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2. A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

2.3 Principais conceitos da teoria das representações sociais

A TRS tem raízes conceituais que a fundamentam, e que norteiam seu entendimento e funcionamento. Comecemos pelo conceito de interação. Somos sujeitos que vivem em sociedade e estamos constantemente em contato com outros sujeitos, todos têm objetivos, intenções, motivos, e, segundo Guareschi (1998), ao pensar o ser humano a partir das relações, e das interações, pensamos na alteridade, pois o outro é alguém essencial, imprescindível para a própria compreensão da existência do eu. Para Jovchelovitch (1998) o

outro não está simplesmente lá, esperando para ser reconhecido, o outro não é redutível ao que o eu pensa ou sabe sobre ele, é, sim, irredutível na sua alteridade. Há uma representação psíquica e uma possibilidade de desenvolvimento do eu, a partir das trocas, das relações, da interação.

Para Moscovici (2003), o verdadeiro objeto da Psicologia Social é a interação entre dois sujeitos e um objeto. O triângulo sujeito-outro-objeto é, pois, o único esquema capaz de explicar e sistematizar os processos de interação, então, o comportamento de um sujeito se torna social quando ele é afetado pelo comportamento de outros sujeitos.

No que se refere à validação de conhecimentos, o científico já é legitimado pelos métodos, pela lógica formal, e pela explicação de fenômenos, e na TRS, outro conhecimento é legitimado, o do senso comum. O saber leigo é um conhecimento que orienta as condutas sociais, que organiza a comunicação e que é criado, coletivamente, na tentativa de explicar a realidade. O senso comum fornece o conhecimento que as pessoas têm a seu dispor, inclusive a própria ciência não hesita em buscar nele uma idéia, uma imagem, uma construção. O senso comum oferece acesso direto às RS e permite compreender como elas são geradas, comunicadas e colocadas em ação na vida cotidiana. Assim, as RS se constroem diante de nossos olhos, na mídia, nos lugares públicos, através da comunicação que nunca acontece sem alguma transformação (MOSCOVICI, 2003).

Ainda segundo o autor, o saber do senso comum traz um conhecimento diferenciado do conhecimento científico, mas seu objeto de estudo é tão legítimo quanto o do científico, devido à sua importância na vida e nas interações sociais. As RS são abordadas ao mesmo tempo como produto e processo de uma atividade de apropriação da realidade ao pensamento e da elaboração psicológica e social dessa realidade. Nesta direção, Jodelet (2001) aponta que o senso comum é um conhecimento diferente da ciência, porém é adaptado à ação sobre o mundo e confirmado pela ciência, e se configura como um objeto de estudo epistemológico, fundamental para compreender os mecanismos do pensamento.

Quanto à constituição das RS, dizemos que ocorrem nos processos de comunicação, quando o sujeito entra em contato com os fenômenos sociais. Esses processos comunicativos são complexos e contraditórios, e se apresentam em desenvolvimento constante. Segundo Moscovici (2003), a TRS espera elucidar os elos que unem a Psicologia com as questões sociais e culturais e a comunicação assume um eixo central, já que a cultura é criada pela comunicação e as pessoas concedem uma realidade física às idéias, às imagens, e aos sistemas de classificação.

Nessa mesma linha de pensamento, Jovchelovitch (1998) diz que as RS crescem e se produzem na comunicação, assim como a comunicação possibilita as representações. Então, as representações são formas de mediação da vida social, e é no espaço entre o sujeito e o outro, mediado pela comunicação, que se constrói a representação partilhada. Para Jodelet a comunicação tem grande importância nos fenômenos representativos. Dessa forma afirma que:

Primeiro, ela é o vetor de transmissão da linguagem, portadora em si mesma de representações. Em seguida, ela incide sobre os aspectos estruturais e formais do pensamento social, à medida que engaja processos de interação social, influência, consenso ou dissenso e polêmica. Finalmente, ela contribui para forjar representações que, apoiadas numa energética social, são pertinentes para a vida prática e afetiva dos grupos. Energética e pertinência sociais que explicam, juntamente com o poder performático das palavras e dos discursos, a força com a qual as representações instauram versões da realidade, comuns e partilhadas (2001, p. 32).

Na comunicação, ocorrem os dois processos de formação da representação: a objetivação e a ancoragem, que abordaremos a seguir.

2.3.1 A objetivação e a ancoragem

Os processos de objetivação e ancoragem são os geradores das RS, e para Moscovici (2003) esses são dois mecanismos de um processo de pensamento baseado na memória e em conclusões passadas. O propósito de toda representação em tornar o desconhecido conhecido, é um processo constitutivo de objetivação e ancoragem. A objetivação transforma o abstrato em algo quase concreto, transfere o que está na mente para algo que exista no mundo físico, portanto, objetivar é descobrir a qualidade icônica de uma idéia, é reproduzir um conceito em uma imagem, ao unir a idéia de não-familiaridade com a de realidade.

Já a ancoragem tenta ancorar idéias estranhas em categorias comuns, e nesta direção há um processo que transforma o estranho que nos intriga, em um sistema particular de categorias. Então, ancorar é classificar, é dar nome ao que não tinha nome, assim representa- se o que antes era estranho. Desta forma, a representação é, fundamentalmente, um sistema de classificação e de denotação, de alocação de categorias e nomes. Para Cruz, estes processos “restituem o motivo de interdependência entre a atividade cognitiva e suas condições sociais

de exercício, agenciando conteúdos, significados e a utilização que são conferidos” (2006b, p. 159).

Para Jovchelovitch (2007), a objetivação e a ancoragem são as formas específicas em que as RS estabelecem mediações, trazendo a produção simbólica de uma comunidade para um nível quase material. Diante disso, as RS emergem como processo que desafia e reproduz, que é formado e que, também, forma a vida social de uma comunidade.

Dessa maneira, Moscovici (2003) afirma que a motivação para a elaboração de RS é a tentativa de construir uma ponte entre o estranho e o familiar, e essa familiarização se estabelece pela objetivação e pela ancoragem, e como evidencia Cruz (2008, p. 156), esses dois processos “têm como finalidade servir de memória aos sujeitos e grupos nas práticas sociais”. Após falarmos sobre os principais conceitos apresentaremos as funções que as RS exercem.