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No documento WELLINGTON PINHEIRO tese (páginas 70-74)

A Concepção Dialética da Realidade

3.3 O Método Dialético Materialista

3.3.1 Principais Categorias

A concepção dialética materialista da realidade, surgida da crítica de Marx à concepção dialé- tica idealista de Hegel e ao materialismo vulgar de Feuerbach [42], apesar de todos os ataques que vem sofrendo desde seu início devidos principalmente às concepções políticas e filosófi- cas possíveis de emergirem da sua aplicação ao estudo da sociedade e à sua superação, ainda

se mostra como uma das mais objetivas ferramentas de interpretação da realidade, ao mesmo tempo capaz de compreendê-la e negá-la [46, 47, 51, 52, 53], visando a sua transformação e superação [54].

A dialética materialista é apresentada nesta seção como uma ferramenta não necessaria- mente vinculada à ciência política, mas muito mais geral: ferramenta capaz de servir de esque- leto para construção de uma teoria crítica e de ampla aplicação para o entendimento e apreensão da realidade em seus mais diversos aspectos e fenômenos [50], sem perder sua característica mais importante e mais forte, ou seja, a capacidade de aderir destrutivamente ao objeto de estudo, pois ao mesmo tempo que o explica, a dialética lança as bases para a sua superação [46, 54]. Contudo, para compreender o que a dialética materialista entende por superação, é importante definir o conceito de práxis.

Embora a palavra grega práxis esteja na origem da palavra prática, seu significado é bas- tante diferente, estando relacionado a outros dois termos gregos: theoria e poiésis. A theoria é a reflexão intelectual, a racionalização, não necessariamente voltada para uma aplicação, dando origem à palavra teoria. Já poiésis significa o próprio trabalho, manual ou mental, com fim produtivo. Assim, poiésis está igualmente na origem tanto da palavra poeta quanto da palavra grega poiménis, que significa pastor. Práxis assume significados diferentes em Hegel e em Marx, mas em ambos possui significado equivalente a superação [11, 36].

Para Hegel, a práxis é o movimento theoria-poiésis-theoria, sujeito-objeto-sujeito ou ideia- matéria-ideia. Portanto, no pensamento hegeliano, quando a ideia se movimenta rumo à ma- téria, que por sua vez modifica a ideia, diz-se ter acontecido uma superação dialética, ou mudança qualitativa. Assim, no conceito hegeliano de práxis, a matéria está, na prática, subor- dinada à ideia e existe em função da mudança qualitativa da ideia [11].

Para Marx, Engels e os filósofos dialéticos materialistas, a práxis é o movimento poiésis- theoria-poiésis, objeto-sujeito-objeto ou matéria-ideia-matéria. Assim, dá-se uma superação dialética quando, a partir da matéria, surge a ideia que modifica a matéria. Portanto, na dialética materialista, a ideia está subordinada à matéria, e uma mudança qualitativa se dá quando essa ideia modifica a matéria [11].

A diferença qualitativa entre os dois conceitos de práxis fica evidente no seguinte exemplo: caso se queira entender o processo de aprendizado como um processo dialético envolvendo teo- ria e prática, segundo a perspectiva hegeliana o aprendizado partiria sempre de conhecimento a priori a ser aperfeiçoado e testado na prática, gerando conhecimento qualitativamente diferente. Já na perspectiva dialética materialista seria possível conceber o processo de aprendizado sem nenhum conhecimento a priori, tendo apenas a apreensão sensorial do objeto do conhecimento e, em seguida, a reflexão a respeito dessas informações sensoriais e a posterior atuação sobre o objeto do conhecimento. Nota-se que as duas visões possíveis de aprendizado, a dialética hegeliana e a dialética materialista, são bastante diferentes [55, 56].

Dada a importância do conceito de práxis para a dialética materialista, o pensador italiano Antonio Gramsci, (figura 3.10), 1891-1937, batizou o edifício teórico que tem suas bases no método dialético materialista com o termo Filosofia da Práxis [12]. Quando empregada como concepção dialética da história, a Filosofia da Práxis também recebe o nome de materialismo histórico, onde o adjetivo histórico pressupõe a história como dinâmica dialética [13, 57, 58]. No entanto, é comum se utilizar os termos materialismo dialético, dialética materialista, ma-

Figura 3.10 Antonio Gramsci (1891-1937)

terialismo histórico, Teoria Crítica e Filosofia da Práxis como sinônimos, quando na verdade a dialética materialista, ou materialismo dialético, é o método que embasa essas construções filosóficas.

O método dialético consiste em conceber partes da realidade, ou fenômenos, como sistemas. Esses sistemas são compostos por diversos pólos. A cada pólo está associada uma potência (caso se queira aqui fazer uma concessão à dialética de Aristóteles [39]) ou força. O sistema é então caracterizado pela sua correlação de forças, ou seja, pelo conjunto das forças dos pólos que o compõem [59].

A dialética materialista é composta por três categorias básicas: a contradição, o princípio da totalidade e o movimento perpétuo [54]. Os pólos estão interrelacionados de forma que a força de um pólo no instante imediatamente futuro é função da correlação de forças presente. Isto se dá entre pólos distintos e recebe o nome de contradição. Assim, a contradição é a base da dialética, e a própria dialética é o movimento das contradições, ou seja, é a dinâmica entre os diferentes pólos que compõem o sistema [60].

Entretanto, um pólo não pode ser analisado isolado dos outros pólos que compõem o sis- tema. Ele também está sob influência de forças externas, de condições. Essas condições podem ser externas ou internas ao sistema. Haverá condições externas ao sistema quando esse sistema integrar um sistema maior, abstraído pelas condições que o afetam. As condições internas po- dem ser objetivas ou subjetivas. Ao princípio de não se poder conceber um sistema totalmente isolado, mas sim em suas várias relações e dependências com outros sistemas, o mesmo va- lendo para os seus pólos constituintes, dá-se o nome de princípio da totalidade, sendo este princípio talvez a categoria mais importante da dialética materialista [54, 36].

Uma condição subjetiva é função da força do pólo ao qual está associada e das condições externas e internas. Uma condição subjetiva está associada à propriedade do pólo associado de ser sujeito. É expressão da vontade do pólo. É ideia. Assim, as condições subjetivas são contro- láveis pelos pólos associados [13] por meio de fatores subjetivos inerentes ao pólo, resultantes da ação do pólo. Uma condição objetiva é função da correlação de forças e das condições

externas e internas. Uma condição objetiva está associada à propriedade do pólo associado de ser objeto em relação aos outros pólos e a ele mesmo. Representa o que é espontâneo no pólo. É matéria. Assim, as condiçoes objetivas não são controláveis pelos pólos associados [13].

Michael Löwy dá uma definição bastante interessante para mais uma das três categorias constituintes do método dialético da Filosofia da Práxis, tirada do Fausto de Goethe: “Eu sou o espírito que sempre nega, e isso com razão, porque tudo que existe merece acabar” [54]. É o diabo de Goethe que usa esta expressão na primeira vez em que aparece para Fausto. Esta citação expressa de forma original a categoria dialética do movimento perpétuo, que como o nome indica, expressa a hipótese fundamental da dialética de que não existe nada de eterno, nada fixo, nada absoluto. Tudo está em constante mudança, em perpétua transformação, sujeito à superação [54].

O método dialético considera os sistemas como sendo sistemas dinâmicos, ou seja, sistemas variantes no tempo. Assim, toda análise dialética é ao mesmo tempo uma análise dinâmica, pois se baseia no estudo dos estados passados do sistema, do seu estado presente, e estima seu estado futuro, considerando determinadas condições mais prováveis [54]. Desta forma, um estado é caracterizado pela hegemonia de um dos pólos do sistema. Quando em um sistema um pólo tem uma força associada maior do que as dos outros pólos, diz-se que este pólo hegemoniza o sistema. O pólo hegemônico, no entanto, influencia e é influenciado pelos outros pólos integrantes do sistema. Assim, a dinâmica do sistema é a tentativa de resolução da contradição, ou seja, é a tentativa de um pólo obter a hegemonia absoluta sobre os outros pólos do sistema [13]. Este mecanismo é chamado de luta de pólos, ou interpenetração de pólos, e é uma consequência do princípio da totalidade [60].

Assim, a definição de estado na concepção dialética é uma definição estritamente qualita- tiva. De acordo com as condições externas e internas e com a correlação de classes anterior, vão se procedendo mudanças quantitativas dentro do sistema, caracterizadas pelas variações dos valores das forças dos pólos. A estas mudanças quantitativas dá-se o nome de evolução. Quando um novo pólo hegemoniza o sistema, dá-se o nome de revolução e diz-se que ocorreu uma mudança qualitativa [60]. Toda revolução é precedida por uma crise revolucionária. A crise revolucionária acontece quando a hegemonia do sistema é compartilhada, ou seja, quando duas ou mais forças disputam a hegemonia. Se, após o estado de crise revolucionária, o sistema retornar ao estado anterior, diz-se que houve uma contra-revolução [46].

A respeito do conceito de materialismo, é importante realçar que se deve entender, neste trabalho, o materialismo tal como é definido na dialética materialista concebida por Gramsci [13], com o sentido de propriedade de ser objeto em relação a um sujeito, ou seja, objetivismo, e não como materialismo vulgar, o que leva muitos autores “marxistas” a considerar que as condições materiais determinam todas as outras relações no sistema, o que, além de ser um equívoco, reduz a dialética materialista a mero determinismo, na prática a destituindo, portanto, da ferramenta dialética e retornando ao materialismo vulgar. Mesmo teóricos como Plekhanov chegaram a confundir a concepção de materialismo de Marx com o materialismo vulgar em suas obras, carregando-as de certa dubiedade [57, 58, 61], quando o próprio Marx renegou tanto o materialismo vulgar [42, 54] quanto o idealismo expresso no voluntarismo de alguns pensadores, que consideravam que a vontade humana poderia fazer tudo, inclusive acelerar etapas do desenvolvimento histórico e social sem considerar as condições objetivas [47].

Gramsci adverte para o perigo de se confundir o materialismo da Filosofia da Práxis com o materialismo vulgar dos positivistas [12], que viam o mundo objetivo como o único existente e o conhecimento científico rigorosamente construído como o único conhecimento válido, ou seja, os positivistas eram fetichistas da ciência, o que levava a posições extremamente naturalis- tas (no sentido de conceber o ser humano reduzido a um sistema que oferece respostas quando devidamente estimulado, praticamente negando ou reduzindo sua subjetividade e realçando apenas sua objetividade), posições estas que frequentemente levavam os positivistas a posturas conservadoras e, por vezes, reacionárias [54].

Pode-se dizer que a confusão entre o materialismo da Filosofia da Práxis, ou seja, o materia- lismo dialético, e o materialismo vulgar dos positivistas foi responsável em parte pela estagna- ção do desenvolvimento da Filosofia da Práxis, dada a sua redução a um “marxismo ortodoxo”, alijado de uma maior compreensão dialética e reduzido ao determinismo vulgar e ao meca- nicismo, ignorando a dinâmica dos processos reais e reduzindo a concepção dialética a uma forma mais sofisticada de positivismo.

No documento WELLINGTON PINHEIRO tese (páginas 70-74)