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2.3. PSICOPATOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO

2.3.1. Problemas de Externalização e de Internalização: Definição

Do ponto de vista conceitual, por problemas de externalização entende-se o conjunto de sinais comportamentais e psicológicos que estão estatisticamente associados à agressividade e à delinquência e que tem como base o baixo controle dos impulsos. Por outro lado, os problemas de internalização são marcados pelo excessivo controle dos impulsos e se manifestam através dos mais variados sintomas de ansiedade, depressão, retraimento social e queixas somáticas (Achenbach & Rescorla, 2001). Os problemas de internalização têm

5 O termo síndrome é usado, neste contexto, para designar grupos de comportamentos que apresentam entre si uma correlação estatística significativa (Achenbach & Edelbrock, 1978), por meio de analise fatorial. Dessa forma, ao se falar de síndromes comportamentais não se pode assumir a identificação de causas específicas ou de uma natureza básica do processo psicopatológico.

sido caracterizados pela propensão de expressar estresse em direção a si próprio, em oposição aos de externalização, nos quais essa expressão se dá em direção aos outros (Cosgrove et al., 2011).

O emprego dessa terminologia para designar os dois grandes grupos de síndromes comportamentais tem sido extensivamente difundido e aceito na pesquisa em psicopatologia infantil na atualidade (Cicchetti & Toth, 1991; Mathiesen et al., 2009). Inadvertidamente, as primeiras tentativas de classificação psicopatológicas já traziam a sugestão de uma subdivisão das patologias em classes comportamentais que denotavam expansividade, extroversão ou externalização, em oposição à introversão, neuroticismo ou internalização.

Para que se compreenda de que forma os dois grandes grupos de problemas de comportamento da infância e adolescência foram se estabelecendo no campo da pesquisa em psicopatologia do desenvolvimento é necessário que se remonte o processo de desenvolvimento do Sistema de Classificação Psicopatológica atualmente vigente.

Estudiosos concordam que, ao longo da história, dois tipos de sistemas de classificação podem ser identificados: um oriundo, do esforço analítico sobre as histórias clínicas registradas em prontuários de pacientes e o outro, baseado em dados clínicos e da população geral para fins de pesquisa de análise quantitativa (Cicchetti & Toth, 1991). Para fins de ilustração, a contribuição de Anthony (1970, in Cicchetti & Toth, 1991) para a clínica psicopatológica tem sido repetidamente citada. O autor propôs um sistema de classificação com base em casos clínicos da época, no qual quatro grandes categorias de funcionamento psicológico foram divididas em subclasses psicopatológicas (I- Afetiva: ansiedade, depressão e medo; II- Cognitiva: pensamento, orientação, teste de realidade; III- Funcional: alimentação, excreção e movimento; IV- Social: ataque, oposição e sexual). Como é possível perceber, ainda que essa incipiente classificação comportasse mais do que os problemas comportamentais da infância e adolescência, a dicotomia típica dos “problemas externalizantes” e “problemas internalizantes já podia ser observada nas grandes classes comportamentais descritas nos itens I e IV.

Por outro lado, os sistemas de classificação desenvolvidos para fins de pesquisa, no lugar de usar inferência clínica para compor os principais agrupamentos psicopatológicos, trabalhavam com bases de dados colhidas em registros de prontuários ou diretamente com pais e profissionais da saúde e faziam uso de recursos estatísticos de sua época para extrair as síndromes comportamentais. Assim, um dos primeiros

estudos empíricos que deu suporte à hipótese de intercorrelação entre transtornos mentais infantis de modo a sugerir a existência de categorias mais amplas de problemas de comportamento foi publicado em 1942, por Ackerson, que investigou o prontuário de 2.113 meninos e 1.181 meninas nos EUA.

O pesquisador, com base em análise de matriz de correlação, conseguiu extrair dois grupos de escores que agrupavam classes de problemas altamente correlacionados em si: o primeiro, mais relacionado com problemas internalizantes, que ele denominou escore de personalidade, que correlacionava “conflitos mentais”, “instabilidade de humor”, “depressão”, “aparência infeliz” e comportamento “estranho” e o segundo a que chamou de escore de conduta, que agrupava problemas tipicamente externalizantes, como “matar aula”, “desobediência”, “destruição”, “crueldade”, “mentira”, “usar palavrões”, “roubar” e “violação da lei” (Cicchetti & Toth, 1991).

Empregando os dados de Ackerson, alguns anos mais tarde, Jenkins e Glickman (1946) conseguiram reunir cinco principais clusters de comportamentos: superinibido, delinquente socializado, agressivo não-socializado, com disfunção cerebral e esquizoide. Estes três primeiros agrupamentos sindrômicos coincidiram com os encontrados em um outro estudo, conduzindo por Hewitt e Jenkins (1946) no mesmo ano, quando eles investigaram as intercorrelações entre 94 itens obtidos numa amostra de 500 outros prontuários clínicos.

A despeito destas tentativas prévias de desenvolver sistemas de classificação psicopatológica que envolvia o contraste entre indivíduos com características internalizantes ou introvertidas e indivíduos com características externalizantes ou extrovertidas, originalmente o emprego dessa nomenclatura específica pode ser encontrado em Achenbach (1966). Usando os dados obtidos por meio de relato de casos de profissionais de saúde mental, este autor analisou 300 sujeitos com idades entre 4 e 15 anos. Ao extrair os componentes principais de 74 itens para meninos e 73 para meninas, o autor encontrou dois fatores: o primeiro a que designou “problemas externalizantes/internalizantes” e o segundo que denominou “psicopatologia severa e difusa”.

Apesar de ter sido o primeiro a usar essa nomenclatura em 1966, Achenbach e Edelbrock (1978), num artigo de revisão de estudos empíricos, intitulado “The classification of Child Psychopatology” analisam todos os estudos que, de uma forma ou de outra, apontam para a existência das duas amplas dimensões comportamentais e prefere chamá-las de síndromes de undercontrol (baixo controle) e de overcontrol (controle excessivo). Mais de uma década depois,

Achenbach (1991) retoma o emprego dos termos problemas externalização e internalização e confirma que esta distinção bidimensional havia sido empregada em vários estudos similares, ainda que com outras nomenclaturas: desordem da personalidade versus desordem da conduta, inibição versus agressão e overcontrolled (controle excessivo) versus undercontrolled (pouco controle).

Finalmente, é importante ressaltar que, ainda que os problemas do tipo externalizantes e internalizantes configurem-se como duas síndromes comportamentais distintas, isto não significa que elas não podem coocorrer. A comorbidade das síndromes externalizantes e internalizantes é relativamente comum em crianças e adolescentes, tanto em amostras clínicas como não-clínicas (McConaughy & Achenbach, 1994). Por exemplo, Zoccolillo (1992) encontrou uma taxa de comorbidade de 48-69% para distúrbios emocionais e transtorno de conduta (TC) e transtorno opositivo-desafiador (TOD) e de 15-31% para depressão e TC/TOD e de 7,1-30,5% para ansiedade e TC/TOD. Da mesma forma, Costello (1993) observou taxas de comorbidade ainda mais altas (22.83%) para depressão e TC/TOD.

2.3.2. Problemas Externalizantes: Agressividade e Delinquência

Os problemas externalizantes constituem foco de permanente interesse por parte dos pesquisadores e dos profissionais da saúde mental em virtude de sua alta estabilidade (Simonoff et al., 2004) e do valor preditivo que demonstram em relação ao uso de drogas, criminalidade e desordens da personalidade na vida adulta (Barnow, Lucht, & Freyberger, 2005).

Pesquisadores têm classificado os problemas externalizantes em dois tipos: os abertamente agressivos (brigar, bater, xingar) e os mais encobertos, típicos do comportamento delinquente (mentir, roubar, abusar de substância).

O comportamento agressivo e antissocial, especialmente dirigido a pares, é um motivo bastante comum de queixas de pais e professores. Num estudo com crianças brasileiras encaminhadas devido a problemas escolares a serviços de atendimentos públicos foi constatada uma alta prevalência (de 48% para meninas e 52% para meninos) de problemas externalizantes (Marturano, Toller, & Elias, 2005). A agressividade, em particular, foi a segunda queixa mais frequente recebida pela Clínica- Escola da USP (Baraldi & Silvares, 2003). Num outro estudo conduzido com uma amostra de 1731 alunos que atendiam desde a pré-escola até a 6ª série do ensino fundamental, Graminha (1994) concluiu que 68% das