2.5 PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE E RETROATIVIDADE
2.5.2 PRINCIPIO DA RETROATIVIDADE
Ao contrário do que já exposto acima, este princípio defende
que, quando criada uma norma penal mais branda esta deve retroagir, independente
das hipóteses, para beneficiar o réu.
Já dispõe o parágrafo único do Art. nº 2 do Código Penal “a Lei
posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se a fatos anteriores,
ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado”.
Vejamos nesse entendimento o que Greco
106diz: “A novatio
legis in mellius será sempre retroativa, sendo aplicada aos fatos ocorridos
anteriormente à sua vigência, ainda que tenham sido decididos por sentença
condenatória já transitada em julgado”.
Esse entendimento hoje majoritário já passou por diversas
discussões também. Atualmente os doutrinadores já falam do princípio da
retroatividade nos casos de sentença já transitada em julgado, como vimos acima.
Mas até então, essa era a grande discussão. A solução veio com a Súmula do STF
nº 611 essa questão foi resolvida.
Vejamos o que dispõe tal entendimento: “Transitada em
julgado à sentença condenatória, compete ao juiz das execuções à aplicação da Lei
mais benigna”.
Para aprofundar um pouco esse estudo devemos entender o
que seria uma Lei mais benigna, como podemos saber se de fato a nova Lei é mais
favorável ao réu do que a revogada?
Bitencourt
107responde essa pergunta da seguinte maneira:
Toda Lei Penal, seja de natureza processual, seja de natureza
material, que, de alguma forma, amplie as garantias de liberdade do
indivíduo, reduza as proibições, e, por extensão, as conseqüências
106
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 12ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p 104. 107
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 13ª ed, v. 1, São Paulo: Saraiva, 2008, p.163.
negativas do crime, seja ampliando o campo da licitude penal, seja
abolindo tipos penais, seja refletindo nas excludentes de
criminalidade ou mesmo nas dirimentes de culpabilidade, é
considerada mais benigna, digna de receber quando for o caso, os
atributos da retroatividade [...].
É natural que para decidir se a nova Lei é mais favorável que a
outra, seja necessário levar em consideração os casos, seus resultados, e até a
individualização da pena. Pode ocorrer de existir dúvida sobre qual Lei é a mais
favorável para o acusado, porém nada impede que seja consultado o próprio infrator.
Temos como exemplo da aplicação do princípio em estudo a
revogação da Lei 6.368/76 pela Lei 11.343/06, que dispõe sobre o tráfico ilícito de
drogas. Apesar de a nova Lei ter aumentado a pena cominada ao crime, de 3 (três)
a 12 (doze) anos de reclusão, para 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão, passou
a admitir uma causa de redução de pena que não existia na Lei revogada, de 1/3 a
2/3, para o réu primário, sem antecedentes criminais e sem envolvimento com
organização criminosa. Nessa situação o réu que praticou o crime na vigência da Lei
anterior, e que cumprir os requisitos da nova Lei, poderá ter sua pena reduzida de
1/3 a 2/3 conforme disposto.
Este princípio também é abordado nas jurisprudências que são
benéficas ao agente, retroagindo dessa maneira para alcançar fatos já ocorridos que
foram julgados sob a ótica de outro entendimento.
Batista, Zaffaroni, Alagia e Slokar
108prelecionam:
Quando a jurisprudência massivamente muda de critério e considera
atípica uma ação que até esse momento qualificara como típica (ou
quando julga simples o delito que até então considerara qualificado,
ou justificado o que considerara antijurídico etc.) provoca um
escândalo político, pois duas pessoas que realizaram idênticas ações
reguladoras pela mesma Lei terão sido julgadas de modo que uma
resultou condenada e a outra absolvida, só porque uma delas foi
julgada antes. Elementares razões de equidade, assim como o Art.
nº 5º da Constituição impõe que se torne aquela primeira
condenação como uma sentença contraposta ao texto expresso da
Lei Penal reinterpretada, viabilizando sua revisão (Art. nº 621, inciso
I, CPP).
108
BATISTA, Nilo; ZAFFARONI, Eugênio Raul; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR Alejandro. Direito Penal Brasileiro – I. Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 224
Temos então este princípio também aplicado nas
jurisprudências, assim como o princípio da irretroatividade. Pois seria injusto, se um
fosse aplicado e o outro não. Como já exposto anteriormente a interpretação e a
norma são inseparáveis, devendo desta maneira ser aplicado aquela a que é
aplicado nesta.
Assim resumindo a disciplina tratada neste capítulo tem-se que
o principio da igualdade, está elencado no Art. nº 5 da Carta Magna, que diz “todos
serão iguais perante a Lei, sem distinção de qualquer natureza”, no entanto há que
se distinguir que este princípio não trata a igualdade meramente sob seu aspecto
formal, mas, principalmente sob seu aspecto material ou substancial.
O segundo princípio diz respeito ao caráter fragmentário do
Direito Penal ao estabelecer que não se possa atribuir proteção a todas as condutas
lesivas aos bens jurídicos, mas somente aquelas de repercussão significativa e
quando os outros ramos do direito não conseguem protegê-las.
Em relação ao terceiro princípio, o da proporcionalidade, exige
certa ponderação na aplicação penal, não podendo ela ser tão severa nem tão
branda.
Acerca do princípio da especialidade, o quarto a ser estudado,
cita-se apenas uma frase “Lex specialis derogat legi generali”, ou seja, a Lei
Especial exclui a aplicação da Lei Geral.
Os últimos princípios, o da irretroatividade e da retroatividade,
podem ser definidos assim: aquele, diz respeito à irretroatividade das novas Leis
ditas como mais severas, já este, defende que quando uma nova Lei é criada for
mais branda deve retroagir para beneficiar o réu.
Desta feita, passa-se então para a discussão do problema
proposto inicialmente, que será analisado em detalhes no próximo e último capítulo.
CAPÍTULO 3
A APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS À NOVA LEI DOS CRIMES
CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL
Antes de iniciar o estudo da aplicação dos princípios à nova Lei
dos crimes contra a dignidade sexual, é preciso analisá-la separadamente.
Precisa-se antes tecer alguns comentários em relação às mudanças sofridas. As quais irão
se restringir a nova formulação do conceito de estupro, aos sujeitos ativos e
passivos do crime, quando se consuma o mesmo, e como diferenciar quando o ato
libidinoso é classificado como um crime e quando este pode ser apenas uma
contravenção penal
109.
A pesquisa proposta inicialmente tem como objetivo a análise
da nova Lei 12.015/09 a qual alterou não só o título antes, “Dos crimes contra os
costumes”, atualmente, “Dos crimes contra a dignidade sexual”, mas também
unificou dois tipos penais o estupro e o atentado violento ao pudor, esses que agora
serão estudados detalhadamente.
Na Lei anterior o estupro era definido como o ato de
constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Já o
atentado violento ao pudor era definido como sendo o constrangimento de alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratique
ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
109
Contravenções penais são infrações consideradas de menor potencial ofensivo que muitas pessoas acabam cometendo no dia a dia, que chegam até a ser toleradas pela sociedade e até por autoridades, mas que não podem deixar de receber a devida punição (GAYA, Soraya Taveira (– Procuradora de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro). Contravenção Penal. Universo Jurídico. Acesso em 14 de outubro de 2010. Disponível em http://www.uj.com.br/publicacoes/doutrinas/3915/CONTRAVENCAO.
A Lei 12.015 de 7 de agosto de 2009 condensou essas duas
figuras delituosas em um único Artigo , revogando desta maneira o Art. nº 214.
Tem-se então um novo tipo com uma nova definição do que é estupro, assim
definida: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção
carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.
A primeira alteração verifica-se com relação ao sujeito ativo
dos crimes em apreço.
Na Lei anterior a expressão “constranger mulher a conjunção
carnal” contida no crime de estupro levava a uma interpretação única, qual seja a
introdução do pênis na vagina, ou vice versa. Desta maneira tinha-se como sujeito
ativo somente o homem e o passivo somente a mulher, só assim configuraria o
crime de estupro.
Já na nova redação a expressão conjunção carnal está
associada com outro ato libidinoso, diversifica dessa forma tanto o sujeito ativo como
o sujeito passivo. Tem-se então nesse caso um crime comum e não mais um crime
próprio em que o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, da mesma forma o sujeito
passivo.
Na Lei anterior o Art. nº 213 exigia que a violência fosse de
homem contra mulher, no atual a violência pode ser exercida tanto pelo homem
como pela mulher para a prática da conjunção carnal ou de qualquer ato libidinoso,
transformando o crime do Art. nº 213 em crime comum.
Nucci
110assim expõe: “Diante disso, é possível sustentar a
viabilidade de haver estupro cometido por agente homem contra vítima mulher, por
agente homem contra vítima homem, por agente mulher contra vítima homem e por
agente mulher contra vítima mulher”.
É importante aqui diferenciar as expressões apesar de o crime
em si poder ter como sujeito ativo e passivo um agente de qualquer sexo. Quando o
crime em discussão houver apenas a prática da conduta conjunção carnal, é
110
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes Contra a Dignidade Sexual: Comentários à Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 16.
necessário então que haja a figura de um homem e uma mulher, pois, como já dito a
conjunção carnal é a introdução do pênis na vagina.
É o que Greco
111explica: “Quando a conduta for dirigida à
conjunção carnal, o crime será de mão própria no que diz respeito ao sujeito ativo,
seja ele um homem, ou mesmo uma mulher, pois que exige uma atuação pessoal do
agente, e próprio com relação ao sujeito passivo”.
Neste contexto Greco quis dizer que quando a conduta
referir-se a conjunção carnal, o sujeito ativo referir-sendo homem, o sujeito passivo deverá
necessariamente ser uma mulher. Resumindo, quando a conduta praticada for
somente à conjunção carnal ter-se-á um crime próprio.
Quanto à consumação, em relação à primeira parte do Art. nº
213, ou seja, a conjunção carnal, o crime se consuma como já mencionado, com a
penetração do pênis na vagina, não necessitando que essa penetração seja
completa, nem sendo necessária a ejaculação.
É o que diz Nucci
112“quanto à consumação, depende de forma
eleita pelo agente. Tratando-se de conjunção carnal, não se exige a completa
introdução do pênis na vagina, nem é necessária a ejaculação”.
No mesmo sentido Greco
113explica:
Quando a conduta do agente for dirigida finalisticamente a ter
conjunção carnal com a vítima, o delito de estupro se consuma com
a efetiva penetração do pênis do homem na vagina da mulher, não
importando se total ou parcial, não havendo, inclusive, necessidade
de ejaculação.
Têm o mesmo entendimento os Tribunais: “A consumação do
crime de estupro independe da ejaculação do agente. Basta, para configurá-lo, a
intromissio penis in vaginam”. (TJSP, Ap. 8282-3, Rel. Silva Leme, RT 582, p.317)
111
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p 582. 112
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes Contra a Dignidade Sexual: Comentários à Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 17.
113
No tocante a segunda parte do Artigo em discussão, ou seja,
outro ato libidinoso, a maneira de consumá-lo é mais extensa, pois, existem diversas
maneiras de se praticar o crime, bastando dessa forma o toque físico.
Greco
114escreve em sua obra que:
“[...] consuma-se o estupro no momento em que o agente,
depois da prática do constrangimento levado a efeito mediante violência ou grave
ameaça, obriga a vítima a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato
libidinoso diverso da conjunção carnal”.
Assim o momento em que o agente, por exemplo, valendo-se
do emprego de ameaça, faz com que a vítima toque em si mesma, com o fim de
masturbar-se, ou no próprio agente ou em terceira pessoa, nesse instante será
consumado o delito. Na segunda hipótese, a consumação ocorrerá quando o agente
ou terceira pessoa vier a atuar sobre o corpo da vítima, tocando-a em suas partes
consideradas pudendas (seios, nádegas, pernas, vagina, desde que não haja
penetração, que se configura a primeira parte do tipo penal).
Nucci
115afirma que: “no tocante a outro ato libidinoso, a forma
consumativa é mais ampla, pois as maneiras de cometimento do crime são
diversificadas. Basta o toque físico eficiente para gerar lascívia ou o
constrangimento efetivo da vítima a se expor sexualmente ao agente para ser
atingida a consumação”.
Ressalta-se também que com essa nova modalidade de
estupro não há que se falar em concurso material entre estupro e atentado violento
ao pudor, visto que a figura do atentado violento ao pudor não existe mais.
Importante deixar claro que o concurso material, previsto no
Art. nº 69 do Código Penal, se configura “quando o agente mediante mais de uma
ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes idênticos ou não”, aplicando-se deste
modo cumulativamente as penas em que haja incorrido.
114
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 4ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p 582. 115
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes Contra a Dignidade Sexual: Comentários à Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 17.
É o mesmo que Greco
116explica sobre a “ questão do
chamado concurso material cuida da hipótese de quando o agente, mediante mais
de uma ação ou omissão, poderá ser responsabilizado, em um mesmo processo, em
virtude da prática de dois ou mais crimes”.
O mesmo autor em outra ocasião ainda completa:
O concurso material surge quando o agente, mediante mais de uma
ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes que tenham entre si
uma relação de contexto, ou em que ocorra a conexão ou a
continência, cujos fatos criminosos poderão ser analisados em um
mesmo processo, quando ao final se comprovados, farão com que o
agente seja condenado pelos diversos delitos que cometeu [...].
Diante de tal contexto os requisitos indispensáveis para que
seja considerado concurso material é a prática de mais de uma ação ou omissão
sendo que essas práticas levam a consumação de dois ou mais delitos.
Uma vez visto que a Lei 12.015 unificou os dois crimes, não há
mais então o concurso material entre atentado violento ao pudor e estupro, onde
anteriormente o agente era condenado pela prática dos dois delitos, hoje ele será
condenado apenas pela prática de um, o estupro.
Veja-se um exemplo utilizando dois sujeitos: A (sujeito
masculino) e B (sujeito feminino) para que possamos fazer uma comparação da
nova Lei com a antiga. A mediante violência após constranger a vítima B, para o
sexo anal, constrange a mesma a manter conjunção carnal, satisfazendo dessa
maneira sua lascívia.
Diante da Lei anterior tem-se neste exemplo consumado o
concurso material, onde o agente A pratica duas ações de constrangimento uma
para o fim de conjunção carnal e o outro para o fim de praticar outro ato libidinoso
diverso da conjunção carnal, consumando assim dois delitos o de estupro, e o de
atentado violento ao pudor. Tendo, portanto praticado duas infrações penais, estará
desta maneira sujeito as suas respectiva penas.
116
Analisando o mesmo exemplo na nova Lei 12.015, pode-se
notar que o agente apesar de praticar duas condutas, cometeu um só delito, o de
estupro. Ora, não tendo possibilidades então de se falar em concurso material sob
este contexto.
É o que Nucci
117afirma que com a nova Lei “não há mais
possibilidade de existir concurso material entre estupro e atentado violento ao pudor.
[...] Se o agente constranger a vítima à com ele manter conjunção carnal e cópula
anal comete um só delito de estupro, pois a figura típica passa a ser mista
alternativa”.
Diante da explicação de Nucci pode-se então citar outro
exemplo: A após acariciar as partes pudendas da vítima B, mediante violência
constrange a mesma a manter conjunção carnal, satisfazendo dessa maneira sua
lascívia. Neste caso então não há que se falar em concurso material, uma vez que
para configurar a prática do mesmo é necessário que o agente pratique duas ou
mais condutas a fim de que essas condutas consumam dois ou mais delitos. No
exemplo acima destacado apesar do agente praticar duas condutas, é possível notar
a consumação de apenas um delito, o estupro, do novo Art. nº 213, portanto é
impossível a aplicação do Art. nº 69 do Código Penal.
Da mesma forma explica Mirabete
118: “Ocorrendo duas ou mais
condutas e dois ou mais resultados, causados pelo mesmo autor, caracteriza-se o
concurso material”. Sobre o tema Leal
119disciplina que “há concurso material
quando o agente, mediante duas ou mais ações e/ou omissões, comete duas ou
mais infrações penais, ficando sujeito à soma das penas correspondentes a cada
crime praticado”.
Resumindo, é necessário que para que seja configurado o
concurso material o agente mediante duas ações ou omissões concorra para a
prática de dois ou mais delitos. Com a nova redação do Art. nº 213 isso não é mais
117
NUCCI, Guilherme de Souza. Crimes Contra a Dignidade Sexual: Comentários à Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 18-19.
118
MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.302.
119