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2. INTERVENÇÃO PROFISSIONAL MAJOR

2.1. Problemática: A Segurança do Doente Crítico Sob VMI

O doente crítico, nesta conjuntura, assumido como sinónimo de PSC, pode definir-se como aquele que se encontra em situação, ou eminência, de falência orgânica que condiciona a sua sobrevivência, a qual depende de meios de vigilância, monitorização e terapêutica avançados (OE, 2011b). Logo, o doente crítico necessita de cuidados contínuos e altamente qualificados, que exigem, por parte dos profissionais de saúde, uma colheita metódica e sistémica de dados, por forma a assegurar uma atuação precoce na prevenção e deteção de complicações e garantir uma intervenção rigorosa, concreta, eficiente e oportuna (OE, 2011b).

Segundo a SCCM, nos Estados Unidos da América, são internados anualmente mais de 5,7 milhões de doentes em UCIs, devido a necessidade de monitorização invasiva ou não invasiva, suporte ventilatório ou circulatório e estabilização de problemas graves ou potencialmente fatais. O diagnóstico de admissão mais comum é a insuficiência respiratória, com necessidade de suporte ventilatório, e a terapia de suporte mais utilizada é a VMI (SCCM, s/d.).

O motivo mais frequente para a instituição de ventilação mecânica é a insuficiência respiratória, definida como a inadequação de trocas gasosas, consequente da disfunção de um ou mais componentes essenciais do sistema respiratório (Katyal & Gajic, 2016).

A percentagem de doentes submetidos a VMI, em UCIs dos Estados Unidos da América, varia entre 20,7% e 38,9% (Wunsch et al., 2013). Num estudo internacional, que incluiu uma amostra de 13 322 doentes, internados em 299 UCIs de 35 países, foi constatada uma incidência de ventilação mecânica de 53%, em que 48,8 % corresponde a VMI (Metnitz et al., 2009). Também na Europa a VMI é comummente utilizada no tratamento do doente crítico com falência respiratória, sendo que, 990.000 a 1.500.000 doentes/ano são ventilados em serviços de medicina intensiva, devido a doença crítica (MS, 2017b).

O suporte ventilatório pode ser fornecido através de VMI, que exige instituição de via aérea artificial (entubação endotraqueal ou cânula de traqueostomia), ou ventilação não invasiva (VNI), que não requer via aérea artificial, estando associada a menos complicações. Contudo, a VNI só está indicada se o doente apresentar preservada a capacidade para proteger as vias aéreas e se se encontrar estável hemodinamicamente (Katyal & Gajic, 2016).

Segundo Esteban et al. (2013), que desenvolveu 3 estudos de coorte prospetivos (em 1998, 2004 e 2010), incluindo no total 18 302 doentes submetidos a ventilação mecânica, de 927 UCIs e 40 países diferentes, embora se tenha constatado um incremento na utilização da VNI, de 5% em 1998 para 14% em 2010, a VMI continua a ser mais utilizada, sendo que a percentagem de doentes submetidos a VMI foi de 33% em 1998, de 25% em 2004 e de 35% em 2010.

A VMI tem como principal objetivo manter as trocas gasosas e o equilíbrio ácido-base, sendo que, para tal é necessária uma gestão apropriada, de modo a assegurar a sincronia doente-ventilador, através da seleção do modo ventilatório e configurações adequadas às características específicas de cada doente, por forma a garantir a proteção pulmonar, prevenir lesões induzidas pela ventilação e complicações associadas (Hess & Kacmarek, 2014).

Não obstante, apesar da VMI apresentar diversos benefícios e salvar vidas, está também associada a múltiplos efeitos colaterais, nomeadamente: diminuição do débito cardíaco e da perfusão renal, aumento da pressão intracraniana, PAV e lesões pulmonares induzidas pelo ventilador. Estas complicações podem conduzir ao prolongamento da VMI, do internamento na UCI e no hospital, aumento dos custos e maior risco de mortalidade e morbilidade (Hess & Kacmarek, 2014; CDC, 2019).

Um estudo internacional focado em outcomes dos doentes submetidos a VMI, em que foram estudadas mais de 30 variáveis potencialmente relacionadas com a mortalidade do doente ventilado, numa amostra de 15 757 doentes sob VMI, internados em 361 UCIs, revela que a mortalidade dos

doentes com necessidade VMI não se relaciona somente com os fatores presentes no início da ventilação mecânica, mas também com as complicações que surgem durante a permanência na UCI (Esteban et al.,2002). Segundo a mesma fonte, a probabilidade de sobrevivência é inversamente proporcional à duração da VMI. (Esteban et al.,2002). Em estudos posteriores, constata-se que 50% dos doentes ventilados sofrem pelo menos uma complicação no decorrer da VMI e, no que respeita à mortalidade, embora se tenha verificado uma redução de 31% em 1998, para 28% em 2010, os valores permanecem elevados (Esteban et al., 2013).

Segundo o European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC, 2018a), os doentes internados em UCI, devido à elevada exposição a dispositivos invasivos, apresentam risco acrescido de contrair IACS, definidas como infeções consequentes dos cuidados de saúde e procedimentos associados aos mesmos, que podem também acometer os profissionais de saúde, no decorrer do exercício da sua atividade, referindo-se a qualquer unidade prestadora de cuidados, seja em meio hospitalar ou ambulatório (DGS, 2007).

Em 2012 decorreu, em Portugal, um inquérito de prevalência de infeção adquirida nos hospitais, integrado num estudo do ECDC, sendo a taxa de infeções hospitalares (IH) de 10,6%, portanto, superior à taxa de prevalência a nível europeu, de 6,1%. Acrescenta-se que, 76,8% das IH foram adquiridas no decurso do internamento; destas, 68,2% surgiram uma semana após o internamento e um terço após 3 semanas de internamento (Pina, Paiva, Nogueira & Silva, 2013). O mesmo estudo revela que a prevalência de IH foi mais elevada nas UCIs, com 24,5%. No que concerne à localização, as IH mais frequentes foram as das vias respiratórias, com uma percentagem de 29,3%, seguindo-se as das vias urinárias (21,1%), do local cirúrgico (18%) e da corrente sanguínea (8,1%). A prevalência de pneumonia nos doentes não intubados foi de 1,7%, enquanto que 26,5 % dos doentes com via área artificial contraíram pneumonia (Pina et al., 2013).

Tendo em conta a problemática da infeção em UCI, o ECDC criou uma base de dados europeia para monitorizar a incidência de infeção neste contexto de cuidados. Com a finalidade de contribuir para a avaliação da incidência da infeção adquirida na UCI, Portugal aderiu ao protocolo europeu, através da recolha de dados introduzidos no programa HELICS2-UCI, interligado com o programa

HELICS Europeu (DGS, 2016). O relatório publicado pelo ECDC em 2018, concernente ao ano de 2016, refere que 8,4% dos doentes internados em UCIs europeias, por mais de dois dias, adquiriram pelo

menos uma infeção associada aos cuidados de saúde, sendo que a infeção com maior incidência foi a pneumonia e 97% dos episódios de pneumonia foram associados à intubação (ECDC, 2018b).

Segundo o relatório anual do Programa de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos (PPCIRA), no ano 2017, a vigilância epidemiológica de infeções em UCIs foi realizada em 68,18% das UCIs nacionais. Das infeções monitorizadas (PAV, bacteriemia e infeção do local cirúrgico), a PAV foi a que teve maior incidência, embora se observe uma melhoria significativa dos resultados nos últimos anos, uma vez que entre 2013 e 2017 a densidade de incidência da PAV diminuiu de 7,4 para 6,6 por mil dias de entubação, o que corresponde a uma redução de 10,81% (DGS, 2018).

O CDC (2019), reconhecendo que as complicações da VMI não se restringem à PAV e que é necessária uma vigilância mais completa, desenvolveu, em 2013, uma nova abordagem para a vigilância dos eventos associados ao ventilador, baseada em critérios objetivos que são apresentados num algoritmo que permite classificar os eventos em três níveis: condição associada ao ventilador, complicação associada ao ventilador relacionada com infeção e possível pneumonia associada ao ventilador. O algoritmo desenvolvido não se adequa à gestão de cuidados, destinando-se estritamente à classificação para efeitos de vigilância (CDC, 2019).

Face ao exposto, verificamos que os eventos associados ao ventilador, incluindo a PAV, são reconhecidos como um problema de segurança para o doente crítico que necessita de VMI, pelo que, nos últimos anos têm sido emanadas recomendações para a sua prevenção. Estas recomendações, baseadas na evidência disponível, abarcam um conjunto de intervenções com eficácia comprovada na redução das complicações supramencionadas. Nas diversas diretrizes publicadas, uma das recomendações, que tem sido apresentada de forma consensual, é a avaliação diária da possibilidade de desmame ventilatório e extubação, por forma a fomentar o desmame ventilatório oportuno, prevenir atrasos na extubação e diminuir o tempo de ventilação, com consequente decréscimo das complicações associadas (Klompas et al., 2014; Hellyer, Ewan, Wilson & Simpson, 2016; Álvarez Lerma et al., 2014).

Existem evidências de que os doentes permanecem sob VMI mais tempo do que o necessário, devido a atrasos no processo de desmame ventilatório, o qual representa 40 a 50% da duração total da VMI (Boles et al.,2007). Estes atrasos conduzem à exposição do doente a um desconforto evitável e aumentam o risco de complicações e os custos associados aos cuidados (Boles et al., 2007; Yamashita, Yamasaki, Matsuyama, & Amaya, 2017).

Tendo em conta o supracitado, constatamos que a uniformização da prática de cuidados, relativamente ao desmame ventilatório do doente crítico sob VMI, assume um caráter preponderante para a prevenção de complicações associadas a esta terapia de suporte, cuja gestão inapropriada pode comprometer a segurança do doente.

Face ao exposto, consideramos justificada a pertinência da temática da IPM - O Desmame Ventilatório do doente crítico sob VMI - que se enquadra na linha de investigação “segurança e qualidade de vida” e se relaciona com a área “IACS no doente crítico”.