• Nenhum resultado encontrado

SEÇÃO 2: ELEMENTOS FUNDANTES DO DESLOCAMENTO

3.1 Princípios orientadores relativos aos Deslocados Internos

O ano de 2018 marca o 20º aniversário da adoção dos princípios orientadores das Nações Unidas sobre deslocamento interno. Há vinte anos, os Estados envolvidos com questões de conflitos armados, de violência, de desastres e de violações a direitos humanos deslocavam as pessoas dentro de seu próprio território e, em alguns casos, forneciam às vítimas proteção e assistência. Desde então, o deslocamento interno tem sido reconhecido como uma questão de preocupação global, e as dificuldades, necessidades e vulnerabilidades das pessoas deslocadas internamente têm sido sistematicamente documentadas e relatadas.241

Nesse momento, é importante trazer à baila, um pouco da origem dos Princípios Orientadores relativos aos deslocados internos. Eles são fruto de um esforço para se desenvolver um quadro normativo abrangente de proteção e assistência a pessoas internamente deslocadas, que resultou na elaboração de um conjunto de princípios que foram finalizados em uma consulta de especialistas em janeiro de 1998 e submetidos à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas no final desse mesmo ano com o título de Princípios Orientadores sobre o Deslocamento Interno.

Como já mencionado ao longo deste trabalho, os trinta princípios, organizados em cinco seções, visam a abordar as necessidades específicas das pessoas internamente deslocadas em todo o mundo. Após uma seção de princípios gerais, as seções se dividem em princípios relativos 1) à proteção contra deslocamento arbitrário; 2) à proteção e assistência durante o deslocamento; 3) à assistência humanitária e 4) ao retorno ou reassentamento e reintegração.

No contexto da legislação internacional, a ideia por trás dos princípios orientadores não é a inovação total e absoluta no campo. Os princípios procuram esclarecer, isso sim, certas áreas cinzentas, reafirmar princípios gerais de proteção aos direitos humanos, porém se utilizando de detalhes mais específicos e com vistas a abordar lacunas nos casos em que não existem normas explícitas para atender às necessidades dos deslocados internos. O resultado é uma ampla e progressiva reafirmação do direito internacional que detalha com mais precisão,

241 Cf. IDMC. Disponível em: http://www.internal-displacement.org/assets/publications/2018/20180508-IDMC-quarterly-update-2018-QU1.pdf. Acesso em mai.2018.

e de forma consolidada e, portanto, mais acessível e legível, as disposições pertinentes aos direitos humanos e ao direito humanitário aplicáveis aos deslocados internos.242

Assim, entende-se que há duas configurações em que a lei internacional pode falhar em fornecer proteção suficiente aos deslocados internos. A primeira diz respeito a situações em que, mesmo existindo uma norma geral, não se articulou um direito mais específico que assegure a implementação da norma geral em áreas de particular necessidade para os deslocados internos. Além das situações em que existe uma norma geral, a segunda configuração diz respeito aos casos em que não existem sequer normas gerais para atender às necessidades dos deslocados internos.

a) Áreas cinzentas

Esta subseção iniciará tratando da primeira hipótese retro mencionada, a que se nomeará áreas cinzentas.243

Sabe-se que, embora seja possível inferir direitos legais específicos a partir de normas gerais existentes, a proteção dos deslocados internos é necessariamente fortalecida pela descrição dessas garantias específicas no contexto do deslocamento interno. Nessa linha, a compilação ofertado pelo Princípios Orientadores vem a reafirmar normas gerais existentes em relação à discriminação, à proteção à vida, à violência específica de gênero, à detenção, ao uso de escudos humanos, ao recrutamento forçado, às necessidades de subsistência, ao uso da própria língua, à religião, ao trabalho, à educação, ao direito de associação, à participação política e à necessidade de acesso à assistência internacional.

Ilustrativamente, pode-se tratar das questões envolvendo o deslocamento interno frente à violência específica de gênero. Em princípio, o direito internacional oferece proteção adequada contra atos de gênero específicos. No entanto, embora existam dispositivos proibindo a violência específica de gênero, sua aplicação real, especialmente em relação às pessoas deslocados internamente, é em alguns casos bastante vaga.

Em situações de conflito armado não internacional, por exemplo, o Artigo 3 Comum às Quatro Convenções de Genebra proíbe "sem nenhuma distinção de carácter desfavorável baseada ... sexo"244 em sua garantia de tratamento humano em todas as circunstâncias de

242 BAGSHAW, Simon. Developing a Normative Framework for the Protection of Internally Displaced Persons, New York, Transnational Publishers, 2005.

243 BAGSHAW, Simon. Developing a Normative Framework for the Protection of Internally Displaced Persons, New York, Transnational Publishers, 2005.

244 1) As pessoas que não tomem parte directamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto as armas e as pessoas que tenham sido postas fora de combate por doença, ferimentos, detenção, ou por qualquer outra causa, serão, em todas as circunstâncias, tratadas com humanidade, sem

conflito armado não internacional. Da mesma forma, o Artigo 2 (1) do Protocolo Adicional II das Convenções de Genebra de 1949 contém a mesma disposição em relação à aplicação do Protocolo.245

Pode-se argumentar que tais disposições abrangem toda a violência específica de gênero porque o núcleo de tal conduta é a distinção sexual. Ademais, embora o Artigo Comum 3 não cite explicitamente quaisquer atos específicos de violência de gênero, pode-se inferir que suas proibições gerais, dispostas no Artigo 3 (1) (a) e 3 (1) (c) – “ofensas à dignidade das pessoas, especialmente os tratamentos humilhantes e degradantes” e a “ofensas contra a vida e a integridade física, especialmente o homicídio sob todas as formas, mutilações, tratamentos cruéis, torturas” –, abrangem certas formas de violência específica de gênero, incluindo o estupro. Isso é especialmente verdade, dado que o Artigo 4 (2) (e) do Protocolo Adicional II246 proíbe explicitamente ultrajes “à dignidade da pessoa” incluindo “violação (estupro), prostituição forçada e todo atentado ao pudor”.

nenhuma distinção de carácter desfavorável baseada na raça, cor, religião ou crença, sexo, nascimento ou fortuna, ou qualquer outro critério análogo.

“No caso de conflito armado que não apresente um carácter internacional e que ocorra no território de uma das Altas Partes contratantes, cada uma das Partes no conflito será obrigada aplicar, pelo menos, as seguintes disposições:

1) As pessoas que não tomem parte directamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto as armas e as pessoas que tenham sido postas fora de combate por doença, ferimentos, detenção, ou por qualquer outra causa, serão, em todas as circunstâncias, tratadas com humanidade, sem nenhuma distinção de carácter desfavorável baseada na raça, cor, religião ou crença, sexo, nascimento ou fortuna, ou qualquer outro critério análogo.

Para este efeito, são e manter-se-ão proibidas, em qualquer ocasião e lugar, relativamente às pessoas acima mencionadas:

a) As ofensas contra a vida e a integridade física, especialmente o homicídio sob todas as formas, mutilações, tratamentos cruéis, torturas e suplícios;

b) A tomada de reféns;

c) As ofensas à dignidade das pessoas, especialmente os tratamentos humilhantes e degradantes;

d) As condenações proferidas e as execuções efectuadas sem prévio julgamento, realizado por um tribunal regularmente constituído, que ofereça todas as garantias judiciais reconhecidas como indispensáveis pelos

povos civilizados (sem grifos no original). Disponível em:

https://www.icrc.org/por/resources/documents/treaty/treaty-gc-0-art3-5tdlrm.htm. Acesso em mai.2018.

245Artigo 2.º

Âmbito de aplicação pessoal

1 - O presente Protocolo aplica-se sem qualquer discriminação baseada na raça, cor, sexo, língua, religião ou crença, opiniões políticas ou outras, origem nacional ou social, fortuna, nascimento ou outra situação ou quaisquer outros critérios análogos (daqui em diante designados por «discriminação») a qualquer pessoa afetada por um conflito armado, nos termos do artigo 1.·

2 - No final do conflito armado, todas as pessoas que tiverem sido objeto de uma privação ou restrição de liberdade por motivos relacionados com esse conflito, assim como as que forem objeto de tais medidas depois do conflito pelos mesmos motivos, beneficiarão das disposições dos artigos 5.· e 6.·, até ao final dessa privação ou restrição de liberdade (sem grifos no original). Decreto n. 849, de 25 de junho de 1993.

246 Artigo 4.º

Garantias fundamentais

1 - Todas as pessoas que não participem diretamente ou já não participem nas hostilidades, quer estejam ou não privadas da liberdade, têm direito ao respeito da sua pessoa, honra, convicções e práticas religiosas. Serão, em todas as circunstâncias, tratadas com humanidade, sem qualquer discriminação. É proibido ordenar que não haja sobreviventes.

Com o escopo de trazer normas específicas para o caso dos deslocados internos, o Princípio 11 (2) procura esclarecer a proteção dos DIs, nomeadamente, contra diversas ofensas:

Princípio 11

1.Todo o ser humano tem o direito à dignidade e integridade física, mental e moral. 2.Os deslocados internos, com ou sem liberdade restringida, têm o direito de ser

protegidos, em particular de:

a)Estupro, mutilação, tortura, crueldade, castigo ou tratamento desumano e degradante, e outras ofensas contra a sua dignidade pessoal, tais como actos de violência específica do género, prostituição forçada e qualquer forma de ameaça indecorosa;

b)Escravatura ou qualquer forma de escravatura contemporânea, tais como venda para casamento, exploração sexual, trabalho forçado infantil;

c)Sctos de violência com intenção de espalhar o terror dentre os deslocados internos. Deve-se proibir as ameaças e incitamentos para o cometimento dos supracitados actos.247

Ainda no campo ilustrativo, a questão relativa à discriminação recebeu tratamento talvez mais inovador. É verdade que pessoas deslocadas internamente, muitas vezes morando em ambientes estranhos, privados de sua segurança, propriedade e status social, vivem particularmente expostas e vulneráveis ao tratamento discriminatório. Também é verdade que há tratados regionais e de direitos humanos com cláusulas que exigem que os Estados Partes respeitem e assegurem os direitos e liberdades previstos nesses instrumentos sem discriminação, entre eles o Artigo 26 do Pacto sobre Direitos Civis e Políticos, que estabelece:

ARTIGO 26

Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da Lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação (Decreto 592, de 06/07/92).

2 - Sem prejuízo do caractere geral das disposições anteriores, são e permanecem proibidas, em qualquer

momento ou lugar, em relação as pessoas mencionadas no n.º 1:

a) Os atentados contra a vida, saúde ou bem-estar físico ou mental das pessoas, em particular o assassínio, assim como os tratamentos cruéis, tais como a tortura, as mutilações ou qualquer forma de pena corporal; b) As punições coletivas;

c) A tomada de reféns; d) Os atos de terrorismo;

e) Os atentados à dignidade da pessoa, nomeadamente os tratamentos humilhantes e degradantes, a violação, a coação à prostituição e todo o atentado ao pudor; (sem grifos no original). Decreto n. 849, de 25 de junho de 1993.

247 Disponível em:

http://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BD_Legal/Documentos_da_ONU/Principios_orienta dores_relativos_aos_deslocados_internos_1998.pdf?view=1. Acesso em mai.2018.

De acordo com o Princípio 1 (1)248, as pessoas deslocadas internamente gozarão, em plena igualdade, dos mesmos direitos e liberdades sob a lei internacional e nacional que as demais pessoas. Eles não serão discriminados no gozo de quaisquer direitos e liberdades pelo fato de estarem internamente deslocados. Esta é claramente uma suposição necessária, uma vez que os deslocados internos estão, de fato, em risco de tratamento discriminatório pelo próprio fato de terem sido deslocados.

Talvez o exemplo mais significativo de esclarecimento dos princípios gerais existentes seja encontrado na questão do acesso à assistência humanitária internacional, um tema de inegável importância para os deslocados internos. Uma das necessidades mais urgentes das pessoas internamente deslocadas é o acesso seguro àqueles elementos essenciais indispensáveis a sua sobrevivência e a um padrão mínimo de vida.249 Assim, a possibilidade de buscar e de receber assistência humanitária é, em si mesma, fundamental para a capacidade de atender às necessidades dos deslocados internos.

Nada obstante, observa-se que a comunidade internacional tem sido cautelosa ao reconhecer o dever de um Estado de aceitar ofertas de assistência humanitária. A Resolução da Assembleia Geral 46/182250, relativa ao fortalecimento da coordenação da assistência humanitária de emergência das Nações Unidas, reafirma que o direito dos atores externos de prestar tal assistência se baseia no consentimento do Estado destinatário da assistência.

Apesar da ausência de uma obrigação explícita por parte dos Estados de aceitar ofertas de assistência internacional, pode-se entender que o Artigo 1 (3)251 da Carta das Nações Unidas, que impõe aos Estados membros das Nações Unidas o dever de cooperar na resolução de “problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para

248 Disponível em: http://www.ohchr.org/Documents/Issues/IDPersons/GPPortuguese.pdf. Acesso em mai.2018.

249 BAGSHAW, Simon. Developing a Normative Framework for the Protection of Internally Displaced Persons, New York, Transnational Publishers, 2005.

250 “3. The sovereignty, territorial integrity and national unity of States must be fully respected in accordance with the Charter of the United Nations. In this context, humanitarian assistance should be provided with the consent of the affected country and in principle on the basis of an appeal by the affected country.” (sem grifos no original). Disponível em: http://www.un.org/documents/ga/res/46/a46r182.htm. Acesso em mai.2018.

251 1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou situações que possam levar a uma perturbação da paz;

2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal; 3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e (sem grifos no original). Decreto n. 19.841, de 22 de outubro de 1945.

todos”, representa uma verdadeira obrigação dos Estados de receber assistência internacional quando oferecida e necessária. Isso por se tratar de uma implicação necessária do reconhecimento pelos Estados do direito à vida.

Consequentemente, o governo de um Estado que retém tal assistência de seus cidadãos deslocados internamente deve ser visto como violador de qualquer um dos princípios universais ou regionais de direitos humanos, dos quais é parte, que garantem o direito à vida.

Ademais, a necessidade de se aceitarem ofertas de assistência internacional também está em conformidade com o Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. De acordo com o Artigo 2 (1) do Pacto, um Estado Parte é obrigado a “adotar medidas, tanto por esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que visem a assegurar, progressivamente, por todos os meios apropriados, o pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoção de medidas legislativas.”.252 No contexto do Pacto, o máximo de recursos disponíveis de um Estado inclui "recursos existentes dentro de um Estado e aqueles disponíveis da comunidade internacional por intermédio de cooperação e assistência internacional.

Nesse sentido, fica claro, ao menos, o dever dos Estados de abster-se de negar injustificadamente ofertas de assistência internacional em casos de problemas humanitários iminentes que afetam seriamente as necessidades de subsistência de DIs.253 Cumpre lembrar que o dever de abster-se de negar desarrazoadamente ofertas de assistência internacional e a obrigação de aceitar ofertas razoáveis são essencialmente dois lados da mesma moeda, isto é, em se tratando de DIs, a essência é que, para pessoas internamente deslocadas que precisam de assistência internacional, não deve ser arbitrariamente negada tal assistência quando ela é oferecida .

Sob essa inspiração, o Princípio Orientador 25 estabelece:

Princípio 25

1.Cabe às autoridades nacionais o dever e a reponsabilidade primárias de prestar a assistência humanitária aos deslocados internos.

2.As organizações humanitárias internacionais e os outros actores apropriados têm o diireito de oferecer os seus serviços em apoio aos deslocados internos. Tal oferta não deve ser encarada como um acto inamistoso ou como inteferência nos assuntos internos do Estado e deve ser considerada de boa fé. Não se deve, por isso, negar arbitrariamente o consentimento à sua actuação, particularmente quando as

252 Decreto 592, de 06/07/92.

253 BAGSHAW, Simon. Developing a Normative Framework for the Protection of Internally Displaced Persons, New York, Transnational Publishers, 2005.

autoridades competentes estão incapacitadas ou não estão dispostas a prestar a assistência humanitária necessária.

3.Todas as autoridades competentes devem garantir e facilitar a livre passagem da assistência humanitária e garantir às pessoas encarregadas de tal assistência um rápido e livre acesso aos deslocados internos.254

É importante destacar que não se trata apenas de não se reter arbitrariamente a assistência humanitária, mas, também, de facilitar a livre passagem dessa assistência e de viabilizar seu acesso aos deslocados internamente.

b) Lacunas de proteção

Além das situações em que existe uma norma geral, mas não foi articulado um direito mais específico que garanta a implementação da norma geral em áreas de particular necessidade para pessoas deslocadas internamente, o direito internacional também falha em fornecer proteção suficiente aos deslocados internos nos casos em que não existem nem mesmo normas gerais explícitas para atender às suas necessidades.

Pode ser que uma norma exista no campo dos direitos humanos, mas não no campo do direito internacional humanitário e vice-versa. É possível perceber situações como esta no que diz respeito, por exemplo, aos desaparecidos e mortos, ao uso de minas terrestres e dispositivos semelhantes, à detenção, à necessidade de documentação e registo de identificação pessoal, às necessidades relacionadas com a propriedade e em relação à ajuda humanitária.

Nesses casos, só é possível articular direitos a partir de disposições existentes da lei que se aplicam apenas em situações limitadas ou apenas a certas categorias de pessoas, tais como crianças ou refugiados. Consequentemente, há os correspondentes dispositivos nos Princípios que procuram abordar essas lacunas. Ilustrativamente, as situações de desaparecimentos e detenções serão analisados a seguir.

Com relação aos desaparecimentos, observa-se que não existia, à época do surgimento dos princípios orientadores, nenhuma proibição "explícita" de desaparecimento forçado em qualquer instrumento geral de direitos humanos, nem universal nem regional. De fato, a prática já era condenada pela Declaração de 1992 da Assembleia Geral sobre a Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçado (hoje, Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçado, firmado pelo Brasil em

254 Disponível em:

http://www.acnur.org/fileadmin/Documentos/portugues/BD_Legal/Documentos_da_ONU/Principios_orienta dores_relativos_aos_deslocados_internos_1998.pdf?view=1. Acesso em mai.2018.

2007, objeto do Decreto n. 8.767, de 11 de maio de 2016), bem como pela Declaração e Programa de Ação de Viena, adotada pela Conferência Mundial de Direitos Humanos de 1943.255

No entanto, nenhuma dessas declarações encerrava proibição “explícita” de tal prática, embora os desaparecimentos violassem muitas garantias fundamentais reconhecidas pelos instrumentos internacionais de direitos humanos e de direito humanitário.

Nessa linha, o Princípio 10 estabelece que:

Princípio 10

1. Todo o ser humano tem o direito inerente à vida. Este direito deve ser protegido por lei. Ninguém o deve privar arbitrariamente da sua vida. Os deslocados internos devem ser, sobretudo, protegidos contra:

(...) d. os desaparecimentos forçados, incluindo rapto ou detenção sem comunicação prévia, que representa ameaça ou resulta em morte.

As ameaças e o incitamento para o cometimento de quaisquer dos supracitados actos devem ser proibidos.256

Outra área de importância para a proteção das pessoas internamente deslocadas é a detenção, em particular nos campos fechados. Enquanto os civis, em geral, podem estar em risco de detenção sem mandado judicial ou outras salvaguardas legais, especialmente em