ou irreversíveis. Diante dessas premissas fundamentais, portanto, os critérios tradicionais de decisões se apresentam insuficientes ante a grandiosidade das consequências.

O princípio da responsabilidade150, por sua vez, decorre do desenvolvimento, por Hans Jonas, da ética da responsabilidade aplicada às tecnologias. Consiste, pois, em uma reflexão de ordem ética sobre se desejamos enfrentar com confiança os novos desafios, problemas e riscos do terceiro milénio. Tem como idéia nuclear o fato de que somente o homem tem responsabilidade, uma vez que apenas ele pode escolher conscientemente entre diversas alternativas de ação e arcar com as respectivas consequências. Por conseguinte, a responsabilidade tem origem na liberdade intrínseca ao homem. Para Hans Jonas o desenvolvimento tecnológico impôs à humanidade novos deveres: o de existir e o de preservar a existência das gerações

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Idem, ibidem. p. 21/22.

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Segundo o Dicionário Temático de Larousse – Filosofia, “ser responsável por um ato é reconhecer ser dele o autor e aceitar as suas consequências, quer dizer, as sanções”. E estabelece, mais adiante, as três condições de responsabilidade: “ a existência de uma lei (social ou moral), a posse da razão (os dementes são irresponsáveis) e a liberdade (não se é responsável por um ato cometido sob constrangimento)”. JULIA, Didier. Dicionário (...), p. 228.

vindouras151. Diante disso, a geração atual não é “proprietária” da humanidade, mas tem um dever, ético e jurídico, de justiça para com ela e, independente do fundamento, há consenso de que somos responsáveis pelo mundo que queremos para quem nos suceda.

Para além desses dois princípios, de certa forma, mais recentes, há que se destacar, com relação ao tema ora versado, o princípio da dignidade humana.

Embora já tenhamos dedicado um item ao princípio da dignidade humana no capítulo antecedente, ressaltamos aqui o fato da maioria absoluta dos textos normativos internacionais, bem como das Constituições dos diversos países democráticos, adotarem, como princípio nuclear das atividades humanas na área da ciência e da tecnologia, o respeito à dignidade humana, que nasce com o ser humano – todos os seres humanos indistintamente – e independe do reconhecimento das autoridades ou de outros indivíduos. Nesse contexto, os artigos primeiro e segundo, da Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, acolhem o conceito de dignidade como ponto de partida de seus enunciados, o primeiro, em relação à humanidade como tal e, o segundo, em relação aos indivíduos.

Consoante o artigo 1, “o genoma humano constitui a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana, bem como de sua inerente dignidade e diversidade”, o que significa que, do ponto de vista científico, existe uma unidade muito sólida entre todos os membros do gênero humano. Nesta perspectiva, pode-se admitir que, biologicamente, há algo comum às diversidades dessas gerações: a herança genética, transmissível

151

Cf. ADORNO, Roberto. In A dignidade humana (...), p. 43 e segs.; MORA, Asier Urruela. Los

aos descendentes. Os genes humanos são, portanto, comuns às gerações passadas, presentes e futuras

O artigo 2, doutra banda, expressa que a dignidade das pessoas é independente de suas características genéticas, confirmando o princípio da igualdade. Assim, todo e cada indivíduo, ainda que seja possuidor de uma informação genética que o identifica como ser único e irrepetível, é muito mais que o seu genoma.

A mencionada Declaração, ainda, reforça o princípio da dignidade humana quando veda as técnicas de clonagem com fins de reprodução humana (art. 11)152, o que, mais uma vez, reforça a relevância desse princípio.

5.2. A Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos