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Problemas no planeamento e na gestão do sistema escolar

As competências que a LBSE atribui aos órgãos locais autárquicos são partilhadas com outras instituições, no que diz respeito à educação pré-

5.4. Problemas no planeamento e na gestão do sistema escolar

Se as autarquias respondem habitualmente com u m a atitude de defesa das situações existentes é também porque se dirigem a um interlocutor sem capacidade de propor alternativas válidas para o futuro das escolas primárias em meio rural, pois a administração experimenta dificuldades específicas para lidar com este problema. A primeira dificuldade residirá no facto de que, num cenário de massificação do sistema escolar e de elevação dos índices de escolarização, os esforços de concepção e os recursos estão orientados para o crescimento, pelo que processos diversos, onde predominam lógicas de retracção ou de reafectação, evidenciam as limitações das práticas habituais de planeamento e de

gestão. No caso em análise não se trata só de construir e crescer, mas também encerrar, deslocar.

Em segundo lugar, a escala em que os problemas ganham existência (e na qual são mantidos por interesse político ou por procedimentos administrativos) não é a mais propícia para a aplicação de modelos primordialmente abstractos, revelando as insuficiências sociais, culturais e políticas do já fragilizado modelo "tecnocrático" de planeamento, assente n a crença de que os "especialistas" ou os "técnicos" levam a racionalidade ao terreno do desordenamento. Os trabalhos oriundos da administração, ou por esta encomendados, recorrem predominantemente a metodologias

difundidas pelas organizações internacionais (UNESCO, OCDE, CEE/UE. Banco

Mundial). A produção obtida merece um balanço (auto-)crítico, tanto pela excessiva confiança nos métodos de previsão e de redução das incertezas por via da sofisticação dos modelos, em desfavor de u m conhecimento mais íntimo das condições reais dos processos educativos e sociais, como pela insuficiente experimentação prévia ou pela ausência de avaliação das intervenções (UNESCO, 1989). Assim, tendo como pano de fundo os pesados c o n s t r a n g i m e n t o s financeiros, as t r a n s f o r m a ç õ e s t é c n i c a s e organizacionais e a complexidade crescente dos sistemas educativos, os "sábios" do planeamento da educação, reunidos sob a égide da UNESCO, propõem-se práticas mais estratégicas e contratuais que programáticas e normativas. À ideia de planeamento estratégico, ligam as noções de "planeamento participativo", "negociado" e "descentralizado", para o exercício dos quais o responsável pelo planeamento deve ser formado, tendo em vista a "negociação, meio de o inserir no jogo da decisão colectiva" (ib., p. 38).

Em terceiro lugar, a afectação de recursos de investimento de capital (dignos de figurar no PIDDAC, no PRODEP ou em outros mecanismos "nobilitados" de financiamento) pode não ser aqui o essencial. Os problemas específicos dos transportes escolares e respectivos custos, a negociação de responsabilidades e encargos entre níveis políticos e administrativos, os interesses dos professores, dos pais, dos autarcas, dos

empresários de transporte de passageiros e de outros sujeitos directamente implicados ou a rivalidade entre povoações são algumas das componentes do problema a que u m a racionalidade "instrumental" se revela incapaz de responder, requerendo a mobilização de u m a racionalidade "estratégica", entendida esta como modo de escolha de objectivos e de acção que contempla a limitação dos meios disponíveis e a existência de vontades sociais diversas e, por vezes, opostas (Lopes, 1989, p.142). A distância que frequentemente separa as decisões em matéria de política educativa das condições concretas da sua aplicação, distância expressa em elevados níveis de ineficiência e de ineficácia, poderá ser compreendida no quadro do domínio de u m a "lógica decisional", decorrente das exigências macro-económicas, das prioridades políticas e das negociações com grupos de representação social e profissional, em prejuízo de uma "lógica educativa", assente nas "aspirações escolares das populações, [nos] projectos de vida das comunidades, das famílias ou dos indivíduos" (Ambrósio, 1992, pp. 11-12). Daqui, a pertinência tanto do estudo da intervenção dos actores sociais para a compreensão das dificuldades de aplicabilidade das decisões políticas em educação, como da valorização de "processos de implicação das populações e capitalização dos seus modos de identificação comunitária, s u a s disposições e práticas simbólicas, como recursos de desenvolvimento auto-centrado" (Silva, 1988, p. 47).

A perspectiva estratégica, atrás referida, é igualmente crítica de u m a concepção dos espaços como territórios homogéneos e regulares, sobre os quais se pode, uniformemente, projectar diferentes variáveis, a fim de determinar a maximização da eficácia dos serviços educativos. Esta concepção será característica de um "paradigma funcionalista", ou seja, do predomínio da visão economicista de "afectação óptima de recursos escassos", a que se poderá opor um "paradigma territorialista", entendido como u m a perspectiva global que valoriza os processos de interacção entre interesses contraditórios num espaço determinado e "singular" (Henriques,

Nas práticas mais correntes, verifica-se u m a difícil compatibilização entre os planos e as variáveis políticas e entre os planos e a sua aplicação, correspondendo a u m a divisão de trabalho que hierarquiza, nem sempre com distinções bem nítidas, os políticos, os planificadores e os responsáveis pela execução. Os políticos guiam-se pelo "bom senso" (algo que, evitando estar longe do "senso comum", procura o "consenso"), ora utilizando os planos para legitimar opções, ora abandonando-os quando se revelam pouco "sensatos", porque não têm em devida conta "as realidades" ou os "critérios de ordem política". Por outro lado, os "executores", além de atenderem às "razões" emanadas dos políticos, procuram mais a conformidade administrativa que a aplicação eficaz dos planos.

A natureza hierárquica e burocrática das práticas de planeamento dificulta o desenvolvimento de processos mais permeáveis e flexíveis de participação dos directamente interessados e não permite o acréscimo de legitimidade que esta participação pode proporcionar. De facto, para além de sinal da afirmação dos aparelhos técnicos e dos seus profissionais, o planeamento é u m a estratégia de reforço da legitimidade do exercício do poder político. (A esta luz não será estranho que, entre nós, nos últimos anos, a existência de maiorias absolutas tenha contribuído, certamente a par de outros factores, para a relativização do lugar do planeamento).

A racionalização, a eficiência ou a eficácia tendem a surgir como objectivos autónomos na administração dos sistemas educativos. A a u s ê n c i a de política favorece a autonomização desses valores instrumentais, transformados em argumentação auto-justificativa, de difícil avaliação. Em certos casos, mais adequado seria falar-se de uma política de ausência. É com saber de experiência feito que se escreve: "O ME tem tido receio em agarrar a problemática do reordenamento da rede escolar; é um dossier que anda nas mãos de sucessivos ministros mas, de tão quente que é, passa de mão em mão. A tarefa, como já referi, tem incidências sociais e culturais b a s t a n t e profundas e é, por isso, complexa." (Azevedo, 1994, p. 54).

Concluo este sub-capítulo recordando que o problema das pequenas