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3. O EXERCÍCIO DO DIREITO DE VOTO PELOS CIDADÃOS DEFICIENTES VISUAIS

3.2 PRINCÍPIOS ORIENTADORES DA CONVENÇÃO INTERNACIONAL SOBRE OS

Os princípios orientadores da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência estão previstos no seu artigo 3º196, sendo eles: a) O respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas; b) A não-discriminação; c) A plena e efetiva participação e inclusão na sociedade; d) O respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade; e) A igualdade de oportunidades; f) A acessibilidade; g) A igualdade entre o homem e a mulher; h) O respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência no sentido de preservar sua identidade.

Ao se interpretar conjuntamente as considerações veiculadas no preâmbulo da convenção internacional e o propósito orientador consistente em “promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promover o respeito pela sua dignidade inerente”, depreende-se que a convenção tem por propósito conferir efetividade à isonomia e à dignidade em prol das pessoas com deficiência.

Contudo, a influência desempenhada pela dignidade e isonomia vai além. Analisando os oito princípios veiculados pelo artigo 3º constata-se que sete deles remetem a facetas específicas ou da dignidade da pessoa humana ou ao direito fundamental da igualdade, ao passo que a acessibilidade (alínea f) mantém estreitas relações com ambos. Neste trabalho, foi reservado tópico exclusivo para analisar o princípio da acessibilidade, optando-se por dividir os demais princípios em dois grupos: a) princípios diretamente relacionados com a dignidade da pessoa humana; b) princípios diretamente relacionados com a isonomia e suas três dimensões.

Conforme já visto no 1º capítulo, a dignidade humana configura-se como alicerce de todos os direitos fundamentais, de forma que estes últimos expressam, de diferentes formas, as manifestações daquela.

Não obstante a íntima relação mantida entre a dignidade humana e os direitos fundamentais, dentre os quais a isonomia, cientes dos elementos integrantes do conceito de

196PIOVESAN, Flávia - Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 13.ª ed. São Paulo:

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dignidade humana – valor intrínseco da pessoa humana; autonomia; valor comunitário – constata-se que dentre os oito princípios elencados pela convenção internacional em discussão, apenas um deles, qual seja aquele constante da alínea a, mantém relação exclusiva com a dignidade.

Ao expor que “o respeito pela dignidade inerente, a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a independência das pessoas” a alínea a do artigo 3º veicula ao mesmo tempo dois elementos integrantes do conceito de dignidade humana, quais sejam a sua caracterização enquanto valor intrínseco à pessoa e sua autonomia.

Vimos no primeiro capítulo que após um longo processo de construção a dignidade passou a ser acolhida como inerente a todos os seres humanos, independentemente de quaisquer diferenciações, seja de sexo, cor, credo, orientação religiosa, etc. O respeito e proteção exigidos decorrentes da dignidade exigiam, apenas, a condição de ser humano para serem aplicados. Diante destas premissas, não se pode negar que as pessoas com deficiência estão acolhidas pelo manto da dignidade humana.

Da mesma forma, as pessoas com deficiência possuem liberdade para realizarem escolhas concernentes às suas vidas. São escolhas das mais simples às mais difíceis devem ser efetivadas pela própria pessoa, não se podendo tolher esse direito, tão somente em função da presença de uma limitação de ordem física, mental ou de outra natureza197.

Remoção, redução e/ou modificação de obstáculos arquitetônicos; adequação de meios de transportes e de comunicação social; educação inclusiva e adequada às mais diversas espécies de deficiências; são apenas algumas das medidas que podem ser implementadas com o objetivo de garantir uma maior autonomia às pessoas com deficiências.

Dito de outra forma, tendo por base a discussão travada quando da análise do conceito de pessoa com deficiência, devem ser superados os entraves e barreiras impeditivos da efetiva inclusão social, campo amplo no qual pode-se incluir a liberdade à pessoa para efetivar escolhas em sua vida.

197Nisso consiste a autonomia conceituada por Daniel Sarmento como “a faculdade do individuo de fazer e

implementar escolhas concernentes à sua propria vida. Ela expressa a autodeterminação individual e resulta do reconhecimento do ser humano como agente moral, capaz de decidir o que é bom ou ruim para si, e com o direito de seguir a sua decisão, desde que ela não viole os direitos alheios”. SARMENTO, Daniel – Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2.ª ed. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 140.

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Igual orientação está contida no preâmbulo198 da convenção e refirmada nos artigos 16, 25 e 26, realçando que a garantia de autonomia e liberdade aliada à superação das barreiras e entraves são capazes de proporcionar às pessoas com deficiência, além do efetivo exercício dos seus direitos, uma maior participação na sociedade, manifestando-se nos assuntos que lhes dizem respeito e, consequentemente, fortalecendo o seu sentimento de pertencimento àquela comunidade199.

Os demais princípios constantes do artigo 3º possuem estreita relação com o direito fundamental de igualdade, este último, conforme visto no segundo capítulo deste trabalho, dotada na atualidade de três dimensões – formal, material e uma terceira voltada ao respeito e reconhecimento das diferenças.

Pela igualdade formal, todos deveriam receber o mesmo tratamento, de forma que, por intermédio da lei, estariam vedadas diferenciações e discriminações, devendo todos serem tratados da mesma forma.

Posteriormente, tal como visto no capítulo segundo deste trabalho, como forma de reação ao quadro fático marcado por profundas desigualdades de concentração de rendas e oportunidade de vida e empreendimentos e sendo a igualdade analisada de forma relacional, adicionou-se à ótica formal uma dimensão material mais próxima dos ideais da dignidade humana. Propunha-se, em síntese, que a isonomia não poderia ser obtida por meio de uma análise puramente abstrata dos homens, pois a realidade fática demonstrava que uma expressiva parcela social não dispunha das mesmas condições de vida.

Após, adicionou-se ao direito fundamental uma outra camada voltada para o respeito e valorização das diferenças dos diversos grupos vulneráveis, exigindo uma transformação cultural e simbólica. A ideia era fazer com que a sociedade se tornasse mais tolerante às diferenças, aceitando, respeitando e estimulando-as.

Logo, rememorada esta discussão já travada em momento anterior, resta límpida a estreita aproximação dos princípios constantes das alíneas b, c, d, e, h, g para com as três dimensões do direito fundamental à igualdade.

198Nestes termos são as lições obtidas nas alíneas m, n, o do preâmbulo. PIOVESAN, Flávia - Direitos humanos

e o direito constitucional internacional. 13.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 594.

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Ao estabelecer como princípios a não discriminação (alínea b), a plena e efetiva participação social (alínea c), a igualdade de oportunidades (alínea e) e igualdade entre o homem e a mulher (alínea g) a convenção internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência mescla as dimensões formal e material da isonomia. A inclusão social e garantia de oportunidades em condições de equivalência às pessoas com deficiência, ainda mais quando do sexo feminino - este último historicamente alijado de oportunidades e tratamento equivalente aos dos indivíduos do sexo masculino - exigem tratamentos diferenciados, ou seja, discriminações positivas e/ou ações afirmativas como bem visto no capítulo segundo deste trabalho.

Já as alíneas d e h, respectivamente, ao estabelecerem como princípios “o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e da humanidade” e “o respeito pelo desenvolvimento das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência de preservar sua identidade” conferem aplicação à terceira dimensão da isonomia, exigindo da sociedade respeito, tolerância e aceitação para com as pessoas com deficiência.

O artigo 8º também reforça essa dimensão da isonomia e ao exigir dos Estados partes a adoção de medidas, frisa-se utilizando os próprios termos veiculados no ato, imediatas, efetivas e apropriadas, cuja finalidade é a conscientização da sociedade quanto às condições vivenciadas e enfrentadas pelas pessoas com deficiência, conferindo atenção ao respeito àquelas, bem como, combatendo estereótipos e demais práticas discriminatórias de cunho negativo.