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2. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar e sua linha

2.1. Problemas do Pronaf Infra-Estrutura (Pronaf-I)

O Pronaf surgiu em 1996, em meio a um processo de mudanças na estrutura do Estado, um processo marcado pela descentralização/municipalização da administração de política públicas, como já ressaltado.

Nesse contexto, o Pronaf-I caracteriza-se pela transferência de responsabilidades, antes atribuídas aos governos federal e estaduais, como a priorização de investimentos, ao âmbito municipal. No âmbito do Pronaf-I, Abramovay (2001) vê nessa transferência de responsabilidades uma falha de transferência institucional. Segundo o autor, não existe dificuldade em transferir, para o plano municipal, regras formais, estruturas administrativas e procedimentos burocráticos. No entanto, “o problema é que não se transferem, num passe

de mágica, valores, comportamentos, coesão social e sobretudo a confiança entre os indivíduos que os estimulam a tomar em conjunto iniciativas inovadoras” (p. 124).

Para Favareto e Demarco (2002), o problema central do Pronaf-I é realmente a existência de uma falha institucional que se estabelece quanto não se dá aos CMDR´s competências e instrumentos para que façam mais do que a gestão dos recursos advindos do programa, principalmente ferramentas para a gestão social.

As dificuldades da transferência institucional são potencializadas pelas características dos municípios selecionados. A preocupação em escolher os municípios com maior pobreza rural é mais importante que a preocupação em atingir municípios onde a agricultura familiar poderia responder de forma satisfatória ao estímulo dado por esta linha

do Pronaf. Segundo Abramovay (2001), estes critérios favorecem a burocratização dos conselhos, fazendo dos mesmos instrumentos de repasse de verbas federais, ainda que com alguma supervisão da sociedade local. Segundo Favareto e Demarco (2002), muito dos problemas referentes às ações dos conselhos reside na definição a priori dos municípios contemplados com o Pronaf-I e não por seleção dos projetos.

Segundo Cardoso e Ortega (2001), um dos problemas do sistema de seleção do Pronaf-I é que os municípios selecionados, pobres e com agricultores marginalizados, na sua maioria têm enfrentado enormes dificuldades estruturais, entre outros motivos devido a um fraco grau de urbanização. Segundo Veiga (1998), o Banco Mundial assume que entre os obstáculos à emergência do desenvolvimento nos espaços rurais está a incipiente presença política dos pobres rurais somada à precariedade de infraestrutura de transporte e comunicações. Cardoso e Ortega (2001) defendem como fundamental avaliar a capacidade do Pronaf-I de gerar o que chamam de um “caldo de cultura” do desenvolvimento local num contexto de precárias condições materiais, sociais e organizativas.

O Pronaf-I assenta-se numa estrutura institucional que pressupõe a participação das organizações de representação dos agricultores familiares. Esta estrutura, em alguns municípios, parece ser fortemente influenciada pelas organizações de representação da agricultura patronal, devido a alguns elementos, podendo ser citados: os conflitos entre as entidades de representação dos trabalhadores rurais e da agricultura patronal pela representação da agricultura familiar7, o despreparo das mesmas para a discussão nos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural (Abramovay e Veiga 1999, Cardoso e Ortega 2001) e a forte ligação das entidades de representação com as autoridades locais. Segundo Carneiro (1997), a tentativa de viabilização de uma gestão social no contexto altamente estratificado e hierarquizado próprio das relações sociais na agricultura brasileira, sem dúvida traz numerosos e complexos problemas operacionais. Rosa (1996), destaca que a estrutura operacional do Programa, como já ressaltado, favorece o reforço das relações tradicionais de poder, permitindo o re-direcionamento dos benefícios do mesmo para os grandes produtores, no âmbito local. ASSOCENE (2001) concorda com estas afirmativas, colocando que na maioria dos municípios os CMDR´s vêm

7 Uma vez que as entidades de representação da agricultura familiar não estão oficialmente estabelecidas, em alguns municípios, e mesmos em alguns estados, há conflitos pela representação deste segmento de agricultores. Como a divisão oficial entre patronal e trabalhador é feita com base no módulo rural, formalmente há agricultores familiares em ambos os lados.

atuando muito mais como projeções do espaço do poder local constituído, do que como espaços de articulação de esforços e recursos para o desenvolvimento local sustentável.

Abramovay e Veiga (1999), num survey realizado em dezesseis estados brasileiros para avaliar o desempenho do Pronaf-I, de 1996 a 1998, apontam a necessidade da realização de pesquisas mais abrangentes, que possam detectar até que ponto a alavancagem de processos de desenvolvimento pode estar superando as tendências clientelistas e burocráticas das autoridades locais. As conclusões do trabalham mostram resultados dúbios do Pronaf-I, em algumas regiões desencadeando bons processos de discussão sobre os rumos do desenvolvimento da agricultura familiar; e em outros casos de submissão dos CMDR às decisões das prefeituras. Retrato desta dubiedade é que ficou claro para os autores o “início de uma co-gestão da política voltada ao

fortalecimento da agricultura familiar” e que “é próprio deste tipo de iniciativa que os limites entre a descentralização democrática e o clientelismo nem sempre estejam claros” (Abramovay

e Veiga, 1999: p. 25). Quanto à atuação dos sindicatos rurais patronais, pelo estudo não foi possível analisar até que ponto a influência dos mesmos foi maior que a dos sindicatos dos trabalhadores. No entanto, destaca que “tanto em Minas Gerais quanto em São Paulo houve um

evidente conflito entre o sindicalismo patronal e o trabalhista” (p. 24-25).

Dentro deste quadro, Castilhos (2002) procurou avaliar a capacidade da linha de infraestrutura e serviço do Pronaf em gerar capital social. Pela leitura analítica das pesquisas e relatórios já realizados sobre a linha de infraestrutura e pelos levantamentos empíricos realizados com seus agentes sociais participantes, como agricultores e técnicos, o autor diagnostica uma relativa frustração em relação aos resultados obtidos. O autor ressalta que, apesar dos seus méritos em buscar a participação social e o fomento do desenvolvimento local, os próprios agentes sociais apontaram problemas operacionais que comprometem sua eficácia e funcionamento.

Nas conclusões do seu trabalho, Cardoso e Ortega (2001) levantam a pouca capacidade da linha de infraestrutura em reduzir o que chamam de “déficit de democracia”. Ou seja, aumentar a representatividade dos diversos segmentos locais na gestão social das políticas voltadas ao município. Para os autores, entre os fatores que dificultam esta contribuição está a reduzida experiência participativa das comunidades rurais em processos de tomada de decisão. Ressaltam que o papel do Estado continua sendo fundamental na

regulamentação da participação da comunidade local nos espaços representativos, incentivando sua organização.

Ainda segundo Cardoso e Ortega (2001), na lógica de funcionamento do Pronaf-I há uma clara percepção de que a inserção da agricultura familiar no mercado passa pelo fortalecimento da capacidade de organização dos próprios agricultores. Percebem que nos municípios com maior organização de base (associações de agricultores), os membros dos CMDR´s mostraram melhor percepção dos seus problemas e maior capacidade de discuti- los sob perspectiva mais ampla que a do desenvolvimento rural, percebendo a importância de uma discussão que alcance o desenvolvimento local. No entanto, apesar desta percepção, a mesma não tem significado maior capacidade de resposta a partir do Pronaf-I. Assim, colocam como ilusão pensar que o Pronaf seja capaz de projetar os pequenos municípios, com forte base agrícola familiar com fraca inserção nos mercados, para uma trajetória de desenvolvimento que promova amplo resgate social.

Assim, pode-se dizer que os principais problemas enfrentados pelo Pronaf-I atualmente estejam ligados ao âmbito de participação da sociedade local, o municipal. Os conflitos entre entidades de representação e grupos organizados, o clientelismo típico da maioria dos municípios brasileiros, a falta de capacidade dos atores sociais para a conformação de planos realistas de desenvolvimento rural são alguns dos problemas ligados ao âmbito municipal.

Tentando contornar este problema, a Secretaria da Agricultura Familiar decidiu promover uma mudança significativa no Programa, a partir de 2001: destinar uma parcela dos recursos do Programa para projetos elaborados por instituições intermunicipais, como consórcios de municípios. Naquele ano 15% dos recursos do Programa foram destinados a este tipo de ação.