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3. O Bailado do Encantamento e A Princesa dos Sapatos de Ferro (1918) 1 As Madrinhas de Guerra e a preparação dos bailados

3.3. Os elementos artísticos

3.3.2. Elementos visuais

3.3.2.2. De A Princesa dos Sapatos de Ferro a) Figurinos

A Princesa dos Sapatos de Ferro foi um espectáculo menos ambicioso do que o Bailado do Encantamento. Com um argumento mais simples, tinha apenas duas

personagens principais – a Princesa e o Diabo – e quatro diabinhos figurantes.1

Praticamente todo o bailado terá sido concebido por Almada Negreiros (encenação, coreografia e figurinos), à excepção do cenário, que ficou a cargo de José Pacheko, e da música, da autoria de Ruy Coelho.

PSF.5 e PSF.7: Figurinos de Almada Negreiros A Princesa dos Sapatos de Ferro, 1918. (desenho PSF.5)

Princesa, guache sobre cartão, 32x21cm, localização desconhecida. Publicado por SANTOS 1984: 22; (desenho

PSF.7) Diabo, guache sobre cartão, 51x36cm, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, inv. nº DP3338. Publicado por

SANTOS 2017: 178.

1 A Velha que aparece à Princesa antes do feitiço era, na verdade, o Diabo mascarado – por isso,

PSF.1 e PSF.8: Fotografias de intérpretes de A Princesa dos Sapatos de Ferro, 1918. (fotografia PSF.1): Maria da

Conceição de Mello Breyner enquanto Princesa, Museu Nacional do Teatro e da Dança, inv. nº 79562; (fotografia

PSF.8) José de Almada Negreiros enquanto Diabo, publicado pela Ilustração Portuguesa, 13/05/1918.

Dos figurinos da autoria de Almada Negreiros são conhecidos os das personagens da Princesa e do Diabo. O desenho PSF.5 revela um vestido composto por dois padrões: uma trama de losangos na parte de cima; e um ziguezague claro por toda a área da saia rodada. A cabeça ostenta uma pequena coroa, e os cabelos curtos estão soltos. Quando confrontado com a fotografia PSF.1, vemos que o figurino corresponde estruturalmente ao desenho PSF.5, embora com algumas diferenças, nomeadamente no que se reporta aos motivos padronizados: a fotografia denota uma parte de cima com um padrão losangular num tom claro, e não escuro,2 bem como uma saia sem o

padrão em ziguezague projectado no desenho PSF.5, mas com listras rectas e simples mais escuras. No fundo, inverteu-se o equilíbrio de tons do figurino: se no desenho

PSF.5 o tronco/saia são respectivamente escuro/claro, aos mesmos elementos na

fotografia PSF.1 correspondem os tons claro/escuro.

A propósito do figurino do Diabo, o desenho PSF.7 é visualmente muito forte, denotando uma clara influência da estética órfica, muito apreciada por Almada Negreiros nesta época. A paleta de cores complementares, contrastantes, parece ir buscar as questões dos estudos cromáticos do casal Delaunay, com quem aliás Almada

2 É difícil ver este padrão losangular nas fotografias; porém uma observação atenta mostra que ele

mantinha contacto, conforme vimos anteriormente.3 Todo o figurino desenhado tem

em conta a questão primeira do movimento: a figura do Diabo é, por isso mesmo, representada em acção, como que em pleno salto de dança. Para além das cores, o desenho PSF.7 mostra um fato que representa uma cara – o desenho de dois olhos amarelos no lugar das axilas;4 uma boca aberta com dentes brancos no lugar da pélvis.

Um rosto de gigante cujas feições são exacerbadas pela asa-capa concêntrica e padronizada com círculos de diversas cores. Na cabeça, aquilo que seria um par de chifres; no queixo, uma barba ruiva; nas mãos, grandes garras vermelhas; nos pés, umas andas que fariam crescer a presença deste Diabo em palco. Este projecto de figurino, que apresentava a personagem quase como um animal exótico, não foi levado avante, como é patente através do confronto com a fotografia PSF.8. É possível que tal se tenha devido a constrangimentos de confecção e de funcionalidade para o intérprete, já que a fotografia publicada na Ilustração Portuguesa mostra um figurino do Diabo muito mais simplificado: aqui, uma espécie de fato-macaco de uma só cor, com alguns apontamentos decorativos nas mangas e na cintura difíceis de discernir. Na cabeça lá estão os chifres encaracolados do desenho PSF.7, mas já não a asa-capa multicolor; também não parece constar nem a barbar ruiva, nem as garras do desenho – apesar de a partir da fotografia não ser possível confirmar o que adorna as mãos, estas parecem estar tapadas por algum elemento ou adereço; e nos pés não se vêem as andas desenhadas, mas sim o que parecem sapatos abotinados do mesmo tom do fato-macaco, embora com as biqueiras mais claras.

3 Cf. supra, capítulo 2.2..

4 A propósito do desenho, veja-se a influência notável do figurino de Larionov para Soleil de Nuit (1915).

b) Cenário

PSF.9: José Pacheko, maquete do cenário de A Princesa dos Sapatos de Ferro, 1918, madeira prensada, lápis de cor,

57x77cm, Museu Nacional do Teatro e da Dança, Lisboa, inv. nº MNT 204396.

Relativamente à cenografia de A Princesa dos Sapatos de Ferro, José Pacheko interpretou o local da cena como o que parece ser um pátio, com grandes aberturas para o exterior – um arco e uma janela com ângulos em ogiva, sendo que o primeiro deixa entrever um frondoso cipreste de um possível jardim. O local da cena não é especificado no argumento publicado no programa dos bailados; Pacheko parece ter optado, portanto, por um lugar amplo, suficientemente imaginário para não ser identificável, mas reconhecível como castelo ou palácio.

Esta maquete, actualmente no acervo do Museu Nacional do Teatro e da Dança, em Lisboa, mostra-nos a técnica pontilhista empregue por Pacheko, talvez o seu elemento mais curioso. É possível que este desenho, sendo ele um estudo preliminar, seja meramente indicativo do posicionamento dos elementos que compunham o cenário; o que significa que mesmo as cores e respectiva técnica pontilhista aqui empregues podem não ter sido utilizadas na cenografia final de A